Forma de íon considerada essencial para cálculos químicos simplesmente não existe

Segundo os cientistas que descobriram que o íon sulfeto em solução aquosa não existe, essa espécie química precisa ser banida dos cálculos
Por Mateus Dias, editado por Flavia Correia 27/10/2023 13h45, atualizada em 27/10/2023 13h46
Íon nunca existiu. Imagem ilustrativa (Crédito: banjongseal324SS/shutterstock)
Imagem ilustrativa de experimento químico em solução aquosa. Crédito: banjongseal324SS - Shutterstock
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Pesquisadores investigavam a utilização de soluções de sulfeto para reduzir as emissões de mercúrio das refinarias de alumina em 2018, quando acabaram descobrindo algo muito mais substancial: um tipo de íon que se acreditava participar dessa reação, na verdade, não existe e nunca existiu.

Para quem tem pressa:

  • O íon sulfeto (s2-) é encontrado em várias formas;
  • Acreditava-se que uma delas seria em solução aquosa;
  • Ao analisar os íons envolvidos na reação de redução de mercúrio, um grupo de cientistas percebeu, no entanto, que a espécie química íon s2- (aq) não existe;
  • Isso significa que alguns cálculos químicos simples, frequentemente usados para prever como os minerais sulfetados se dissolvem e reagem na água, estão incorretos;
  • Os autores do estudo recomendam que não se considere mais a forma aquosa do íon s2-.

Cálculos químicos comprometidos

Durante décadas, considerou-se a existência do íon sulfeto na forma aquosa. Até que, em 2018, uma equipe de cientistas da Universidade Murdoch, na Austrália, começou uma investigação sobre a eficácia de soluções de sulfeto na redução de emissões de mercúrio de refinarias que produzem alumina.

Este estudo envolveu uma química bem específica, usando vários compostos e variações de enxofre dissolvidos em soluções aquosas hiperconcentradas, nos quais foi aplicado um espectrômetro Raman, um dispositivo que dispara feixes de laser para energizar moléculas direcionadas. Usando a luz dispersa, um algoritmo de detecção e decodificação consegue descobrir quais espécies químicas específicas estão presentes. Para surpresa de todos os envolvidos, nenhum S2-(aq) foi detectado.

A espectroscopia Raman é uma técnica fotônica de alta resolução que pode proporcionar, em poucos segundos, informação química e estrutural dos materiais. Crédito: NC Noticio

Eles então descobriram que esse íon “fantasma”, que constava nos livros didáticos, pesquisas e bancos de dados como uma “peça fundamental na termodinâmica do sulfeto”, simplesmente não existe em solução aquosa.

Um problema químico simples que desafia o melhor que a instrumentação moderna pode oferecer é raro hoje em dia. Uma desventura generalizada e contínua na ciência é ainda mais rara. No entanto, ambas aconteceram durante a suposta existência da espécie química s2- (aq).

Trecho do arquivo que descreve a pesquisa, publicado na revista Chemical Communications

Leia mais:

Tipo de íon “fantasma” deve ser “banido pela comunidade química

Na conclusão do trabalho, os autores foram categóricos em dizer que o íon sulfeto em solução aquosa precisa ser completamente banido da química, para evitar que um erro que vem sendo cometido há décadas continue perpetuando nos cálculos.

Os pesquisadores ainda acrescentam que alguns cálculos simples utilizados para prever as reações dos minerais sulfetados se dissolvendo e reagindo à água estão errados. “Nossa recomendação aos pesquisadores e professores é não aceitar a existência do íon sulfeto em solução aquosa, pois não há evidências de sua existência”.

Esperamos que nossos resultados agora tenham uma influência firme nos cálculos químicos, mas o tempo dirá 

Darren Rowland, coautor do estudo, em comunicado.
Redator(a)

Mateus Dias é estudante de jornalismo pela Universidade de São Paulo. Atualmente é redator de Ciência e Espaço do Olhar Digital

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.