Na noite do dia 13 de setembro, o astrônomo amador brasileiro José Luis Pereira realizou um feito histórico e inédito: ele registrou, pela primeira vez no Brasil, o impacto de um asteroide com o planeta Júpiter. Mas para entender a relevância desse registro para a Astronomia no Brasil e no mundo, precisamos relembrar um pouco da história dos eventos de impacto no Gigante Gasoso.

Até bem pouco tempo, acreditava-se que os grandes impactos no Sistema Solar eram coisa do passado. Até que em 1994, o impacto do Cometa Shoemaker-Levy 9 marcou a atmosfera de Júpiter e acendeu um sinal de alerta entre os cientistas. Por um lado, esse evento mobilizou toda a comunidade astronômica na tentativa de registrar e estudar o impacto, que nos deu uma oportunidade única de estudar as camadas inferiores da atmosfera jovianas. Por outro lado, nos mostrou que os grandes impactos no Sistema Solar ainda ocorrem, e se algo assim ocorresse em nosso planeta, a humanidade estaria em sério risco de extinção.

Local do impacto de um dos fragmentos do Cometa Shoemaker-Levy 9 em Júpiter
Local do impacto de um dos fragmentos do Cometa Shoemaker-Levy 9 em Júpiter. Créditos: HST/NASA

Depois do Shoemaker-Levy 9, aumentamos significativamente nossa capacidade de descobrir asteroides perigosos para a Terra. Passamos a monitorar nossos céus e, mais sistematicamente, o planeta Júpiter, em busca de impactos que pudessem ser registrados e estudados a partir da Terra. Só que isso não é algo tão simples assim.

Um fenômeno raríssimo

Quando uma rocha espacial atinge Júpiter, ocorre um fenômeno luminoso muito parecido com o que ocorre na Terra, e que conhecemos como meteoro. O meteoro brilha devido a alta velocidade com que a rocha espacial atinge a atmosfera, comprimindo e aquecendo seus gases, e formando uma bolha de plasma ao redor dela. Em Júpiter ocorre exatamente o mesmo processo. Mas para que possamos observar um meteoro joviano aqui da Terra, dependemos de condições bastante especiais.

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Em média, Júpiter está a 750 milhões de km da Terra e como estamos em uma órbita mais interna, só enxergamos o lado iluminado do planeta. Assim, para observarmos um impacto em Júpiter, o meteoro precisa ser significativamente mais brilhante que sua superfície iluminada. E isso só ocorre nos eventos mais energéticos, gerados por objetos muito grandes ou muito velozes.

Impacto de asteroide com Júpiter registrado no Brasil. Créditos: José Luis Pereira/Marc Delcroix

Esses eventos não são tão raros em Júpiter. Estima-se que cerca de 12 deles ocorrem anualmente, mas tirando os que ocorrem no lado de trás do planeta e na época em que Júpiter não está visível para nós, sobrariam uns 4 impactos por ano que poderiam ser registrados aqui da Terra.

Mas isso só ocorreria se houvesse monitoramento sistemático de Júpiter, por observadores espalhados em diversas longitudes da Terra. Por isso a participação de astrônomos amadores é essencial, e por isso o registro do José Luís é tão importante. Depois do Shoemaker-Levy 9, de 1994, o impacto registrado pelo brasileiro foi apenas o 8º da história da humanidade.

Histórico de impactos descobertos por observadores

O primeiro deles ocorreu apenas em 2009, 15 anos depois do Shoemaker-Levy 9, e só foi descoberto porque o astrônomo amador australiano Anthony Wesley percebeu uma mancha escura gigantesca no hemisfério sul do planeta. A partir de imagens do Telescópio Espacial Hubble, os astrônomos concluíram que a mancha teria se formado por um impacto de um asteroide com cerca de 500 metros.

Imagens do Hubble mostram nuvem negra formada pelo impacto de um asteroide com cerca de 500 metros
Imagens do Hubble mostram nuvem negra formada pelo impacto de um asteroide com cerca de 500 metros. Créditos: HST/NASA

Em junho de 2010, o mesmo Anthony Wesley conseguiu gravar em vídeo o flash de impacto ocorrido em Júpiter, que também foi registrado por Christopher Go a partir das Filipinas. E em agosto do mesmo ano, outro flash de impacto foi registrado pelo japonês Masayuki Tachikawa.

Em 2012, o astrônomo amador americano Dan Petersen percebeu visualmente um flash em Júpiter enquanto observava o planeta através de seu telescópio. Ele enviou seu relato para um fórum da ALPO (Associação de Observadores Lunares e Planetários). A partir desse relato, o também americano George Hall resolveu conferir as imagens que fazia de Júpiter naquele momento e descobriu que havia registrado em vídeo o impacto reportado por Petersen.

Em 2016, outro impacto foi detectado pelo australiano Gerrit Kernbauer e confirmado por John McKeon. Em 2017, o francês Sauveur Pedrangelu observou outro flash em Júpiter e, após seu relato ser divulgado, o impacto foi confirmado por dois observadores alemães, Thomas Riessler e André Fleckstein, que registraram o evento.

Em abril de 2020 a sonda espacial Juno, em órbita de Júpiter desde 2016, registrou um flash de apenas 17 milissegundos em um sobrevoo ao planeta. O registro foi feito em seu espectrógrafo ultravioleta e, apesar de ser muito rápido, emitiu uma enorme quantidade de energia. Os cientistas concluíram que o fenômeno foi gerado pelo impacto de um pequeno asteroide, medindo entre 1 e 4 metros. Apesar da intensidade do flash, ele foi fraco demais para ser detectado por telescópios na Terra, a 750 milhões de quilômetros de distância.

Impacto em Júpiter registrado pelo espectrógrafo da Sonda Juno
Impacto em Júpiter registrado pelo espectrógrafo da Sonda Juno. Fonte: Geophysical Research Letters

Este foi o último impacto registrado em Júpiter antes do dia 13 de setembro deste ano, quando José Luis Pereira realizou um feito inédito para a astronomia brasileira.

O primeiro impacto brasileiro

Para realizar esse feito, desde 2018, José Luis dedica várias horas de suas noites participando do projeto DeTeCt, um programa internacional de monitoramento do planeta Júpiter, onde ele é um dos astrônomos mais dedicados.

Ranking dos astrônomos que mais contribuíram no monitoramento de Júpiter no Programa DeTeCt
Ranking dos astrônomos que mais contribuíram no monitoramento de Júpiter no Programa DeTeCt. Fonte: reprodução astrosurf.com

E o prêmio por seu empenho veio nesta segunda. No momento em que preparava o telescópio, José Luis percebeu um flash luminoso no planeta. Na hora ele ainda ficou na dúvida, mas felizmente, mesmo durante a preparação, o astrônomo já havia iniciado a gravação dos vídeos. Posteriormente, José Luis executou o software que faz a busca automatizada nos vídeos. O software apontou uma alta probabilidade de que ele tivesse registrado um impacto, e quando foi conferir seu vídeo, constatou que o flash tinha, realmente, todas as características de um impacto em Júpiter.

Astrônomo amador José Luis Pereira
Astrônomo amador José Luis Pereira ao lado do seu telescópio utilizado para a detecção do impacto. Créditos: Arquivo pessoal

Ainda sem acreditar que finalmente teria alcançado seu principal objetivo, ele entrou em contato com Marc Delcroix, coordenador do programa DeTeCt, e notificou oficialmente seu registro. Delcroix enviou um alerta para astrônomos de todo o mundo para que conferissem seus registros. Para que um flash detectado em Júpiter seja considerado um impacto, é preciso que ele tenha sido registrado por, pelo menos, dois observadores em locais distintos da Terra. Até o momento, outros 4 observadores independentes confirmaram o fenômeno, e José Luis se tornou o primeiro brasileiro da história a registrar um impacto em Júpiter.

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