Prós
  • Metade de um supercarro por 1/10 do preço
  • Experiência clássica com comodidades modernas
  • Barulhento
  • No fundo, um dinossauro
Contras
  • É um carro a gasolina em 2022
  • Necessariamente um segundo carro
  • Barulhento
  • No fundo, um dinossauro

Falar de um carro como um Mustang Mach 1 não é avaliar coisas práticas. Quem compra um veículo assim não está adquirindo uma condução. Está adquirindo uma experiência.

Orgulho em não ser prático

Uma experiência cujo potencial é desperdiçado ao se tentar usar em coisas práticas.

É um carro que tem (no modo padrão) um raio de curva como o de um navio – sair de uma vaga num estacionamento apertado de um shopping ou supermercado pode exigir uma rezinha ou duas. O carro também é bem baixo e é muito fácil arranhar a saia ao começar ou terminar uma rampa.

Mas quem compraria um Mustang para ir ao supermercado ou shopping?

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O espaço nos assentos traseiros é mínimo, como se espera de um muscle car desde os anos 1970. E não há janela traseira.

Mas quem quer passear com a sogra ou carregar seus colegas de dança de salão num Mustang?

É um carro bem beberrão na cidade: andando no trânsito, indicava exíguos de 130 km de autonomia com um tanque de 61 litros. Segundo o fabricante, essa previsão é afetada por muitos fatores, mas parecia estar prestes a se cumprir até pegar a estrada. Aí, como por milagre, saltou para 380 km com 1/4 do tanque já gasto.

Mas quem quer um Mustang para economizar em gasolina?

O motor também é barulhento, mesmo na configuração silenciosa. E, nas outras configurações, há um aviso de que é possível quebrar leis de ruído máximo dentro da cidade.

Mas quem adquire um V8 de 5 litros para não fazer barulho?

E é, claro, um carro beem chamativo. Todo mundo vai prestar atenção. Um dono de uma garagem ficou com medo da responsabilidade de guardá-lo. A polícia me parou numa blitz, talvez esperando encontrar algum famoso dentro (desculpa, seu guarda!).

Mas existe alguém neste mundo que não quer ser notado andando num carro com este visual?

Mustang Mach 1
Mustang Mach 1 (Ford/Divulgação)

Meu querido pônei

Essas coisinhas explicam que o Mustang Mach 1 é exatamente o que quer ser: um segundo carro. Um esportivo de verdade, para usar por… bem, esporte. Não um carro prático “esportivizado” como uma SUV. Um brinquedão, enfim.

O Mach 1 tem um visual que outros críticos chamaram de retrô. Mas, adotando a plataforma de sexta geração Mustang, inaugurada com o Shelby GT350 em 2015, está perfeitamente em casa no ano de 2022, em que ângulos e grades agressivas estão de volta à moda.

As modificações em relação ao Shelby são por conta da homenagem que o design faz ao primeiro Mustang Mach 1 original, de 1969.

Isso é possível ver nos faróis duplos, dentro e fora da grade e nas faixas laterais. A grade inferior também teve uma re-estilizada, mas o que salta mais aos olhos são mesmo os faróis dentro da grade. Falando no que, diferente do Shelby, que é representado por uma cobra, o Mach 1 usa o cavalinho clássico.

E isso tem uma história interessante: o Mustang, quando nasceu nos anos 1960, não era considerado um muscle car. Isto é, um esportivo ao estilo americano – menos luxuoso, produzidos em maiores números, e uma fração do custo dos europeus.

Deu então origem ao termo pony car (de “pônei”), um esportivo compacto (para os anos 1960, claro). O termo surgiu justamente por causa do nome Mustang, que vem dos mustangs, cavalos selvagens dos que habitam as pradarias dos EUA (daí o cavalinho na grade). Enquanto um Pontiac GTO ou um Dodge Super Bee era considerado um muscle car, o Mustang e seu arquirrival, o Chevrolet Camaro, são ponies.

Em comparação com o original, o pônei já é um cavalo de arado. O Mach 1 de 2022 é um pouco mais largo (191,5 vs 182,4 cm), um pouco mais alto (138,2 vs 129,5 cm), um pouco mais longo (478,9 vs 476,6 cm) e bem mais pesado (1761 vs 1320 kg) que o modelo de 1969.

Mas não é o maior cavalo no páreo: o Mustang Shelby GT500, com motor turbo de 760 cv com supercharger, custa US$ 20 mil a mais no original – e aqui, pode sair o dobro. O Mach 1 tem um motor aspirado, de 483 cv.

E aí, só por curiosidade, a gente pode pensar em supercarrros. Daria pra comprar uma frota de Mach 1 pelo preço de um deles. Uma Ferrari híbrida SF90 Spider tem 1000 cv de potência e custa R$ 8,4 milhão no Brasil.

Então, sim, custo-benefício é algo válido nesta análise.

T-Rex não é para ficar na gaiola

É inevitável, mas dá dó de ver um Mustang Mach 1 preso no congestionamento (ainda melhor que ficar preso no congestionamento num Gol 1999, não vou negar). Ele urra a cada pequena partida como um tigre numa jaula.

Tigre? Talvez a melhor comparação seja o rugido de um tiranossauro, com o meteoro já cortando os céus. Um V8 a gasolina de 5 litros aspirado, com tração traseira, que, ao ser exposto, traz um emaranhado de tubos e fios, como uma máquina criptográfica analógica. Em menos de 15 anos, carros assim serão proibidos de sair da fábrica – e talvez, então, mesmo podendo circular, seja difícil encontrar gasolina também.

Comprar um Mustang Mach 1 é adquirir um carro de colecionador zero quilômetro, por contraditória que a frase possa parecer. É algo para para fã, para quem já está adiantando sua saudade do barulho, da vibração, até do cheiro do combustível.

É um carro de 2022 que tenta emular os anos 1970. Conta com algumas comodidades e incômodos do passado: bancos esportivos (obviamente) de couro e um porta-malas generoso, mas o já citado espaço exíguo no banco traseiro, sem encosto para cabeça, com janela fixa – compensado em parte por bancos bem côncavos, que permitem que pernas maiores sejam acomodadas na diagonal.

Naturalmente, traz também múltiplas comodidades que são esperadas de um modelo 2022 nessa faixa de preço: assentos e espelhos ajustáveis por motor, tablet com Android Auto e reconhecimento de voz em português, indicadores totalmente digitais, controle de cruzeiro para manter a distância na estrada e manter-se na faixa (ou detectores que avisam quando você está saindo), câmera traseira com indicador de percurso para estacionar, ar condicionado configurável nos dois lados, chave eletrônica bluetooth (que, para caso acabar a bateria, possui uma versão old school. uma chave de metal simples, escondida dentro).

Para o que deve ser decepção para alguns fãs brasileiros, a modernidade inclui câmbio automático de 10 marchas. E o câmbio merece ser falado.

A aceleração tem perfis configuráveis de comportamento, decididos por um menu painel central. Entre “conforto” e “drag racing” (o que o manual avisa para só usar em pistas fechadas). Na prática, mesmo na configuração mais modesta, dá para perceber que o motor parece programado para reagir a enfiar o pé e grudar os passageiros no banco. A direção também é configurável, entre mais confortável e esportiva, mais dura e responsiva.

Há um modo que simula seleção manual. Se você usa a opção S no câmbio automático, botões no volante controlam aumentar e baixar marchas, e o carro respeita isso – você pode jogar as RPM nas alturas com isso. São só seis marchas nesse modo, como um câmbio normal. Sem embreagem, não chega a ser exatamente a mesma sensação.

Não acredito que eu, sem experiência em dirigir arrancada, conseguiria fazer melhor que o câmbio automático do Mustang Mach 1. No modo drag, ele vai, pelo fabricante, de 0 a 100 km/h em 4,3 segundos. Mas outros modos não parecem se comportar de forma muito diferente – não na estrada. Você pisa, ele vai, enfim, e os passageiros vão para trás no banco.

E, nisso, ronca. Ora, se! Assim como o acelerador pode ter comportamentos diferentes, o som também é configurável no mesmo menu, aumentando ou diminuindo a função do silencioso. Se o modo de pista é como um avião pousando, o modo padrão ainda é bem espalhafatoso. Silencioso trai um pouco a proposta, mas evita que os motoristas ao lado achem que você está propondo um racha ao sair do sinal.

Evita um pouco: você está num carro que parece ser um desafio. Espere por ultrapassagens de orgulho, desafios e impaciência por você cumprir as leis de trânsito (esperamos que cumpra, não?).

Mustang Mach 1: a experiência

Mas, enfim, como é dirigir o Mustang Mach 1? Qual é a experiência da qual falamos lá atrás?

Vamos lá. Você tem seu carro parado na calçada. Ele é bem mais baixo que um carro convencional. Entrar nele já exige um pouquinho de esporte.

Depois da descida, você basicamente se lança com as pernas para se encaixar no lugar. As pernas ficam bem mais na horizontal que num carro convencional, e a cabeça fica mais baixa em relação à pista. É uma posição que quer te promover a piloto. É ajustável, é possível achar um jeito mais prático na cidade, deixando mais alto, mais reto, mais perto do pedal, mas fazer isso é perder a proposta.

Como é comum em carros automáticos com partida digital, você liga segurando no freio e a mágica começa. É um ruído que vai ficar na sua memória. E uns 50% do valor do carro está nesse ruído e o que ele representa.

O vídeo só dá uma ideia meio filtrada. Não é algo que possa ser descrito como um ronronado. Ou ronco. É mais áspero, mais agressivo, mais imediato. É um motor extra old school, aspirado. Tem mesmo mais uma coisa de dinossauro, mais para Godzilla que Rei Leão.

Não é algo, enfim, que vai te deixar numa situação confortável – e nem é o ponto. Mas a ameaça não é para ser entendida literalmente. O carro, em tese, poderia ser um risco, mas ele só está te lembrando da possibilidade.

Um Mustang Mach 1 mantém o motorista no controle. Ele não é imprevisível, não tem saltos súbitos. Não é suave demais na mão, ao ponto de parecer robótico, um videogame, mas também não é um desafio para controlar. E, ainda tudo que a gente tenha dito lá atrás sobre não ser um carro para o dia-a-dia, e ser um desperdício ficar usando ele em congestionamentos, ele vai te levar por um congestionamento de boa.

O risco é a multa: o Mustang Mach 1 não tem limitação de velocidade máxima e é muito, muito fácil ser pego de surpresa olhando no velocímetro. A suspensão não é dos anos 1970 e você não nota a velocidade sem ter como referência outros carros.

A estrada é o ambiente natural do Mustang e, na estrada, é onde a aceleração e todo resto vão mostrar a que servem. Não é o Mustang mais poderoso que existe, mas não há sentir que falta potência em qualquer momento.

Se você se preocupa com as leis de trânsito, certamente não vai faltar motorista tentando ultrapassar só para contar aos amigos depois. Na minha experiência, respeitando a máxima na estrada, cada Gol, cada Ônix, cada HB20 que encontrava no caminho se esforçava para ultrapassar. Quem sabe para contar aos amigos depois.

Não importa. Ter poder e não usar é um poder em si. E, quando você se familiariza com seu T-Rex de estimação, sabe que o poder está sempre lá.

Veredito

O Mustang Mach 1 é um esportivo de verdade com motor a combustão interna, e num preço que é, se não dá para dizer acessível, custa uma fração do que custaria o próximo degrau da escala, super-esportivos. É um pony car, um esportivo “para o povo” (abastados, mas não bilionários). Também é mais barato que elétricos potentes.

Ninguém aqui é contra o futuro. Pelo contrário, adoraríamos poder compará-lo com o Mach E para saber como a Ford decidiu traduzir a experiência para os elétricos. Carros como o Mustang Mach 1 ficarem no passado é o caminho certo.

Mas, prazer culpado que pode ser a esta altura, é uma senhora despedida! Esportivos continuarão a existir, mas não com esse ronco, não com essa atitude, não com essa história. É automaticamente um item de colecionador: e isso, provavelmente, é só vantagem para quem considera ter um carro assim.

Enfim, se você sentiu um impulso, provavelmente já sabe a resposta.

Nossa avaliação
Nota Final
9.0
  • Design
    10.0
  • Conforto
    9.0
  • Potência
    9.0
  • Custo-benefício
    8.0
  • Acessórios
    8.0

Ficha Técnica

Mustang Mach 1 2022

Estilo: Muscle car

Fabricante: Ford Estados Unidos

Dimensões (comprimento, largura, altura): 4.797 mm x 1.916 mm x 1.403 mm

Peso: 1.754 kg

Motor: Ford Coyote V8 5L

0 a 100 km/h: 4,3 s

Preço: R$ 545 mil

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