Como renovar uma franquia tão cansada? Veja bem, a premissa de ‘Uma Noite de Crime’ sempre soou intrigante: Quando o governo norte-americano constata que as prisões estão cheias demais para receberem novos detentos, uma nova lei chamada “Expurgo” é criada, permitindo todas as atividades ilegais durante 12 horas, incluindo assassinatos. Ao longo de oito anos, a franquia gerou (agora) cinco filmes e até uma série de TV ambientada no mesmo universo e com o mesmo modus operandi. O que há de novo para contar, então, em ‘A Fronteira’?

A ideia central da sequência é que, mesmo após as 12 horas de “Expurgo anual” – quando tudo deveria “voltar ao normal” – os estadunidenses “cidadãos de bem” decidem que as mortes não irão acabar, fazendo com que os protagonistas procurem, então, uma forma escaparem do país sem salvação. A premissa, acredite, é o maior ponto positivo da trama, pois ao invés de tentar criar algo novo que pudesse soar ridículo, admitiu a maior falha do motor que faz com que a saga persista há anos. Afinal, como acreditar que uma nação demasiadamente nacionalista, armamentista e preconceituosa simplesmente respeitaria o horário definido para promover a chacina? (não entendo como isso não aconteceu desde o primeiro expurgo…).

‘Uma Noite de Crime: A Fronteira’ tenta mirar na crítica social. Imagem: Universal Pictures/Divulgação

James DeMonaco volta à produção da franquia criada por ele e escreve mais um capítulo, dessa vez focando em críticas sociais válidas para os tempos atuais nos Estados Unidos (EUA). No entanto, ele entrega a direção ao estreante Everardo Gout, que com uma equipe de peso realiza um bom trabalho em níveis técnico. Mesmo gravado na Califórnia, o longa mescla as nuances da paisagem texana com os cenários caóticos causados pela população que participa da noite assassina. Com apenas US$ 18 milhões em mãos, o novato não mostra personalidade no trabalho, porém, com Blumhouse Productions e Universal Pictures por trás, quem precisa?

Tudo é muito bem construído: fotografia, trilha sonora, construção de cenário e etc. É difícil acreditar que ‘Uma Noite de Crime: A Fronteira’ tenha sido tão barato de ser feito. Desde os sons de diferentes tipos de armas até a variação das câmeras nos estilos de filmagem para captar a violência urbana (mesmo com assassinato menos explícito) em um estilo “faroeste moderno”, é algo que o público não precisa se preocupar, pois a produção como um todo exibe qualidade, condensando bem toda a essência mais selvagem, vingativa – pasmem – divertida em apenas 90 minutos.

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O “Expurgo” ultrapassa as 12 horas determinadas em novo ‘Uma Noite de Crime’. Imagem: Universal Pictures/Divulgação

Porém, mesmo uma boa produção não consegue mascarar que a premissa em potencial não foi aproveitada ao máximo. A trama se passa após os eventos de ‘O Ano da Eleição’ e é focada em Adela (Ana de la Reguera) e Juan (Tenoch Huerta), que encontram abrigo em um rancho no Texas após fugirem de um cartel no México. O enredo dita ao explicador desde o primeiro minuto que o filme terá uma mensagem política criticando a xenofobia, mas não desenvolve o suficiente e, por muitas vezes, soa como algo vago.

Felizmente, o elenco pouco conhecido cativa e atua de forma segura, em destaques o casal protagonista – ambos mexicanos em um filme hollywodiano, vale destacar. Os coadjuvantes são presentes e evitam ser apenas rostos a complementar durante o filme, contudo o background de alguns é muito mal explicado. Em determinado momento, certos personagens aparecem apenas para “resolver a situação” e é isso…

Isso sem contar os diálogos rasos sobre os principais assuntos que pretende abordar. Por exemplo: em determinando momento, Dylan (Josh Lucas) explica a Juan que ele não é racista e declara que não acha “que os brancos sejam melhores ou piores do que ninguém”, alegando que “culturas não se misturam”. O diálogo é um ponto de partida interessante e mostra como boa parte dos americanos olham apenas para a realidade ao redor deles e destaca que a base de tensão entre os dois personagens é o racismo velado. O assunto morre aí, no entanto.

A verdade é que, para ‘A Fronteira’, a polarização política e conflito é tratada como algo importante, mas no fim serve somente como um trampolim para as cenas de violência e caos. Mesmo assim, a produção merece os méritos por criticar o famigerado “sonho americano” – ou seja, a ideia de que os EUA são perfeitos para que qualquer chegue chegar ao topo da pirâmide social. De forma bem explícita, a mensagem que Gout passa no fim é a de que a maior potência mundial tem como inimigo apenas ela mesma, e que o moralismo falso empregado ao mundo pode ser o maior responsável por destruir a nação.

A franquia ‘Uma Noite de Crime’ sempre realizou, suavemente ou não, um tipo de crítica maniqueísta: a visão do rico versus o pobre, do branco versus o preto, do norte-americano versus o imigrante e etc. Monótono ou não, a premissa cumpre de certo modo a tarefa de renovar a saga, mesmo carecendo de melhor desenvolvimento.

‘Uma Noite de Crime: A Fronteira’ poderia ser melhor, mas é bem produzido e critica bem o “sonho americano”

‘Uma Noite de Crime: A Fronteira’ é bem produzido e critica bem o “sonho americano”. Imagem: Universal Pictures/Divulgação

A verdade é que ‘Uma Noite de Crime: A Fronteira’ é um filme bastante legal de se assistir, muito bem produzido e repleto de jump scares – mesmo não sendo tão terror quanto alguns imaginam. Porém, a crítica social em relação à xenofobia mexicana que o roteiro claramente quer fazer é crua e não bem feita, soando apenas como um pano de fundo.

A ideia, caso mais bem aplicada e desenvolvida na medida certa, talvez fizesse a produção melhor. Claro, sem a genialidade e profundidade que Jordan Peele e Nia DaCosta trouxeram recentemente em ‘A Lenda de Candyman‘, porém com seus devidos méritos. Afinal, a premissa anárquica que sempre esteve em torno da franquia sempre soou interessante, todavia virou maciça com o passar dos anos, e talvez uma crítica social aprofundada trouxesse renovo.

De qualquer forma, o filme é assistível o suficiente e traz uma reflexão sobre a necessidade do ethos nacional do “sonho americano”, mas é visível observar que a fórmula regente da saga de filmes está definitivamente esgotando-se – se não já, verdade seja dita. Talvez porque o próprio mundo tenha piorado desde o início da série em 2013 ou porque não seja mais interessante, de fato…

‘Uma Noite de Crime: A Fronteira’ não é genial, mas tem méritos. Imagem: Universal Pictures/Divulgação

Preparados para ‘Uma Noite de Crime: A Fronteira’? O filme da Universal Pictures estreia nesta quinta-feira, 2 de setembro, nas salas de cinema em todo o Brasil. James DeMonaco, responsável pelo roteiro de todos os capítulos da saga, ficará responsável pelo roteiro do novo longa, enquanto a direção fica por conta de Everardo Gout.

O elenco é formado por Will Patton, Cassidy Freeman, Ana de la Reguera, Tenoch Huerta e Leven Rambin. Confira mais detalhes da produção abaixo, com sinopse e trailer oficiais:

Neste verão, todas as regras são quebradas quando uma seita de saqueadores sem lei decide que o expurgo anual não termina ao amanhecer e, em vez disso, não deve terminar no ‘Uma noite de crime: A Fronteira’. Saltando do sucesso recorde de A primeira noite de crime de 2018, a infame franquia de terror de Blumhouse entra em um novo território inovador quando membros de um movimento underground, não mais satisfeitos com uma noite anual de anarquia e assassinato, decidem dominar a América por meio de uma campanha interminável de caos e massacre. Ninguém está seguro. Adela (Ana de la Reguera) e seu marido Juan (Tenoch Huerta) moram no Texas, onde Juan trabalha como ajudante de fazenda para a rica família Tucker. Juan impressiona o patriarca de Tucker, Caleb (Will Patton), mas isso alimenta a raiva ciumenta do filho de Caleb, Dylan (Josh Lucas). Na manhã seguinte ao expurgo, uma gangue mascarada de assassinos ataca a família Tucker, incluindo a esposa de Dylan (Cassidy Freeman) e sua irmã (Leven Rambin), forçando as duas famílias a se unirem e lutarem de volta enquanto o país se transforma em caos e os Estados Unidos começam a se desintegrar ao seu redor.

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