Dezenas de telescópios espaciais operam nas proximidades da Terra e fornecem imagens incríveis do universo para pesquisa científica. Então, imagine do que seria capaz um telescópio que orbitasse no sistema solar externo, a uma distância 10 ou mesmo 100 vezes maior do que a entre o Sol e a Terra. 

É isso que propõe o astrofísico Michael Zemcov, professor associado de física do Instituto Rochester de Tecnologia, em Nova York. Em um artigo para o site The Conversation, Zemcov explica como um pequeno instrumento navegando na órbita de Saturno poderia resolver alguns mistérios do universo melhor do que os gigantes telescópios próximos à Terra.

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Conjunção entre Júpiter e Saturno
Para o astrofísico Michael Zemcov, um telescópio espacial lançado para a órbita de Saturno poderia lançar luz sobre os mistérios do universo. Imagem: themotioncloud – Shutterstock

“A capacidade de olhar para trás em nosso sistema solar ou perscrutar a escuridão do cosmos distante tornaria isso uma ferramenta científica excepcionalmente poderosa”, acredita.

“Desde a década de 1960, cientistas como eu têm considerado as importantes questões científicas que poderíamos ser capazes de responder com um telescópio colocado no sistema solar externo”, diz Zemcov. 

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A comunidade de ciências astronômicas chama de sistema solar externo a área além do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter. Ou seja, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno são considerados planetas externos, além de planetóides mais distantes, como Plutão.

Pequeno no tamanho, grande na capacidade

Segundo Zemcov, não seria o tamanho do instrumento que garantiria o sucesso da missão, e sim, unicamente, sua localização. “Nós precisaríamos apenas enviar um telescópio muito pequeno – com uma lente do tamanho de uma pequena placa – para obter alguns insights astrofísicos verdadeiramente únicos. Tal telescópio poderia ser construído para pesar menos de 9 kg e ser transportado em praticamente qualquer missão a Saturno ou além”.

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Embora pequeno e simples em comparação a telescópios como Hubble ou James Webb, ao operar longe da luz brilhante do Sol esse equipamento poderia fazer medições que são difíceis ou totalmente impossíveis de um ponto de vista próximo à Terra.

Inclusive, sobre a nossa estrela em si. “Ser capaz de ver o sistema solar de um ponto de vista externo revelaria muitas informações, em particular sobre a forma, distribuição e composição da nuvem de poeira que envolve o Sol”, acredita o cientista.

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Ele exemplifica comparando com um poste de luz. “Imagine um poste de luz em uma noite de nevoeiro – estando longe do poste, o movimento da névoa é visível de uma forma que alguém parado sob a luz da rua nunca poderia ver”.

O Sol tem um disco de poeira e gás ao seu redor, muito parecido com a névoa rosada vista nesta imagem, a representação gráfica de uma estrela anã vermelha próxima e sua nuvem de poeira. Imagem: NASA / ESA / J. Debes

Outro benefício de colocar um telescópio longe do Sol é a ausência de luz refletida. O disco de poeira no plano dos planetas reflete a luz do Sol de volta à Terra. Isso cria uma névoa que é entre 100 e mil vezes mais brilhante do que a luz de outras galáxias e obscurece a visão do cosmos próximo à Terra. 

Zemcov diz que enviar um telescópio para fora dessa nuvem de poeira “o colocaria em uma região muito mais escura do espaço, tornando mais fácil medir a luz vinda de fora do sistema solar”.

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Uma vez lá, o telescópio pode medir o brilho da luz ambiente do universo em uma ampla gama de comprimentos de onda. Isso, segundo o cientista, poderia fornecer informações sobre como a matéria se condensou nas primeiras estrelas e galáxias. 

“Também permitiria aos pesquisadores testar modelos do universo, comparando a soma prevista de luz de todas as galáxias com uma medição precisa”, explica.

Telescópio espacial distante conseguiria medir melhor planetas errantes

Para Zemcov, aumentar a distância de um telescópio do Sol também permitiria aos astrônomos fazer ciência tirando proveito de um efeito chamado lente gravitacional, no qual um objeto massivo distorce o caminho que a luz percorre ao passar por ele.

Um dos usos das lentes gravitacionais é procurar e pesar planetas errantes – planetas que vagam pelo espaço interestelar após serem ejetados de seus sistemas solares domésticos.

“Planetas errantes não emitem luz própria, mas os astrofísicos podem observar seu efeito na luz das estrelas de fundo”, diz Zemcov. “Para diferenciar entre a distância do objeto de lente e sua massa, são necessárias observações de um segundo local longe da Terra”.

O universo é cheio de galáxias – como pode ser visto nesta imagem chamada Hubble Ultra Deep Field – e medir a luz cumulativa delas é difícil de fazer da distância da Terra. Imagem: NASA / JPL

Ele lembra que, em 2011, cientistas usaram uma câmera na missão EPOXI ao cinturão de asteroides para descobrir e pesar um objeto do tamanho de Netuno flutuando livremente entre as estrelas da Via Láctea. 

“Apenas alguns planetas errantes foram encontrados, mas os astrônomos suspeitam que eles são muito comuns e podem conter pistas sobre a formação de sistemas solares e prevalência de planetas ao redor das estrelas”, declarou.

Segundo o astrofísico, existe algo ainda mais incrível nessa empreitada. “Talvez o uso mais interessante de um telescópio no sistema solar externo seja o potencial de usar o campo gravitacional do próprio Sol como uma lente gigante”, disse Zemcov, explicando que esse tipo de medição pode permitir aos astrofísicos mapear planetas em outros sistemas estelares. “Talvez um dia sejamos capazes de nomear continentes em um planeta parecido com a Terra ao redor de uma estrela distante”.

Nasa tem capacidade tecnológica para isso

Zemcov ressaltou que, desde que o Pioneer 10 se tornou o primeiro objeto de fabricação humana a cruzar a órbita de Júpiter, em 1973, houve apenas alguns estudos astrofísicos feitos além da órbita da Terra. 

“Missões para o sistema solar externo são raras, mas muitas equipes de cientistas estão fazendo estudos para mostrar como um projeto de telescópio extra-solar funcionaria e o que poderia ser aprendido com ele”, disse ele.

Segundo Zemcov, levar um telescópio para o sistema solar externo, embora seja um plano ambicioso, está dentro da capacidade tecnológica da Nasa ou de outras agências espaciais. “Espero que um dia, em breve, um minúsculo telescópio em uma missão solitária nos confins escuros do sistema solar nos forneça uma visão incrível do universo”.

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