Em 12 de agosto de 1981, o mundo da computação mudou radicalmente. Naquela quarta-feira a IBM, uma gigante conhecida por seus computadores de grande porte (mainframes) e sistemas corporativos, anunciou sua entrada em um novo segmento de mercado que estava em franca expansão: a computação pessoal. Seu primeiro produto nesta categoria foi batizado de IBM Personal Computer, modelo 5150. Nascia o “PC”.

Computadores pessoais já estavam amplamente disponíveis na época. O mercado era dominado pela “Trindade de 1977” (TRS-80, da Radio Shack, PET, da Commodore e Apple II, da Apple), seguido por uma infinidade de outros micros baseados em processadores de 8 bits como o 6502 ou Z80, rodando sistemas operacionais proprietários ou o padrão “de fato” na época, o CP/M. 

E era um mercado grande o suficiente para interessar a IBM: só em 1979 ele movimentou US$ 15 bilhões, com previsão de crescimento de 40% para o ano seguinte. Em valores corrigidos, isso dá o equivalente a US$ 56,4 bilhões, ou R$ 295,1 bilhões em uma conversão direta.

IBM Personal Computer 5150. O monitor e as duas unidades de disquete na frente do gabinete eram opcionais. Imagem: Rama & Musée Bolo (CC-BY-SA 2.0)

Entretanto, a IBM sabia que não poderia atacar um mercado que evoluía tão rapidamente usando seus processos tradicionais. A empresa era conhecida por sua cultura extremamente burocrática, onde decisões passavam por múltiplos níveis e novos produtos demoravam até cinco anos para chegar ao mercado, custando dezenas de milhares de dólares. 

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Ensinando um elefante a sapatear

Portanto, em 1980 ela adotou uma abordagem inédita. Em um laboratório em Boca Raton, na Flórida, montou um grupo de trabalho independente para executar o “Projeto Chess” (Xadrez, em inglês). O objetivo: desenvolver e colocar no mercado, em um ano, um computador pessoal baseado em uma arquitetura aberta, sem componentes ou software proprietário da IBM, que pudesse ser vendido através de lojas de varejo.

Era exatamente o oposto de tudo o que a IBM fazia até então. Para atingir o objetivo a equipe teve liberdade total, livre dos processos internos que amarravam o restante da empresa. O projeto foi conduzido em sigilo absoluto, sem que nem mesmo outras divisões soubessem sobre sua existência.

Isso não impediu que rumores chegassem ao mercado. Entretanto, dado o histórico da empresa, poucos deram credibilidade a eles. Nas palavras de um analista de mercado da época, seria mais fácil “ensinar um elefante a sapatear” do que a IBM lançar um computador pessoal.

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Aproveitando “o que tem”

Em nome da agilidade, a IBM adotou soluções “de prateleira” sempre que possível. O processador escolhido foi o 8088, da Intel, uma versão mais barata do 8086. Influenciados pela arquitetura do Apple II, os engenheiros equiparam o PC com um conjunto de “slots” onde placas de expansão poderiam ser conectadas. As especificações técnicas completas do computador foram divulgadas após o lançamento, permitindo que qualquer empresa criasse placas para ele.

Como linguagem de programação embarcada a IBM escolheu o Basic da Microsoft, que na época era o “dialeto” mais popular da linguagem mais usada pelos iniciantes. A opção pelo Basic acabou definindo outra característica do PC, o sistema operacional.

A IBM queria uma versão do CP/M, da Digital Research. Mas a empresa não se mostrou muito interessada em aceitar os termos da IBM: além de se relutar em assinar um acordo de não divulgação (NDA), ela não queria aceitar a oferta da IBM de pagamento por uma licença única do sistema, em vez de royalites por unidades vendidas.

Procurando uma alternativa, a IBM aproveitou que já estava negociando o Basic com a Microsoft e perguntou se “por acaso” a empresa não teria também um sistema operacional para seu novo computador. A Microsoft disse que sim.

Tim Paterson, criador do QDOS, que deu origem ao MS-DOS. Imagem: Computer History Museum

Era uma mentira, ela não tinha nada. Mas Paul Allen, cofundador da Microsoft, conhecia um programador chamado Tim Paterson, que havia desenvolvido um sistema operacional compatível com o CP/M chamado QDOS (Quick and Dirty Operating System) para um computador baseado no Intel 8086 criado pela empresa onde trabalhava, a Seattle Computer Products.

A Microsoft adquiriu uma licença não exclusiva do QDOS por US$ 25 mil e modificou o sistema para atender aos requisitos da IBM, que o batizou de PC-DOS. Mas a cartada de mestre foi convencer a IBM a aceitar um acordo de não-exclusividade pelo sistema, o que permitiria que a Microsoft o revendesse a outras empresas com o nome de MS-DOS, produto que nos anos seguintes se tornaria o carro-chefe da empresa.

Sucesso de vendas

O PC chegou ao mercado custando a partir de US$ 1.565 (US$ 4.700 em valores atuais, quase R$ 24,600). Por esse preço, o consumidor levava para casa um computador com teclado separado de 83 teclas, 16 KB de RAM e adaptador gráfico colorido (CGA, Color Graphics Adapter).

Unidades de disquete, monitor e impressora eram opcionais. O computador poderia ser adquirido em lojas de informática com a ComputerLand ou de varejo como a Sears, mesmas lojas que já serviam ao público geral, sem a necessidade de uma visita a um revendedor IBM.

Era um preço competitivo para a época. Para fins de comparação, na época a máquina mais barata da IBM era o System/23 Datamaster, que custava US$ 10 mil. Um Apple II+ com a mesma quantidade de RAM (16 KB) custava US$ 1.025, mas ao adicionar recursos do PC como um modo de texto em 80 colunas e compatibilidade com CP/M a máquina acabaria custando o dobro disso.

O personagem Carlitos, de Charles Chaplin, foi o garoto propaganda da IBM nos anos iniciais do PC

O PC foi um sucesso absoluto. A boa reputação da IBM na época (a frase “ninguém nunca foi demitido por comprar um IBM” era um lugar-comum no mercado) e uma campanha de marketing carismática estrelando o personagem Carlitos, de Charles Chaplin, contribuíram para gerar interesse do público.

Segundo a própria IBM, um revendedor recebeu 22 pedidos de clientes interessados, que pagaram um depósito de US$ 1.000 sem sequer saber quando receberiam a máquina. Em 1982, uma nova revenda se cadastrava para vender PCs todo dia, e uma máquina era vendida por minuto em dias de semana.

Chegam os clones

Infelizmente para a IBM (ou felizmente para o mercado), a decisão de construir o PC com componentes “de prateleira”, divulgar todas as especificações de hardware e software e permitir que a Microsoft licenciasse o sistema operacional foi um erro estratégico, já que abriu o mercado para o surgimento de clones: máquinas compatíveis com o PC, porém muito mais baratas, produzidas por outras empresas.

O primeiro foi o Compaq Portable, de 1982. Logo, muitos outros se juntariam a ele. Empresas na Ásia, que já “clonavam” máquinas como o Apple II, começaram a produzir placas-mãe e placas de expansão compatíveis com o PC, levando a uma guerra de preços que deixava os PCs cada vez mais acessíveis, e cada vez mais populares, às custas da IBM.

Compaq Portable, o primeiro clone 100% compatível com o IBM PC. Imagem: Tiziano Garuti (Domínio Público)

Em 1985 o PC já havia se tornado um padrão “de fato” no mercado, e o termo se tornou sinônimo de “computador compatível com o IBM PC, com processador Intel ou equivalente e sistema operacional Microsoft”. Mas a fatia da IBM nesse bolo era cada vez menor. Se entre 1982 e 1983 a empresa detinha 80% deste mercado, uma década depois tinha apenas 20%.

Em 2004 ela já nem figurava entre os “Top 5” no mercado, respectivamente Dell, HP, Lenovo, Fujistsu e Acer. Em 2005 a IBM vendeu sua divisão de computadores pessoais para a chinesa Lenovo, em uma operação avaliada em US$ 1,25 bilhões, deixando o mercado que ajudou a criar. 

Hoje, o mercado de computadores pessoais passa novamente por uma revolução. Tablets e smartphones assumem cada vez mais tarefas que antes eram exclusivas dos PCs. E um número crescente de sistemas baseados na arquitetura ARM, como os Macs M1 da Apple, Surface Pro X da Microsoft e vários modelos de Chromebooks, sequer podem ser considerados “compatíveis” com o IBM PC ou descendentes dele.

Ainda assim, o impacto do PC original no mercado ainda pode ser sentido. E talvez continue sendo assim pelas próximas décadas. Afinal, aos 40 anos, ele ainda está na metade da vida. 

Imagem de abertura: Heinz Nixdorf MuseumsForum / Jan Braun [CC BY-NC-SA]

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