Mais de cem mortos, quase 150 desaparecidos, muitos feridos e desabrigados, além de toda a destruição ambiental e material. Esse é o cenário da tragédia que se abateu esta semana sobre Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. A cidade foi atingida por temporais que, em poucas horas, desabaram um volume de água equivalente a mais de um mês de chuvas.

Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), foram 250 milímetros de chuva em apenas três horas no município na terça-feira (15), muito além do que os 185 milímetros esperados para todo o mês de fevereiro.
Esse não foi o primeiro registro de tempestades avassaladoras nos últimos meses no Brasil. Vimos o mesmo acontecer no sul da Bahia no fim de 2021, quando um ciclone extratropical provocou chuvas tão intensas que diversas cidades entraram em estado de emergência e calamidade. O estado de Minas Gerais também foi assolado por enchentes provocadas por fortes temporais no fim do ano passado e no início de 2022. No fim de janeiro, foi a vez de São Paulo, onde um evento extremo de chuva deixou mortos e grande destruição.
Dificuldade tecnológica em prever com precisão
Diante disso, fica o questionamento: essas situações poderiam ter sido previstas e, consequentemente, evitadas? Para entender o papel da ciência meteorológica em episódios como esses, o Olhar Digital conversou com dois especialistas em estudos do clima.
Desirée Brandt é meteorologista, palestrante e tem uma extensa carreira como apresentadora da previsão do tempo em emissoras de rádio e televisão. Segundo ela, havia previsão de bastante chuva na região, mas o que aconteceu em Petrópolis foi algo “muito pontual”.
“A previsão aponta que existe uma área de alto risco para grandes acumulados de chuva, mas não dá para prever especificamente se essa grande quantidade de chuvas cairia exatamente sobre Petrópolis ou sobre Teresópolis, por exemplo”, explica Desirée.
Segundo ela, estava prevista a chegada de uma frente fria à região, que, além de ser um local de bastante umidade, estava enfrentando dias de muito calor, o que favorece a formação das nuvens carregadas.
Para os próximos dias, a meteorologista alerta que ainda existe previsão de chuva forte, porque está se formando uma Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), um corredor de umidade que provoca chuvas volumosas sobre parte das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste do país.

“Tudo isso é previsível. O que é difícil de se prever é o local exato em que vai cair toda essa quantidade de chuvas”, disse Desirée, que acredita que “em nenhum lugar do mundo haja uma tecnologia que faça uma previsão tão pontual como foi essa”.
Isso porque, segundo ela, as nuvens que provocaram essa grande quantidade de chuva não chegaram a Petrópolis, elas se formaram ali, em cima da serra, em razão do calor, da umidade e também do relevo, o que acabou favorecendo o desenvolvimento dessas nuvens bem carregadas.
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De acordo com o pesquisador do CEMADEN Giovanni Dolif Neto, doutor em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a ciência e tecnologia necessárias para previsão de tempestades como a que atingiu Petrópolis requerem grandes investimentos, seja em supercomputação, seja em recursos humanos altamente especializados. “Os países desenvolvidos dispõem de mais recursos para esses investimentos, por isso estão mais avançados”.
É importante lembrar que, em outubro do ano passado, o Ministério da Ciência e Tecnologia teve 87% da sua verba cortada. A decisão do Ministério da Economia fez com que o orçamento da pasta científica caísse de R$ 690 milhões para R$ 89 milhões. Antes disso, em julho, o governo anunciou a troca do supercomputador meteorológico Tupã por outro com menos poder de processamento.
Dolif acredita que o avanço da ciência e da tecnologia poderia, sim, permitir maior antecipação na previsão de chuvas intensas. “O ritmo de avanço científico e tecnológico é proporcional ao montante investido. Quando há redução no investimento, há também uma desaceleração dos avanços”, disse o cientista.
O que causou a tragédia em Petrópolis
Segundo o meteorologista do INPE, um desastre natural é resultado da combinação de um processo natural com uma vulnerabilidade social. “Do ponto de vista meteorológico, a intensidade da chuva foi extrema e rara, resultado de uma combinação de fatores como a presença de um ambiente atmosférico altamente instável e os ventos da chegada de uma frente fria forçados pelo relevo acidentado da região”, explica Dolif.
“É uma combinação que pode naturalmente voltar a acontecer”, disse ele. “No entanto, por se tratar de uma intensidade provavelmente sem precedentes registrados, é pouco provável que aconteça com frequência”.
Para Desirée, esse tipo de situação não só pode se repetir, como já neste fim de semana há chances de chover muito na região, podendo provocar novamente esse tipo de tragédia.
E nem precisaria ser um episódio de chuvas tão intensas como as mais recentes. Segundo Dolif, mesmo intensidades de chuva um pouco menores, portanto mais prováveis, já trariam grande aumento de risco para o município, devido às suas condições explicitadas acima.
Dolif relaciona todas essas tragédias que testemunhamos nos últimos tempos com as mudanças climáticas, além do fator social. “Uma maior frequência de extremos de chuva é compatível com um planeta mais aquecido. Além disso, a ocupação de áreas de risco expõe grande número de pessoas a uma situação de vulnerabilidade diante dessas chuvas”.
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