A Blumhouse Productions tornou-se conhecida no início dos anos 2000 pelas produções de terror mais modernas, gerando franquias de longa duração e projetos criativos independentes. O estúdio gosta de entregar filmes que surpreendem o público, como ‘Atividade Paranormal’, ‘Uma Noite de Crime‘ ou até mesmo o aclamado ‘Corra’, e por mais que goste de brincar com sátiras, tal qual ‘A Morte Te Dá Parabéns’, a empresa de Jason Blum nunca havia explorado tanto o subgênero trash quanto em ‘Black as Night‘.
A produtora quase sempre oferece aos diretores liberdade criativa com a condição de que mantenham os orçamentos pequenos, o que é possível ver no longa dirigido por Maritte Lee Go (‘Phobias’). Protagonizado por atores desconhecidos do público, o longa foca na boa fotografia do subúrbio do estado de Nova Orleans para contar uma história teen vampiresca com focos de potencial intrigantes ao longo dos somente 87 minutos de trama, mas que são prontamente abandonados para dar espaço à galhofa e hilária proposta de roteiro de Sherman Payne (série ‘Pânico’).
O desenrolar de ‘Black as Night’ é tão direto ao ponto que não se importa em momento algum de explicar pequenos detalhes que são abordados e poderiam contribuir, mas de nada acrescentam ao filme. Ao lado dos amigos fiéis e movida por vingança após a morte da mãe, Shawna (Asjha Cooper), de 15 anos, é mordida por vampiros ao voltar de uma festa e, em alguns minutos de filme, decide por si só que irá passar as férias de verão enfrentando as criaturas.
Não me leve a mal, eu gosto de um terror trash – produções de qualidade duvidosa que, geralmente, tem o intuito de chocar e conseguem transmitir horror e humor quase que ao mesmo tempo. Aliás, defendo que produções do tipo, movidas a baixo orçamento e alguns elementos um tanto quanto “toscos”, ajudam a criar certa magia nas telinhas e telonas que merece um lugar ao sol na indústria cinematográfica.
Todavia, quando as atuações não são boas e o roteiro começa a não fazer sentido mais, há de se relatar o incômodo. Em determinado momento do filme (10 minutos para o fim, visando ser mais exato), por exemplo, os protagonistas estão inertes e sem pistas sobre o que fazer em relação aos vampiros e a batalha que os mesmos insistem em participar. Claro que, para isso acontecer, os vampiros são “nerfados” o suficiente para nem sequer se mostrarem uma ameaça predominante. Jogue um pouco de alho ou prata neles e, boom, morrem.
Aliás, eis um fator bem cômico: os supostos confrontos entre os adolescentes e os vampiros parecem como um jogo de aventura no nível “muito fácil”. As criaturas quebram o próprio protocolo cultural de só entrarem em determinado local caso forem convidados para quebrar janelas e ficarem paradas ao som de grunhidos. Com o pouco tempo que tem, os personagens principais têm tempo suficiente para se mostrarem mais armados e equipados que os ‘Caça-Fantasmas’ ou a dupla de ‘Invocação do Mal’ para assassinarem sem sangue (sim) as entidades sobrenaturais.
As atuações também não agradam. Asjha Cooper e Mason Beauchamp fazer um improvável e forçado casal que nem se conhecem nos primeiros 10 minutos de ‘Black as Night’, mas próximo aos 20 prometem cuidar um do outro. O ator, em específico, não consegue esboçar reações aos eventos do longa e parece querer mostrar a todo o tempo que não queria estar em tela (ou pedir por socorro).
A protagonista também não sabe lidar com as emoções. Ela não chora ou esboça muita tristeza ao perder a mãe tragicamente e, pouco tempo depois do acidente, se mostra solicita a matar vampiros e descobrir o “mistério”. O roteiro não a ajudou, de fato, assim como Craig Tate (’12 anos de Escravidão’) e Keith David (‘Greenleaf’), talvez os rostos mais conhecidos a serem vistos na produção. Eles nada convencem como vampiros e encontram um desfecho mais clichê possível – lidando com adolescentes de 15 anos com experiência de dois dias.
David, no entanto, é responsável por mostrar um dos dois pontos mais interessantes do filme. Em determinada cena, ele explica a motivação por trás da existência de vampiros no local, algo que mexe com gentrificação e racismo. A proposta poderia ter sido melhor desenvolvida e encaixada em um contexto no qual toda a história faria melhor sentido, porém o argumento de Payne utiliza a premissa apenas como “detalhe de luxo” para deixar o filme mais contemporâneo. Uma lástima, de fato, pois há um pequeno discurso do veterano ator que faz excelentes críticas ao racismo e às manifestações passivas – fator jogado no lixo que poderia, de certa forma, elevar a produção e muito.
Fabrizio Zacharee Guido (‘Guerra Mundial Z’), talvez, seja a única atuação que se mostra precisa e cativante no longa. O melhor amigo da protagonista tem objetivos e desejos, porém não deixa de ajudar na bizarra batalha contra os vampiros. Talvez o único problema seja a linha tênue em que ele percorre na performance, que muitas vezes pode soar estereotipada. Vamos lá, Blumhouse: não é porque o personagem é latino e homossexual que a cada três falas ele precisa soltar algo em espanhol como se fosse um gringo perdido.
Com roteiro acelerado e um potencial desperdiçado, ‘Black as Night’ não é um filme de terror em nenhum aspecto. Trash? Até demais, algo que soa hilário – e não no sentido bom, tal qual uma sátira. De qualquer forma, vale a pena dar uma conferida para dar algumas risadas e analisar como a trama poderia ter feito muito mais sentido se tivesse sido mais bem trabalhada e com um maior tempo de duração. É aquilo, né? No papel é uma coisa, já na prática, nem tanto.
Contudo, como falei anteriormente, a indústria cinematográfica precisa de produções trash como forma de respirar, sabe? A parceria do Amazon Prime Video com a Blumhouse já rendeu, ao todo, seis de oito filmes – com os dois últimos a serem lançados ainda em outubro de 2021. Alguns beiram mais ao ridículo, outros focam mais no terror em vias de fato. Variando muito ou não, a série de longas ‘Bem-vindo a Blumhouse’ na plataforma de streaming é, sim, bem-vinda, e pode oferecer ao público ideias e novos rostos que, provavelmente, não chegaria às telonas do cinema.
Em resumo, um homem sábio uma vez me disse (meu editor, Renato Mota) que “não tem problema um filme ser ruim, desde que ele tenha consciência disso”. Não há como definir ‘Black as Night’ melhor que isso… e caso não for bem aceito com o público, saiba ao menos que é uma obra melhor de se assistir, e que cumpre o que promete, que certos outros grandes longas de terror no cinema que se propõem a serem gigantes, mas são decepcionantes.
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