Podemos sempre contar com a Pixar para, mesmo em tempos difíceis como os atuais, trazer aquele quentinho gostoso para o coração. Se no ano passado o estúdio nos levou à reflexão existencial no excelente ‘Soul’, este ano o clima é bem mais leve na jornada de amizade, autodescoberta e aceitação de ‘Luca’, que estreia nesta sexta-feira (18), no Disney+.
Numa das melhores representações de “crianças sendo crianças” dos últimos tempos, o filme de estreia do diretor Enrico Casarosa (indicado ao Oscar pelo curta ‘A Lua’) conta a história de Luca Paguro (Jacob Tremblay), um monstro marinho que é fascinado pelo mundo da superfície, e Alberto Scorfano (Jack Dylan Grazer), seu melhor amigo, que mora numa ilha e coleciona itens dos humanos.
Luca, porém, foi alertado a vida inteira pelos pais (Maya Rudolph e Jim Gaffigan) de que o mundo humano é um lugar perigoso. A verdade é que no universo do filme, humanos e monstros marinhos não possuem uma boa relação: enquanto os aquáticos fazem o máximo para passar despercebidos, os terrestres os caçam quase obsessivamente. Ainda assim, o jovem monstro marinho anseia por conhecer o mundo lá fora.
Literalmente puxado por Alberto, Luca descobre então que monstros marinhos, quando fora d’água, podem se passar por humanos. O mundo seco agora é um playground para os dois, que sonham em conhecer todos os lugares a bordo de uma Vespa. Explorando a cidade local, os dois conhecem ainda Giulia (Emma Berman), uma jovem menina humana filha de um pescador, Massimo (Marco Barricelli).
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‘Luca’ se passa em Portorosso, uma fictícia vila costeira da Riviera Italiana no fim dos anos 1950 e início dos anos 1960. O nome do lugar é uma referência a ‘Porco Rosso: O Último Herói Romântico’ (1992), dirigido por Hayao Miyazaki – um dos ídolos confessos de Casarosa. E assim como os animes do estúdio Ghibli, o longa da Pixar coloca o fotorrealismo em segundo plano para trazer um clima mais idílico ao verão italiano de Luca, Alberto e Giulia. O cenário é quase que como desenhado numa aquarela, como são as nossas melhores lembranças da infância.
“Esta é uma história profundamente pessoal para mim, não apenas porque está localizada na Riviera Italiana, onde eu cresci, mas também porque o que está no centro desse filme é uma celebração da amizade. Muitas vezes, as amizades da infância determinam a direção das pessoas que queremos nos tornar, e esses laços estão no centro de nossa história em ‘Luca’”, disse o diretor. “Então, além da beleza e charme da costa italiana, nosso filme apresentará uma aventura de verão inesquecível que mudará fundamentalmente Luca”, completa.
E desde o primeiro momento em que nos é apresentado, Luca demonstra sua vontade de ir além, conhecer culturas diferentes e aprender coisas novas. Sua amizade com o ousado Alberto é o motor para que essas coisas aconteçam, e Luca saia da sua zona de conforto e perca o medo de “mergulhar” nessas experiências e não dar ouvidos ao Bruno – aquela voz na sua cabeça que diz para você não fazer as coisas, como explica Alberto.
A amizade entre dois garotos e o cenário do litoral italiano levou muitas pessoas a inicialmente comparar ‘Luca’ com ‘Me Chame Pelo Seu Nome’ (2018), filme de Luca Guadagnino no qual Timothée Chalamet e Armie Hammer vivem um romance de verão. E embora o filme tenha diversos códigos de que o relacionamento entre Luca e Alberto seja uma alegoria para um romance LGBT, o diretor nega essa intenção. “Esse filme é sobre as amizades que nos transformam”, diz Casarosa. “É uma carta de amor aos verões da nossa juventude – aqueles anos de formação quando estamos descobrindo quem somos”, completa.
Mas se então não há alegoria em ‘Luca’, certamente há aplicabilidade. Ele e Alberto são monstros marinhos, e como tais temem não serem aceitos pelos humanos – um medo que é compartilhado pelos pais do jovem, que fazem de tudo para protegê-lo. “Monstros marinhos, na verdade, são uma metáfora de se sentir diferente ou excluído”, explica o diretor. “Adoro a ideia de que todos os nossos personagens se sentem, de alguma forma, diferentes ou estranhos. Luca e Alberto desejam profundamente fazer parte desse outro mundo – mas têm medo de não serem aceitos como são. E mesmo assim, eles amam ser monstros marinhos”.
Por sinal, o design dos monstros é um destaque à parte. Seu visual foi inspirado nas criaturas desenhadas em mapas antigos que datam da Renascença, bem como esculturas de monstros marinhos italianas e lustrações científicas de peixes e serpentes. As cores do mundo submarino contrastam com os cenários humanos e, embora igualmente saturadas, representam quase que paletas opostas, dividindo os dois universos.
Além das referências aos filmes do Ghibli no design e nas cores, ‘Luca’ ainda tem uma textura de filme europeu do meio do século passado – e isso também não é gratuito. “Pesquisamos a Era de Ouro Italiana nos anos 1950 e 1960 – o cinema, a música e o design – havia algo de muito adorável e atemporal naquele período”, diz Casarosa. “Sempre fui um grande fã do cinema italiano. Foi muito divertido estudar aqueles filmes antigos – e compartilhá-los com todos”. Segundo a produtora Andrea Warren, ‘Luca’ “é um filme época. Queríamos retratar com franqueza a época, não importa o quão estilizado estivéssemos fazendo”.
‘Luca’ pode não ter a profundidade de ‘Soul’ e ‘Divertidamente’, ou os momentos que levam qualquer um às lágrimas de ‘Up – Altas Aventuras’ e ‘Viva – A Vida é Uma Festa’, mas certamente é um dos filmes mais bonitos e sensíveis do catálogo da Pixar. Sua simplicidade e honestidade são até necessárias nesse momento atual, em que o próprio filme não pode ser lançado nos cinemas por causa da pandemia de Covid-19. Cada abraço apertado que Luca, Alberto e Giulia trocam no filme é um abraço em nós mesmos.
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