Ano-a-ano, sabemos que os planetas de nosso Sistema Solar (como nossa amada Terra) movem-se lentamente em torno do Sol, no que parece ser um movimento imutável. Contudo, Sol, planetas, luas principais e planetas anões (como Plutão) estão em constante troca de energia gravitacional, podendo mudar, de forma sutil, suas órbitas a cada mil ou milhões de anos.

A maneira como os cientistas conseguem compreender tais mudanças determina até que ponto no tempo eles podem traçar, com segurança, as órbitas planetárias. Isso é conhecido como horizonte temporal.

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“Há certo período além do qual não é mais possível retroceder o relógio“, explicou Sean Raymond, astrônomo do Laboratoire d’Astrophysique de Bordeaux e da Université de Bordeaux (França), ao EOS.

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Os cálculos mais precisos do horizonte de tempo em nosso planeta exigem medições mais precisas dos corpos existentes em nosso Sistema Solar. Tudo, desde a forma ligeiramente não-esférica do Sol, até os tamanhos dos demais corpos presentes por aqui (como planetas, planetas-anões, grandes asteroides e luas) precisa ser calculado.

Recentemente, a partir de estudo publicado na Astrophysical Journal Letters, astrônomos demonstraram que outro fator precisa ser considerado ao calcular o horizonte temporal da Terra: as demais estrelas que viajam a velocidades estonteantes próximas de nossa casa.

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Os rastros gravitacionais que elas produzem são capazes de encurtar o horizonte de tempo terrestre em até 10%, ou sete milhões de anos, diz o estudo.

Dada esta informação, é vital que conheçamos precisamente o passado orbital da Terra para compreendermos a história arquitetônica de nosso Sistema Solar e do clima da Terra, (também) afetado pelas mudanças sutis na órbita de nosso planeta.

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Verificando a órbita terrestre voltando no tempo

  • Sabe-se que voltar no tempo (mesmo que teoricamente) exige precisão;
  • O autor principal da pesquisa, Nathan Kaib, cientista planetário do Planetary Science Institute em Tucson, Arizona (EUA), e da Universidade de Oklahoma em Norman, explica:
    • Mesmo a menor das incertezas na massa ou posição de um objeto atualmente crescerá exponencialmente à medida que a órbita é rastreada há milhões de anos, até que as órbitas passadas se tornem tão caóticas, que não poderão ser rastreadas;
  • Esse princípio também é aplicável às previsões meteorológicas, já que mesmo as menores incertezas acerca dos modelos de previsão meteorológica já significam previsão pouco confiável além de alguns dias antes.

Por vezes, os astrônomos conhecem as posições dos corpos do Sistema Solar com precisão de um metro, mas, “um erro de um metro na posição de Júpiter se propaga e, dessa forma, fica impossível retrocedermos tanto quanto queremos“, afirma Raymond, coautor do estudo.

Horizonte temporal

O chamado horizonte temporal da Terra considerado atualmente é de 60 milhões a 70 milhões de anos. Ainda, a órbita de nosso planeta é incerta demais para ser rastreada, bem como para paleoclimatologistas a considerarem como causa das grandes mudanças climáticas.

Apesar dessa situação, cálculos mais precisos do horizonte temporal assumem que nosso Sistema Solar existe de forma isolada, não sendo afetados por acontecimentos na Via Láctea, segundo Kaib.

Mas os astrônomos sabem que o Sol já recebeu “visitinhas” de outras estrelas e estimam que uma média de 20 estrelas se encontram a cerca de três anos-luz de nossa estrela-mor a cada milhão de anos.

Contudo, ainda é incerto quanta influência gravitacional eles podem ter no Sistema Solar, portanto como afetam nosso horizonte temporal.

Estrelas brilhantes proeminentes a cerca de 50 anos-luz do Sol; este mapa não inclui pequenas estrelas anãs vermelhas e marrons, muito mais numerosas (Imagem: Andrew Z. Colvin, CC BY-SA 3.0)

Estudando

A partir de simulações de computador, a equipe do estudo traçou qual era a órbita da Terra há 150 milhões de anos, contabilizando as influências gravitacionais dos planetas do Sistema Solar, além de Plutão e de vários asteroides relevantes.

A partir disso, eles conseguiram descobrir que a órbita da Terra se tornou muito incerta, impedindo assim seu rastreamento após cerca de 67 milhões de anos, corroborando com cálculos de horizonte de tempo realizados anteriormente.

Depois, eles colocaram o Sistema Solar simulado por eles na “vizinhança solar” e deixaram as estrelas passarem por ele, como acontece na vida real. Descobriu-se, então, que, se uma estrela que passasse fosse grande o bastante, se movesse suficientemente lenta ou se aproximasse a vários anos-luz do Sol, sua gravidade perturbaria as órbitas dos planetas exteriores.

Tais instabilidades afetaram a órbita da terra e encurtaram seu horizonte de tempo entre cinco milhões e sete milhões de anos, ou 7% a 10%.

Confira um exemplo da simulação no vídeo abaixo:

“O estudo é interessante e sugere que as estrelas que passam podem ter de ser adicionadas à lista de pequenos efeitos na evolução orbital do Sistema Solar,” pontuou Richard Zeebe, físico da Universidade do Havai em Mānoa, Honolulu (EUA), que não participou do estudo.

Os modelos de evolução orbital existentes já contemplam pequenas influências de asteroides, momentos de quadrupolo solar, dissipação de marés e perda de massa solar, segundo Zeebe.

Horizonte segue inalterado

Os autores da pesquisa foram capazes de demonstrar que um encontro casual do Sol com outra estrela poderia, ao menos em tese, mudar a órbita terrestres. Vamos ver se isso realmente já aconteceu:

Dados recentes colhidos pela missão Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), que vem mapeando posições e movimentos de milhões de estrelas presentes em nossa galáxia, mostram que uma estrela semelhante ao Sol, chamada HD 7977, passou por nosso Sistema Solar há cerca de 2,8 milhões de anos.

Não sabemos quão perto ela chegou do Sol, mas existe probabilidade de 5% de ela ter passado a 3,9 mil unidades astronômicas (UA) de nossa principal estrela, ou cerca de 100 vezes a distância existente entre o Sol e Plutão.

Ou seja, se a HD 7977 passasse tão perto assim do Sol, as simulações realizadas durante o estudo mostraram que a gravidade da estrela “visitante” teria, de fato, reverberado pelo Sistema Solar, esticando ligeiramente a órbita da Terra e encurtando seu horizonte temporal em apenas 50 milhões de anos.

Esse horizonte de tempo ajustado, em geral, um limite de até onde os cientistas conseguem estimar a influência da órbita terrestre em seu clima, o coloca dentro do alcance de uma mudança paleoclimática chamada Máximo Térmico Paleoceno-Eoceno (PETM, da sigla em inglês).

Registros geológicos de cerca de 55 milhões de anos atrás indicam aumento de mais de 5 °C na temperatura média da Terra que pode ter sido causada por mudança na órbita do planeta.

A noção de que as estrelas passageiras são importantes impulsionadoras do paleoclima deve ser encarada com cautela. As chances de encontros estelares [como] com HD 7977 serem relevantes para nossos cálculos ou compreensão do PETM são muito pequenas.

Richard Zeebe, físico da Universidade do Havai em Mānoa, Honolulu (EUA), em entrevista ao EOS

Segundo Zeebe, “incluir encontros estelares em modelos astronômicos, talvez, pudesse fazer pequena diferença nos cálculos, mas não nos dados”, indicando ainda que os dados geológicos do evento descrevem o que aconteceu com clareza.

Segundo Kaib e Reymond, mesmo que as simulações após encontro com a HD 7977 tenham apontado consistência com o registro geológico do PETM, a estrela não desencadeou o período climático quente, tampouco afirmam que seu horizonte temporal calculado deveria ser adotado como está.

Também enfatizam que o modelo não possui diversos detalhes sutis, como marés e um Sol ou Lua não-esféricos, presentes em cálculos de horizonte de tempo mais sofisticados.