Em resposta a um manifesto de astronautas para que a Europa desenvolvesse seus próprios meios de lançamento de missões tripuladas, o líder do programa espacial da Rússia, Dmitry Rogozin, disse que o país pode oferecer “independência em voos espaciais” ao velho continente.
Spoiler: a oferta não tem nada de independente.
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Em uma série de três publicações feitas no Twitter, Rogozin sugere que a Europa, por meio de sua agência espacial (ESA), adote os veículos Soyuz como seu meio de transporte oficial para missões espaciais, ressaltando que eles poderiam ser lançados da Guiana Francesa, onde a ESA mantém uma estrutura de lançamento em Kourou — Local de onde a família Soyuz já voa em missões cargueiras sem tripulação.
A tradução completa dos tuítes de Rogozin segue abaixo:
“Eu suponho que, no presente momento, é importante para a Rússia e para a Europa encontrarem novas áreas e direções de cooperação. Um desses projetos pode ser o aprimoramento do complexo de lançamentos da Soyuz na Guiana Francesa para a certificação de voos tripulados. Se astronautas europeus querem ter a sua própria capacidade de chegar à [Estação Espacial Internacional] ISS, então o uso da amplamente testada e confiável nave Soyuz MS, sobre o igualmente confiável foguete Soyuz-2, com o cosmódromo francês em Kourou como a base de lançamentos europeia […] após treinamento com nossos experts é, na minha opinião, uma ideia espetacular. Isso ajudaria o contribuinte europeu a economizar bilhões de euros e oferecer ao programa espacial europeu a capacidade de se juntar ao clube das potências espaciais, tendo todas as competências necessárias para voos tripulados”.
Hoje, a ESA depende de parceiros para lançar seus astronautas e projetos. Normalmente, essas parcerias são encontradas na iniciativa privada, com exemplos como a SpaceX ou a Arianespace, mas a Europa já voou com a Soyuz no passado também.
O problema: isso seria, como diz a expressão, “trocar seis por meia dúzia”. A ESA ainda estaria dependente da Rússia para a fabricação e manutenção dos veículos, que deveriam ser entregues à Guiana Francesa em produção de larga escala. Dificilmente a Rússia conceberia essa oferta sem ambicionar algum tipo de pagamento ou benefício, então, de um jeito ou de outro, a Europa ainda teria que pagar alguma coisa.
Há também um agravante — este, mais recente: a Rússia está a um passo de invadir a Ucrânia, e o cenário geopolítico ficou bastante estremecido com o que, na prática, vem sendo vista por especialistas como a maior ameaça militar desde a Segunda Guerra Mundial. Imagine a situação embaraçosa que seria se, digamos, a Europa apoiasse a Ucrânia enquanto “cliente” do governo russo para viagens ao espaço?
Mais além, essa não é uma ideia nova: há aproximadamente 20 anos, essa mesma proposta chegou a ser votada na Europa, que rejeitou a possibilidade. E há 20 anos, o cenário político global era bem mais ameno e confortável do que é hoje, convenhamos.
A ESA foi questionada pelo Ars Technica, via e-mail, se havia algum comentário sobre os tuítes de Rogozin. A resposta foi simples, porém elusiva, com a agência dizendo que as lideranças das duas agências — ESA e Roscosmos, da Rússia — concordaram, em julho de 2021, em desenvolver ideias que pudessem ser analisadas em relação à cooperação dos dois blocos no transporte ao espaço.
Ainda não se sabe, porém, se essa reunião referia-se ao transporte de astronautas a partir da Guiana Francesa. Agora, porém, isso soa cada vez mais improvável.
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