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Nos últimos meses, a busca por vida em Marte ganhou novos contornos, depois que bioassinaturas promissoras foram identificadas pelo rover Perseverance, da NASA.
Mas alguns pesquisadores defendem que talvez já tenhamos encontrado vida marciana muito antes – há quase 50 anos. Eles afirmam que a missão Viking, também da NASA, detectou sinais importantes em 1976 que teriam sido interpretados de forma incorreta na época.
Em resumo:
- Pesquisadores revisitaram experimentos da missão Viking, em Marte;
- Eles sugerem que houve interpretações equivocadas sobre inexistência de sinais de vida;
- Primeiros testes indicaram síntese orgânica confiável, seguida por resultados contraditórios;
- Em carta, os cientistas pedem retificação do periódico científico que publicou os dados;
- Eles argumentam que reações registradas sugerem atividade microbiana inicial;
- Hipóteses incluem perclorato marciano e microrganismos sensíveis às próprias condições experimentais;
- As revisões apontam que a Viking talvez tenha destruído evidências biológicas.

Cientistas pedem correção de interpretação equivocada
Na década de 1970, a agência deu um passo decisivo na exploração de Marte com o Projeto Viking. As sondas foram as primeiras a pousar no planeta, fotografar a paisagem de perto e conduzir experimentos biológicos. Esses testes analisaram amostras de solo em busca de qualquer sinal que pudesse indicar vida.
De acordo com o site IFLScience, os resultados deixaram a comunidade científica intrigada. A maior parte dos experimentos não mostrou sinais animadores, mas alguns detectaram compostos orgânicos clorados (ou seja, moléculas de carbono ligadas a átomos de cloro). Na época, acreditou-se que essas substâncias haviam sido levadas da Terra, como contaminação. Agora, quatro cientistas pedem em carta à revista Science a revisão daquilo que consideram uma interpretação equivocada.
Um desses especialistas é Dirk Schulze-Makuch, do Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha. Em artigo publicado na plataforma Big Think, ele lembra que o primeiro teste feito pela Viking 1 no local de pouso, em Chryse, indicou síntese orgânica com alta confiança estatística. No entanto, outros experimentos não confirmaram o achado. Entre eles, o teste de troca gasosa, que registrou liberação de gases como oxigênio, mas nunca teve uma explicação consensual.
De acordo os autores da carta enviada à Science, essas ambiguidades foram descartadas quando se anunciou que Marte não tinha compostos orgânicos. Mas, segundo eles, essa conclusão foi precipitada. Parte dos experimentos incluía adicionar água com nutrientes e carbono radioativo ao solo marciano. Se houvesse microrganismos presentes, eles consumiriam esse material e liberariam carbono radioativo na forma de gás.

A equipe argumenta que isso foi exatamente o que aconteceu na primeira tentativa. Segundo a carta, uma quantidade significativa de dióxido de carbono radioativo foi liberada após a adição dos nutrientes marcados com carbono-14. Além disso, quando o solo foi umidificado, houve liberação de oxigênio e troca de CO₂, comportamento que, na visão dos autores, aponta para atividade microbiana. Por esse conjunto de indícios, eles afirmam que a “preponderância das evidências” favorece a presença de vida.
O problema é que os experimentos seguintes não repetiram o resultado. Em teoria, mais nutrientes radioativos deveriam gerar mais gás, se microrganismos estivessem ativos. Mas as injeções posteriores não produziram nada semelhante ao primeiro teste. A explicação mais aceita na época foi a presença de perclorato, um composto que poderia ter desencadeado a reação química sem envolver vida.
A nova interpretação, porém, lembra que o perclorato foi posteriormente encontrado em Marte pela missão Phoenix, e sua origem marciana é hoje amplamente aceita. Para Schulze-Makuch, essa informação muda o peso das hipóteses. Ele afirma que, com viagens humanas se aproximando, é essencial considerar a possibilidade de vida nativa, principalmente por motivos de proteção planetária previstos no Tratado do Espaço Exterior.
Os quatro autores defendem que, antes de qualquer missão tripulada, uma avaliação astrobiológica mais rigorosa precisa ser feita. E, para isso, argumentam que é necessário corrigir a cadeia de equívocos iniciada com a interpretação original dos dados da Viking, que pode ter desviado as pesquisas por décadas. Para eles, as evidências merecem ser reexaminadas de forma mais cuidadosa.

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Sonda Viking teria destruído a vida em Marte
Há ainda um ponto desconfortável: se existia vida no solo estudado, é possível que a própria Viking a tenha destruído. Schulze-Makuch lembra que, na Terra, há microrganismos vivendo em ambientes extremamente secos, como o Deserto do Atacama, no Chile, abrigados dentro de rochas de sal. Jogar água diretamente sobre esses seres os mata instantaneamente. Assim, a primeira injeção teria registrado sua atividade, e as seguintes, já sobre organismos mortos, não teriam resultado algum.
O pesquisador usa uma analogia simples. Ele diz que, se um alienígena encontrasse um humano no deserto e concluísse que a vida precisa de água, talvez decidisse jogá-lo no oceano. Mesmo sendo seres “cheios de água”, o excesso seria fatal. Para ele, algo parecido pode ter acontecido com os experimentos da Viking, levando a uma leitura totalmente equivocada dos resultados.
Outra hipótese levantada por Schulze-Makuch é que microrganismos marcianos poderiam ter peróxido de hidrogênio em suas células, como adaptação ao ambiente hostil. Isso reduziria o ponto de congelamento, forneceria oxigênio e permitiria captar umidade do ar. Mas esse composto reagiria desastrosamente nos instrumentos da Viking, especialmente quando as amostras eram aquecidas.
O peróxido de hidrogênio quebraria moléculas orgânicas e liberaria grandes quantidades de dióxido de carbono – exatamente o que o equipamento registrou. Se essa explicação estiver correta, significa que a Viking pode ter detectado vida e, em seguida, eliminado essa própria prova.
Quase 50 anos depois, descobrimos que podemos ter deixado passar a resposta para uma das maiores perguntas da ciência – existe vida em outro planeta?