De acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria (IPq), da Faculdade de Medicina e Saúde da Universidade de São Paulo (FMUSP), indivíduos diagnosticados com transtornos de personalidade têm mais propensão a serem dependentes de álcool, especialmente em sua forma mais grave. A análise contou com a participação de mais de cinco mil moradores da região metropolitana de São Paulo.

“Pessoas que sofrem com o alcoolismo adquirem, ao longo da vida, alguns padrões de comportamentos disfuncionais (pensamentos, percepções, reações), que acabam interferindo em suas relações com a vida e com o outro, trazendo-lhes muito sofrimento”, explica ao Jornal da USP a psiquiatra Carolina Hanna de Aquino Chaim, médica do IPq e uma das pesquisadoras envolvidas no estudo.

Segundo a pesquisa, transtornos de personalidade envolvem variados sintomas comportamentais patológicos, como instabilidade emocional, tendência a relacionamentos interpessoais complicados, excentricidade, necessidade de chamar atenção, dificuldade em ter empatia e seguir condutas sociais.

Carolina afirma que “a compreensão de fatores comportamentais associados ao consumo e à dependência do álcool contribui para direcionar abordagens terapêuticas e traçar estratégias mais específicas de prevenção e intervenção direcionadas para essa população”. E complementa que “a existência de uma ou mais doenças adicionais pode complicar os sintomas e atrasar o diagnóstico, além de interferir no prognóstico e tratamento dos pacientes”.

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É importante ressaltar que, embora a dependência do álcool seja mais comum entre pessoas com algum transtorno mental prévio, todo mundo pode se tornar dependente, se o consumo começar a ser prioritário e gerar problemas de saúde mental, física ou de relacionamentos.

Inúmeros estudos apontam que não há um nível seguro de consumo de bebida alcoólica, e que a ingestão deve ser evitada especialmente por pessoas consideradas de risco, como crianças e adolescentes, grávidas, ou quem tem doenças clínicas e/ou psiquiátricas que possam ter a evolução agravada pelo álcool.

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Subdivisões da dependência alcoólica

De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID) e com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, 5ª edição (DSM-5), os sintomas do alcoolismo estão subdivididos em três grupos: clusters A, B e C. 

Pessoas com transtornos de personalidade são mais suscetíveis ao alcoolismo, de acordo com a pesquisa da USP. Imagem: natalie_board / Istockphoto

Fazem parte do grupo denominado clusters A as pessoas com: transtorno de personalidade paranoica, transtorno de personalidade esquizoide e transtorno de personalidade esquizotípica. 

Já o grupo B é composto por indivíduos diagnosticados com: transtorno de personalidade antissocial, transtorno de personalidade limítrofe, transtorno de personalidade histriônica e transtorno de personalidade narcisista. 

Por último, a subdivisão C é formada por pessoas com: transtorno de personalidade esquiva, transtorno de personalidade dependente e transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva.

Pessoas pertencentes ao grupo cluster B, de acordo com a pesquisa, são as mais suscetíveis à dependência ou abuso de álcool.

Segundo Carolina, “a afetividade negativa é um solo fértil para dependências de drogas e jogos. A psiquiatra afirma que “quem sofre com esse problema tem uma tendência em beber na busca de um prazer imediato e para fugir/compensar o vazio”. E complementa que, “passado o efeito da substância, o desconforto persiste e a pessoa recai no afeto negativo, o que a leva a buscar novamente a intoxicação”, diz.

Os dados indicam que a maior prevalência de ambos os transtornos (de personalidade e de abuso de álcool) ocorre no cluster B (36,3%), sendo que o grupo dos clusters A representa 32,7%, e o C 23,6%. 

Quando questionados sobre regularidade do consumo de bebida alcoólica, 89,2% que bebem com maior regularidade fazem parte do cluster B, sendo que, destes, 36,3% apresentam “padrão de beber pesado e com frequência”. Já os do cluster A pontuaram em 80,4% para regularidade e 32,7% para beber pesado e com frequência. Os indivíduos pertencentes ao cluster C apontaram 79,3%, para regularidade e 23,6% para o beber pesado frequentemente.

O que foi considerado, pelo estudo, como “beber pesado” foi a ingestão de quatro a cinco doses de álcool numa mesma ocasião, tendo cada dose o teor alcoólico de uma lata de cerveja de 330 ml, de uma taça 100 a 120 ml de vinho ou de 40 a 50 ml de bebidas destiladas.

Onze critérios medem o diagnóstico do transtorno de abuso de álcool

De acordo com Carolina, a métrica usada para diagnóstico de transtornos por uso de álcool é feita com base na quantidade de problemas relacionados – ao todo, são 11. Então são classificadas as categorias “leve”, “moderado” e “grave”, conforme o número de problemas apresentados nos últimos 12 meses:

  • Leve, quando há a presença de dois a três problemas relacionados;
  • Moderado, com registro de quatro a cinco dificuldades; 
  • Grave, havendo seis ou mais.

Entre os 11 critérios ou problemas relacionados estão: 

  • Se o álcool é frequentemente consumido em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido; 
  • Se há fissura e/ou desejo intenso de consumir álcool;
  • Se o uso da bebida continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico que pode ser exacerbado pelo seu uso; 
  • Se é gasto muito tempo em atividades necessárias para obtenção do álcool, dentre outros.

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