A Polícia Federal (PF) apresentou elementos que indicam a utilização ilegal de um software espião pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Um dos principais pontos da investigação, que originou a Operação Última Milha, é um e-mail que menciona uma suposta tentativa de invasão da rede da operadora Tim.

  • O software em questão, denominado FirstMile, é central na investigação da PF, que alega que o mesmo invadia a rede de telefonia brasileira para rastrear a localização de celulares com base nos dados enviados para torres de telecomunicação.
  • A suspeita recai sobre o uso indevido da ferramenta durante a gestão do atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL), acusando a espionagem de desafetos políticos de Bolsonaro, incluindo professores, advogados, políticos e jornalistas.
  • A PF alega que a invasão da rede de telefonia dispensava a necessidade de autorização judicial para obter informações sobre a localização dos dispositivos.

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O documento chave na investigação é um e-mail de janeiro de 2020, obtido pela Folha de S. Paulo, onde uma funcionária da empresa Cognyte (anteriormente Suntech/Grupo Verint), responsável pela venda da ferramenta à Abin, menciona a pesquisa e teste de novos métodos para acessar a rede da Tim, que estava bloqueando as tentativas de acesso.

Estamos pesquisando e testando novos métodos para acessar a rede da Tim, mas até o momento a Tim está bloqueando todas as nossas tentativas de acesso à rede. O manteremos informado assim que houver necessidade nos nossos testes.

Trecho de e-mail de funcionária da Cognyte obtido pela Folha
abin
Imagem: Governo Federal

O software foi adquirido por R$ 5,7 milhões da empresa israelense Cognyte, com dispensa de licitação, no final do governo Michel Temer, em 2018. A PF decidiu expandir a investigação para o Exército após a revelação de que a instituição também havia adquirido o sistema.

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Ação da PF

A PF solicitou o afastamento de um servidor da Abin responsável pela gestão do contrato para o uso do software, alegando que ele tinha “plena ciência da característica intrusiva da ferramenta”. A corporação sustenta que desde o início, a Abin estava ciente do caráter invasivo do software e de sua capacidade de invadir a rede nacional de telefonia.

O relatório da investigação destaca que o Estado brasileiro pagou R$ 5 milhões para a empresa estrangeira realizar “ataques sistemáticos” à rede de telefonia nacional, resultando na disponibilização da geolocalização de diversos cidadãos brasileiros sem ordem jurídica.

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A análise preliminar dos dados identificou 60 mil usos da ferramenta e 21 mil números de telefone alvos de busca. No entanto, a PF alerta para possíveis inconsistências nos dados, indicando a falta de integridade ou alteração indevida.

A reportagem da Folha de S. Paulo contatou a Cognyte, mas não obteve resposta. Em nota à Folha, a Abin afirmou que a atual direção tomou conhecimento do caso por meio de um relatório de correição extraordinária, instaurando imediatamente uma sindicância e cooperando com a PF no inquérito, que corre em sigilo.

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“A agência acrescenta ainda que a sindicância instaurada pela Abin foi avocada pela Controladoria-Geral da União. Desta forma, por se tratarem de sindicância e de inquérito sob sigilo, a administração da Abin ainda não teve acesso aos fatos levantados pelas apurações”, continuou a Abin em nota à Folha.