Imagine viver em um planeta que gira ao redor não de apenas uma estrela, nem duas, mas de três estrelas orbitando entre si. Infelizmente isso não significaria apenas poder contemplar um pôr do sol triplo, mas enfrentar condições extremas e imprevisíveis, com eras de calor intenso e invernos glaciais que podem durar séculos. Tudo isso provocado por uma complexa interação gravitacional entre as estrelas do sistema, um caótico balé cósmico à três, que é explorado na série “O Problema dos Três Corpos”, inspirada na obra de Cixin Liu. A impossibilidade de se prever o movimento dos astros em um sistema triplo, representa um problema clássico na astronomia, conhecido como o “Problema dos Três Corpos”.

Mas o que torna essa dança tão complexa? No nosso universo, a força da gravidade rege os movimentos de planetas, estrelas e galáxias. Isaac Newton, aquele cara da maçã, conseguiu descrever essa força com elegância matemática, permitindo calcular a trajetória de um planeta ao redor de uma estrela. E o resultado é uma órbita harmoniosa e previsível, como uma valsa dançada em companhia do seu amor! Agora experimente convidar uma ex-namorada ou ex-namorado para bailar essa valsa à três e verás o caos acontecer. 

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Quando adicionamos um terceiro corpo celeste nessa equação, o baile vira barraco e a coreografia se transforma em um frenesi imprevisível. As interações gravitacionais entre os três corpos criam um sistema caótico, onde pequenas perturbações podem levar a grandes mudanças nas trajetórias. Todos os envolvidos nesta dança cósmica vão levar sucessivos puxões gravitacionais, podem se atracar momentaneamente ou serem chutados para longe desta relação.

[ Trajetórias aproximadas de três corpos idênticos localizados nos vértices de um triângulo escaleno e com velocidades iniciais nulas – Imagem: Dnttllthmmnm / wikiwand.com ]

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O problema surgiu no século XVII, quando Isaac Newton, em seu Principia Mathematica, formulou as leis da gravitação universal. Ele conseguiu descrever com precisão o movimento de dois corpos celestes, mas ao tentar aplicar suas leis a um sistema de três corpos, percebeu que seria impossível encontrar uma fórmula que pudesse descrever o movimento destes corpos. 

Desde então, diversos matemáticos e físicos brilhantes se dedicaram a tentar resolver o problema dos três corpos. No século XVIII, Leonhard Euler desenvolveu métodos para encontrar soluções aproximadas para casos específicos do problema. Ele se concentrou em sistemas onde um dos corpos é menor, como no caso de um planeta orbitando um sistema binário de estrelas. 

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Joseph Louis Lagrange, por sua vez, explorou as simetrias e peculiaridades do problema, desenvolvendo uma teoria sofisticada para descrever o movimento dos três corpos em casos especiais. Ele descobriu algumas soluções periódicas, onde os corpos retornam à sua configuração inicial após um determinado período de tempo.

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No final do século XIX, o matemático francês Henri Poincaré descobriu que, para certas configurações iniciais, as órbitas dos corpos celestes se tornavam extremamente sensíveis a pequenas variações, tornando impossível prever sua trajetória a longo prazo. Essa descoberta abriu caminho para a teoria do caos, que revolucionou a forma como entendemos sistemas complexos, não apenas na astronomia, mas em diversas áreas do conhecimento.

Apesar dos avanços proporcionados por Euler, Lagrange, Poincaré e muitos outros gênios da matemática, a solução geral para o problema dos três corpos permanece um desafio. A impossibilidade de se obter uma fórmula precisa para descrever o movimento dos três corpos para qualquer configuração inicial, nos revela a complexidade e imprevisibilidade do universo em que vivemos.

A complexidade do problema é que as equações que descrevem o movimento dos três corpos são não-lineares, o que significa que qualquer variação mínima nas condições iniciais podem levar a resultados completamente diferentes. A trajetória de cada corpo é influenciada pela posição e velocidade dos outros dois, criando um sistema dinâmico imprevisível.

Mas por que essa dança caótica desperta tanto o interesse dos cientistas? O estudo do problema dos três corpos não é apenas um desafio intelectual. Ele tem aplicações em diversas áreas da astronomia, como a dinâmica de sistemas estelares, a formação de planetas e a evolução de galáxias.

E as descobertas recentes de sistemas estelares com múltiplas estrelas, e até mesmo planetas orbitando duas estrelas, tornam esse problema ainda mais relevante. Afinal, no imenso palco do Universo apresentam-se algumas valsas, ordenadas e previsíveis, mas também não faltam danças caóticas envolvendo várias estrelas em um verdadeiro Harlem Shake sideral.

[ Concepção artística de Gliese 667 Cc, um planeta que orbita um sistema estelar triplo – Créditos: ESO / L. Calçada ]

O problema dos três corpos é um enigma sem solução definitiva há mais de trezentos anos, mas que continua a nos fascinar e instigar nossa busca pela compreensão do Cosmos. Este frenético e caótico balé à três nos lembra que o Universo ainda tem seus segredos e nos desafia constantemente a desvendá-los.