Antigo sistema fluvial é descoberto sob gelo na Antártica

A paisagem se formou quando a Antártica não havia congelado; o rio corria do interior do continente até sua costa
Por Mateus Dias, editado por Bruno Capozzi 29/10/2023 09h00, atualizada em 01/11/2023 21h30
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Debaixo das espessas camadas de gelo da Antártica, um grupo de pesquisadores descobriu uma antiga paisagem, esculpida há milhares de anos por um rio. Os vales remontam de um período em que o continente ainda fazia parte da Gondwana (um supercontinente que existiu há mais de 200 milhões) e possuía um clima semelhante à região da Patagônia, no sul da América do Sul.

A descoberta, publicada recentemente na revista Nature Communications, foi feita a partir de um mapeamento de características topográficas do solo existente abaixo das camadas de gelo na Antártica Oriental. Para isso, foram utilizados radares e satélites de penetração no gelo, com o propósito de avaliar como essas plataformas alteraram o relevo antártico.

A estrutura foi localiza nas bacias Aurora-Schmidt
A estrutura foi localiza nas bacias Aurora-Schmidt (Crédito: Jamieson et al., Nature Communications, 2023)

A antiga paisagem foi encontrada nas bacias Aurora-Schmidt, no interior das geleiras Denman e Totten, a cerca de 350 quilômetros no interior da plataforma de gelo e abaixo de mais de 2 mil metros da superfície gelada. Ela consiste em três blocos escavados pelo rio, com cerca de 40 quilômetros de largura. Essas estruturas também estão cheias de cristas e pequenos vales esculpidos, provavelmente a partir de fendas que surgiram durante a separação da Gondwana.

Pudemos ver que havia algo como o fantasma da paisagem sob o gelo. Em algum momento no passado, houve rios fluindo sobre ele, o que automaticamente deve significar que é anterior ao crescimento da camada de gelo.

Stewart Jamieson, pesquisador envolvido na mapeação topográfica, em resposta ao WordsSideKick.com

A área se estende por cerca de 32 mil quilômetros quadrados e, provavelmente, antes de congelar, abrigava árvores, florestas e animais.

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Formação da paisagem e mudanças climáticas

O terreno da região pesquisada, com três blocos cobertos por cristas e vales, separados por duas largas depressões
O terreno da região pesquisada, com três blocos cobertos por cristas e vales, separados por duas largas depressões. (Jamieson et al., Nature Communications, 2023)

Devido à boa preservação das paisagens, os pesquisadores acreditam que a região congelou rapidamente há 14 milhões de anos. Desde então, as oscilações de temperaturas não foram suficientes para o gelo recuar até a região e a expor a outros fatores erosivos, diferentemente de outras regiões do continente.

  • As camadas de gelo da Antártica começaram a se formar há cerca de 34 milhões de anos;
  • Antes disso, entre 60 e 34 milhões de anos atrás, um rio teria corrido do meio do continente até a costa;
  • A paisagem recém descoberta foi coberta de gelo provavelmente depois disso, num processo que durou cerca de 14 milhões de anos — e que agora está estável.

No entanto, apesar de permanecer preservada por milhões de anos, isso pode não durar muito. Com as mudanças climáticas e consequente aumento da temperatura, as plataformas de gelo antártico podem acabar derretendo e expondo a região a processos erosivos.

No futuro, caso essa região sobreviva intacta, os pesquisadores esperam ir até o local e colher amostras de sedimentos e rochas da paisagem debaixo do gelo, para entender como era a biodiversidade existente na região antes do continente congelar. Além disso, os pesquisadores acreditam que possam existir outras regiões semelhantes.

Dada esta descoberta de uma paisagem antiga escondida à vista de todos, e de outras, propomos que haverá outras paisagens antigas semelhantes, ainda não descobertas, abaixo da Austrália Ocidental.

Trecho do artigo
Redator(a)

Mateus Dias é estudante de jornalismo pela Universidade de São Paulo. Atualmente é redator de Ciência e Espaço do Olhar Digital

Bruno Capozzi é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, tendo como foco a pesquisa de redes sociais e tecnologia.