Por Ericson Scorsim*

A tecnologia de quinta-geração das redes de telecomunicações (5G) apresenta desafios, riscos e oportunidades ao Brasil. Dentre os desafios e riscos, encontra-se o tema da soberania cibernética sobre as redes de telecomunicações e a proteção da confidencialidade das comunicações.

O ambiente cibernético, integrado por redes de telecomunicações e tecnologias de informação e comunicações, é alvo de guerras de operações de influência, desinformação e ciberataques. Outro ativo cobiçado em termos de inteligência são as radiofrequências, essenciais para operações militares e de utilização em operações de reconhecimento, monitoramento, vigilância e definição de alvos, além de valiosos em guerras eletrônicas.

Diante deste quadro, Estados Unidos e China disputam a liderança sobre a tecnologia de 5G. Há acusações do governo norte-americano de espionagem realizada pelo governo da China por intermédio da empresa Huawei. A preocupação é com a presença de equipamentos de redes de telecomunicações encobertos (com backdoor, ou porta dos fundos), com capacidade de realizar a espionagem a serviço do governo chinês.

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É compreensível a posição norte-americana no sentido do veto à presença do fornecimento de tecnologia 5G. Mas o posicionamento tomado pelos Estados Unidos é radical, negando o livre comércio entre os países, proibindo o acesso a seu mercado a um dos competidores, no caso a Huawei. Portanto, por detrás da questão da segurança nacional, há o protecionismo comercial, já que os Estados Unidos não possuem uma empresa líder global em tecnologia 5G.

O cenário desta competição geoestratégica está no livro Jogo Geopolítico entre Estados Unidos e China na tecnologia de 5G: impacto no Brasil, de minha autoria, publicado em 2021.

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As redes de telecomunicações fixas e móveis são infraestruturas nacionais críticas de um país: são alvos de espionagem política e econômica, bem como de ataques cibernéticos. São alvos preferenciais de espionagem por proporcionarem a interceptação das comunicações. São pontos-chave para a coleta de informações sensíveis sobre pessoas, temas e governos. Estes serviços operam em diversas camadas: hardware, microchips, software, aplicativos, infraestruturas de redes de fibras óticas, redes de cabos submarinos, satélites, computação em nuvem, entre outros. O objetivo é obter vantagens estratégicas, políticas e econômicas para o país espião em relação ao país-alvo.

Redes de telecomunicações, internet, tecnologia 5G, satélites, cabos submarinos, e tecnologias de informação e comunicações são consideradas tecnologias dual-use, isto é, com função civil e militar. Desse modo, há maior regulamentação por parte do governo norte-americano, inclusive no controle de exportações e de transferência de tecnologia para outros países.

Sabendo deste cenário, uma alternativa geoestratégica interessante para o Brasil é a negociação de um acordo de não-espionagem com os Estados Unidos. Se há interesse das empresas norte-americanas em fornecer tecnologia de arquitetura aberta e interoperacional (open-Ran) em redes de telecomunicações 5G, é necessário que o País seja protegido dos serviços de inteligência.

O Brasil é espionado por diversos países e, paradoxalmente, não tem condições técnicas de realizar espionagem em relação a outros países. Por isso, é fundamental a capacitação técnica do Brasil em medidas de autodefesa. Além disto, este mesmo tipo de acordo de não espionagem pode ser negociado com a China, já que a Huawei é uma das principais fornecedoras de tecnologia de 5G.

O avanço da tecnologia 5G nos mostra como é fundamental que os países líderes globais avancem no tema da regulação da guerra cibernética, bem como no controle mais rigoroso da atuação dos serviços de inteligência. É preciso tomar medidas de transparência em nome da democratização nas atividades de coleta de dados de inteligência de governos, empresas e cidadãos, bem como respeito aos direitos à confidencialidade das comunicações e privacidade.

*Ericson Scorsim é advogado e consultor em Direito do Estado, com foco no Direito da Comunicação, nas áreas de tecnologias, mídias e telecomunicações. Doutor em Direito pela USP. Autor do livro Jogo Geopolítico entre Estados Unidos e China na Tecnologia 5G: Impacto no Brasil, publicado pela Amazon

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