Poucas horas depois de James Whitbrook começar seu expediente no site americano Gizmodo, ele recebeu um recado do seu editor-chefe: em 12 horas, o portal publicaria textos escritos por IA (inteligência artificial). Dez minutos depois, entrou no ar um texto escrito pelo bot sobre a ordem cronológica dos filmes e séries de Star Wars.

Para quem tem pressa:

  • Um site americano começou a publicar textos escritos por IA;
  • O primeiro – sobre a ordem cronológica de Star Wars, publicado sem revisão – deixou os funcionários irritados e preocupados;
  • O texto foi escrito por uma combinação dos chatbots ChatGPT e Google Bard;
  • Uns disseram que esse tipo de texto pode manchar a credibilidade do site, enquanto outros se irritaram com o “nível básico de incompetência” do bot.
  • O teste conduzido pelo site americano toca num debate mais amplo sobre o papel da IA no jornalismo.

Whitbrook – que escreve e edita artigos sobre ficção científica – leu rapidamente o texto, que ele disse ter sido publicado sem revisão. Ele catalogou 18 “preocupações, correções e comentários” sobre a postagem num e-mail para o editor-chefe, Dan Ackerman.

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O texto foi escrito usando uma combinação dos chatbots Google Bard e ChatGPT, de acordo com um funcionário, ouvido pelo The Washington Post, da G/O Media familiarizado com o assunto. A G/O Media possui vários sites de mídia digital.

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Preocupações, correções e comentários

Ilustração de perfil de rosto feita com linhas de códigos de programação para representar conceito de IA
(Imagem: Yuichiro Chino)

Para começar, o editor apontou que o bot colocou a série “Star Wars: The Clone Wars” na ordem errada e omitiu outras produções – por exemplo: a série Andor e o filme de 2008, que em inglês também chama “Star Wars: The Clone Wars”.

Além disso, a IA formatou os títulos do post e das produções de forma imprecisa, escreveu descrições repetitivas e a publicação não continha um “aviso explícito” de que tinha sido escrita por IA, exceto a assinatura do bot.

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O post rapidamente gerou protestos entre os funcionários, que reclamaram no sistema interno de mensagens Slack da empresa.

Eles escreveram que o texto cheio de erros estava “prejudicando ativamente nossa reputação e credibilidade”, mostrava “respeito zero” pelos jornalistas e deveria ser excluída imediatamente, de acordo com as mensagens obtidas pelo jornal.

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Nunca tive que lidar com esse nível básico de incompetência com nenhum dos colegas com quem já trabalhei. Se esses IA [chatbots] não podem fazer algo tão básico quanto colocar um filme de Star Wars em ordem um após o outro, não acho que você possa confiar nele para [redigir] qualquer tipo de informação precisa.

James Whitbrook, editor do site americano Gizmodo

IA redatora?

Mãos robóticas sobre teclado
(Imagem: Thinkstock)

Em 29 de junho, Merrill Brown, diretor editorial da G/O Media, citou a missão editorial da organização como um motivo para adotar a IA.

Como a G/O Media possui vários sites que cobrem tecnologia, ele escreveu, tem a responsabilidade de “fazer tudo o que pudermos para desenvolver iniciativas de IA relativamente cedo na evolução da tecnologia”.

“Esses recursos não estão substituindo o trabalho atualmente feito por redatores e editores”, disse Brown ao anunciar aos funcionários que a empresa lançaria um teste para testar “nosso pensamento editorial e tecnológico sobre o uso da IA”. “Haverá erros e eles serão corrigidos o mais rápido possível”, prometeu.

O teste repleto de erros do site americano toca num debate mais amplo sobre o papel da IA ​​nas notícias.

No jornalismo

Mãos robóticas segurando jornal para ilustrar a imprensa e inteligência artificial
(Imagem: Freepik)

Vários repórteres e editores disseram que não confiam em chatbots para escrever textos bem redigidos e completamente verificados. Eles temem que os líderes empresariais queiram introduzir a tecnologia nas redações sem cautela suficiente.

Especialistas em IA disseram que muitos modelos grandes de linguagem ainda têm defasagens tecnológicas que os tornam uma fonte não confiável para o jornalismo, a menos que humanos estejam profundamente envolvidos no processo.

Se deixadas sem supervisão, disseram eles, as notícias geradas artificialmente podem espalhar desinformação, semear a discórdia política e impactar significativamente os veículos de comunicação.

O perigo é [afetar] a confiabilidade da empresa. Se você vai publicar conteúdo impreciso, provavelmente [isso] será um golpe na credibilidade [do veículo de comunicação] com o tempo.

Nick Diakopoulos, professor associado de estudos de comunicação e ciência da computação na Universidade Northwestern

Com informações de The Washington Post (em inglês)

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