Em um amplo campo devastado por bombas ainda é possível escutar o som de tiros acertando carcaças de tanques de guerra. As poucas pessoas que estavam presentes no início da batalha, podem ser vistas estiradas no chão. O céu está repleto de drones, que voam em bando, procurando por um próximo alvo.

A muitos quilômetros de distância, um jovem olha para cima com seus óculos de realidade virtual. Ele vê os drones pelo seu dispositivo, como se estivesse presente fisicamente e analisa pacientemente. Depois de olhar diretamente para o alvo, o soldado aperta o botão de um controle parecido com o do Xbox. No campo, um drone explode. 

Naquela sala têm muito mais jovens iguais a ele: calmos, repetindo o mesmo movimento de olhar para os lados e apertar botões. Eles vestem fardas, mas não carregam armas – pelo menos não as tradicionais -, mas matam e destroem máquinas com outras máquinas, em uma batalha onde a graxa é tão valiosa quanto o sangue. 

A cena acima pode parecer ter saído de um filme de ficção científica ou de algum episódio de Black Mirror, mas, na verdade, ela não está distante da realidade – e assusta. É verdade que o futuro pode não reproduzir fielmente essa cena (a gente espera que não), mas com os anúncios mais recentes de tecnologias militares, com certeza estamos indo em direção a esse destino.

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Diversas demonstrações militares provaram que hardwares tecnológicos implantados em campos de batalha melhoram a eficiência de ataque e a segurança dos soldados. Até mesmo aqui, no Brasil, durante a Copa América, a Polícia Militar utilizou drones para vigiar os arredores do estádio do Maracanã na final do campeonato. 

Além disso, os EUA, Israel, Iraque apresentam em conferências novos equipamentos que prometem transformar completamente a forma como soldados operam em guerras e mostram como podem utilizar dispositivos já existentes da Google e da Microsoft nos campos de batalha do futuro. 

Assim como o avião e as armas nucleares revolucionaram as batalhas na época das Grandes Guerras Mundiais, o momento atual passa por uma revolução com os drones, veículos autônomos, satélites e inteligência artificial como protagonistas.

Novas tecnologias

Os drones encontraram funções em serviços de entrega, no cinema, Youtube e agora no exército. Chamados de UAVs (Unmanned Aerial Vehicle), em português VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado), os drones podem ser controlados remotamente ou funcionar de maneira autônoma.

Tecnicamente, as Forças Armadas utilizam os drones desde a década de 50, mas tinham funções mais básicas, como a de vigilância. A situação mudou com o desenvolvimento da tecnologia, permitindo o controle de UAVs há quilômetros de distância por um longo período.

Recentemente, o exército norte-americano abriu uma concorrência para quatro empresas privadas lutarem pela chance de um contrato de quase 100 milhões de dólares para o fornecimento de drones militares.

Ao considerarmos a quantidade de dinheiro investida pelos Estados Unidos – que sempre procurou manter-se como potência militar -, é possível identificar o surgimento de uma nova tendência. Assim como armas nucleares são desenvolvidas para combater outras armas nucleares, não ter um drone torna-se uma desvantagem em um combate contra os norte-americanos.

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Desse modo, nos deparamos com notícias como “Drone espião da China seguiu um navio cruzador dos Estados Unidos”, que mostram uma resposta de outros países à invasão aérea norte-americana.

Neste caso específico, um drone chinês chamado de “Soar Dragon” seguiu um navio da marinha dos EUA que atravessava o estreito de Taiwan. O UAV foi uma clara resposta da China ao Global Hawk, drone de vigilância dos Estados Unidos.

Em outras águas, mais especificamente no Golfo, o Irã também respondeu ao Global Hawk, mas de forma mais direta. No dia 20 de junho, o Irã derrubou um UAV RQ-4A dos EUA com um míssil terra-ar. Donald Trump pensou em revidar, porém cancelou o ataque apenas 10 minutos antes.

Contudo, apesar dos esforços do Irã para atacar drones militares norte-americanos e aos especialistas que se posicionam contra o uso dessa tecnologia no exército, “evitar a proliferação de sistemas robóticos é difícil”, como afirma o Professor do Curso de Relações Internacionais na ESPM-RS e na Univates e Doutor em Estudos Estratégicos pela UFRGS, Thiago Borne. Seria como pedir que países desistissem de ser grandes forças militares.

Mesmo assim, o modelo atual de potências de guerra não deve sofrer com grandes alterações. “Dado os constrangimentos do próprio sistema internacional e a dependência tecnológica dos países periféricos, dificilmente veremos a emergência de novas potências capazes de desenvolver e empregar estes sistemas no futuro próximo. Isto não significa, naturalmente, que estes sistemas não estejam se proliferando”, explicou Borne.

Poderíamos dizer até que as novas tecnologias estão se proliferando tanto que chegaram ao espaço. Os satélites ultrapassam a função de fornecer coordenas GPS e passam a ser utilizados como equipamentos de espionagem e armas militares

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Um exemplo recente é o lançamento do foguete Atlas V, nos Estados Unidos, que carregava o quinto satélite de comunicações de frequência extremamente alta avançada (AEHF, em inglês) para o Centro de Sistemas Espaciais e de Mísseis da Força Aérea dos Estados Unidos.

Mas os satélites podem ir muito além da comunicação. O ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, descreveu um cenário que “satélites sensíveis” teriam com câmeras, metralhadoras e lasers, capazes de observar as ameaças e depois revidar. “Isso pode ser alcançado por metralhadoras ou lasers capazes de destruir os painéis solares de um satélite inimigo”, afirmou.

A declaração foi feita logo depois da França acusar a Rússia de utilizar satélites para espionar a comunicação francesa. Segundo o governo, um satélite de inteligência de Moscou, Luch-Olymp, foi direcionado para “muito perto” de um satélite de comunicações da França, Athena-Fidus. “Chegou tão perto”, teria dito o ministro das Forças Armadas da França, Florence Parly, “que poderíamos ter imaginado que estavam tentando interceptar nossas comunicações. Tentar ouvir seus vizinhos não é apenas hostil, é um ato de espionagem”.

O próprio Trump já afirmou que o espaço é um novo domínio do combate. Isso preocupa muito cientistas, que acreditam que temos que ter cuidado com o espaço e guerras lá em cima poderiam ser perigosas.

De volta à Terra, na semana passada, o governo de Israel fez uma apresentação de três tanques de guerra autônomos. Um deles, criado pela Israel Aerospace Industries (IAI), permite que soldados comandem o veículo por um controle parecido com o do Xbox; sim, o videogame.

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Isso implicaria em soldados seguros longe dos campos de batalha, utilizando menos força física. Inclusive, os Estados Unidos parecem acreditar que esse seja justamente o desenvolvimento necessário para guerras. Em uma demonstração do exército norte-americano, militares falaram sobre como o soldado precisa ser um cérebro por trás da máquina.

A conferência militar Joint Warfighting Assessment mostrou uma série de treinos com robôs, entre eles, um veículo comandado por controle remoto e drones terrestres que lutam contra tanques de guerra e campos minados. Enquanto eles estão em atuação, humanos comandam os robôs a uma distância segura

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O professor de Relações Internacionais comentou também que a segurança dos soldados é um dos pontos a ser considerado. Ele forneceu como exemplo os “sistemas terrestres para remoção de artefatos explosivos, cuja atuação em zonas de conflito já poupou a vida de centenas combatentes”.

Contradições de guerra

Quando a Microsoft lançou o Holo Lens, a empresa tinha como perspectiva o mercado corporativo – ou, no máximo, recreativo, porém, acertou também os militares. A empresa fechou um contrato de quase meio bilhão de dólares com o exército norte-americano para o fornecimento dos óculos de realidade mista.

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Ao saber do ocorrido, funcionários da empresa assinaram petição exigindo que a Microsoft cancelasse o contrato, pois não queriam que o HoloLens aumentasse a letalidade de conflitos. Santos Dumont também não queria que o avião fosse uma arma, mas isso não impediu nada: a Microsoft decidiu continuar com o contrato.

Por outro lado, o Google escutou os pedidos dos funcionários e afirmou que seus valores corporativos não condiziam com um acordo com o exército, abandonando um contrato de US$10 bilhões.

Mas por que, como esses funcionários, temos tanto medo da inserção de tecnologias mais inteligentes no mercado? A preocupação com guerras do futuro surge, em primeira instância, dos filmes de ficção científica, que preveem uma espécie de exército de robôs assassinos. É difícil afirmar se esse cenário será realidade, assim como é difícil dizer que a cena descrita no início será real, mas existem muitas especulações.

Para Borne, a discussão é dividida em dois grandes grupos, os otimistas e os pessimistas. “O primeiro grupo sugere que o aumento do número de robôs em campo de batalha diminuí os custos humanos da guerra e, por consequência, aumenta os incentivos para que ela ocorra. Em outras palavras, quanto mais robôs, maior a chance de haver guerra. O segundo grupo, por sua vez, defende que o aumento do número de robôs em campo de batalha torna a guerra mais violenta e que, portanto, haveria um desincentivo para que os países entrassem em conflito. Em outras palavras, quanto mais robôs, menor a chance de haver guerra”.

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Dizer quem está certo ou errado é muito complicado, porque o cenário- pelo menos até agora- é fictício. Muitos analistas, no entanto, acreditam que deveria ser criada alguma regulamentação para evitar que a versão pessimista seja a realidade. Mas como o próprio Borne relembra, tratados que regulam o uso de armas nucleares não são necessariamente respeitados, pois é difícil para as potências abrirem mão dessa defesa militar e, portanto, o mesmo poderia acontecer no caso de robôs.

“Acredito que dificilmente as grandes potências, que já possuem acesso a sistemas robóticos, abririam mão de suas capacidades em prol de um entendimento maior junto à comunidade internacional”, disse Borne. Ele ainda diz que o que se observa é uma tentativa de potências, principalmente os Estados Unidos, de restringir fornecimento de tecnologia a países concorrentes, como a China.

Nesse sentido, as potências militares atuais continuariam na posição de dominância, e caberia aos países emergentes decidirem se o investimento milionário em tecnologia para o exército é possível ou condiz com a política externa. O Brasil é um dos que precisam tomar decisões em relação ao desenvolvimento de sistemas robóticos. “Já existem algumas iniciativas domésticas, por parte das forças armadas brasileiras, para pensar cenários futuros e, desta forma, adequar fins e meios”, disse Borne.

*editado por Cesar Schaeffer