Uma técnica experimental foi aplicada durante três meses em pacientes que perderam o olfato após serem infectados pela Covid-19 havia ao menos 13 meses. A pesquisa investigou a presença, ou não, de memórias afetivas associadas na reabilitação, também considerando gostos pessoais de cada voluntário depois de uma entrevista.

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Como funcionou o estudo

  • Durante 90 dias, 33 participantes ficaram no grupo de tratamento experimental e usaram quatro kits com quatro diferentes aromas.
  • Outras 29 pessoas ficaram no grupo de controle/tratamento tradicional e utilizaram apenas aromas clássicos: cravo, rosa, limão e eucalipto.
  • Entre as 44 fragrâncias usadas na pesquisa estavam a de pão, chocolate e cheiro de campo.
  • Essas três foram as que tiveram as maiores notas dadas pelos voluntários que, no início do tratamento, analisaram cada aroma e deram uma nota de 0 a 10 na escala de “melhor cheiro que senti na minha vida”. 

Relação entre as memórias afetivas e os cheiros

A ideia da pesquisa surgiu em 2019, quando a naturóloga e especialista em neurociências Vanessa Castello Branco Pereira teve contato com uma paciente de 92 anos com um quadro de perda de olfato persistente e sem diagnóstico havia dois anos. Ela reclamava que não conseguia mais comer geleias de frutas, e que, sem o olfato, estava perdendo a memória da mãe.

A pesquisadora então testou a hipótese de que a modificação do tratamento padrão de reabilitação poderia ter melhores resultados se usassem aromas de agradabilidade e atrelados às memórias afetivas de cada pessoa, segundo informações do G1.

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O tratamento mais indicado é o treinamento olfativo [tradicional], mas ele não leva em conta questões genéticas, nem culturais, nem individuais de apreciação a odores. Isso faz muita diferença porque, dentro da organização dos receptores olfatórios, cada pessoa vai ter um arranjo diferente por conta da genética.

Vanessa Castello Branco Pereira

De acordo com a pesquisadora, é como se houvesse uma espécie de “digital olfativa” em cada nariz, o que pode fazer com quem as pessoas tenham diferentes relações com os cheiros. Com isso, a proposta foi fazer a reabilitação do olfato baseada na história da pessoa.

É uma forma de a gente estimular essas sinapses [transmissões de sinais entre neurônios] e esses caminhos neurais que foram defasados depois de um distúrbio de tanto tempo. A gente teve resultados bem positivos e significativos e que demonstram que, sim, quando a gente utiliza aromas da nossa vida, dessa memória afetiva e com agradabilidade, a gente pode recuperar em um tempo menor as funções do olfato.

Vanessa Castello Branco Pereira

As melhores notas

Para a apuração, foi feita uma “escala visual analógica” de 0 a 10, em um tipo de régua. Na ponta do lado direito estava a escala para o “o melhor cheiro que eu já senti na minha vida” e, no lado oposto, “o pior cheiro que eu já senti na minha vida”.

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Das 44 substâncias, as três com maiores notas foram o cheiro do chocolate (com nota 8,48), o pão (8,44) e cheiro de campo/natureza verde (8,39).

Ao longo dessa avaliação, as pessoas poderiam trazer um relato. E com relação ao pão [aroma entre os mais votados nos dois grupos], o relato trazia ‘o chegar em casa com o pão fresquinho’, ou ‘passar na frente da padaria’, ‘o pão quentinho pela manhã’, tudo muito relacionado a um prazer mais familiar.

Vanessa Castello Branco Pereira
Terapia usou aromas ligados à memória afetiva para recuperar o olfato perdido pela Covid-19 (Imagem: DimaBerlin/Shutterstock)

Covid-19 e a perda do olfato

O vírus da Covid-19 afeta o olfato, inicialmente como uma gripe, que pode entupir o nariz e levar a uma diminuição da chegada das moléculas até o epitélio olfatório (responsável pela sensibilidade olfativa).

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A Covid tem uma atração especial pelas células neuronais, que são responsáveis pelo olfato, e acaba destruindo essas células. Quanto mais grave a Covid, provavelmente ela lesa mais as células basais, que são células de regeneração do olfato. Isso pode levar a uma condição mais crônica, a uma perda de olfato e, logo, a uma perda de paladar.

Marco Aurélio Fornazieri, pós-doutor em distúrbios do olfato e paladar pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos

Os neurônios olfativos, de acordo com o especialista, são mortos pelos vírus, mas há uma renovação desses neurônios de 4 a 12 semanas. O problema é quando as células que geram esses neurônios são afetadas pelos vírus e morrem.

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