Um estudo publicado no jornal científico Nature Climate Change indica que a Amazônia se aproxima de uma “virada irreversível”, onde 50% de seu volume florestal está perto de se tornar uma grande savana, devido a ações humanas que acabam engrandecendo o problema do aquecimento global.

Segundo trecho do estudo, esse tipo de transição traria “grande prejuízo à biodiversidade, mudar completamente padrões meteorológicos regionais e acelerar de forma dramática as mudanças climáticas” já nas próximas décadas.

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Incêndios florestais podem ficar cada vez mais comuns na região da Amazônia, que está em risco de virar uma savana nas próximas décadas
Incêndios florestais podem ficar cada vez mais comuns na região da Amazônia, que está em risco de virar uma savana nas próximas décadas (Imagem: Bruno Kelly/Amazonia Real)

Já não é de hoje que a região amazônica vem enfrentando problemas: de acordo com um levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em novembro de 2021, o desmatamento da Amazônia teve alta de 22% em um ano, a maior já registrada desde 2006. Outra pesquisa – esta feita pelo Observatório do Clima em outubro de 2021 – afirma que a emissão de gases poluentes pelo Brasil em 2021 aumentarou em quase 10% – o único que destoa da média global, que viu níveis baixarem em virtude da pandemia da Covid-19.

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O novo estudo considera que a Amazônia – tida como um dos mais importantes “poços de dióxido de carbono” do mundo, onde a vegetação absorve o gás e ajuda no controle da temperatura média da Terra – pode virar uma savana ao acabar perdendo essa capacidade de absorção, efetivamente aumentando o calor em 1,5º C (Celsius), um número que traria consequências mundiais bem desagradáveis.

“Como cientista, eu não deveria sentir ansiedade. Mas depois de ler esse paper, eu estou mesmo muito, muito ansioso”, disse Carlos Nobre, cientista climático da Universidade de São Paulo (USP), não envolvido no estudo, ao Washington Post. “Esta pesquisa mostra que estamos caminhando na direção mais errada possível…se chegarmos nesse ‘ponto de virada’, bem, isso seria uma péssima notícia”.

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Segundo a comunidade científica, a região amazônica tem potencial para mudar seu paradigma climático de uma hora para outra, o que é um detalhe importante. Enquanto outras áreas do mundo vêm piorando gradualmente ao longo de décadas, a Amazônia vem – a muito custo – se mantendo mais ou menos igual. Mas mesmo isso tem um limite.

Isso porque, tradicionalmente, a Amazônia vem brigando para não virar uma savana: a área vem garantindo sua existência por meio de suas próprias árvores, ou seja, a água evapora das folhas e cria condições para intensas chuvas, enquanto a “copa” da floresta impede que o Sol seque demais o chão, permitindo irrigá-lo.

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Entretanto, ações humanas como o desmatamento sem fiscalização e o uso de maquinário que depende de combustível fóssil vem degradando a capacidade de “auto reciclagem” da floresta, contribuindo para o aumento da ocorrência de incêndios naturais cada vez maiores, que por sua vez destroem mais e mais terreno e assim por diante.

A ação de madeireiras, grileiros e grupos comerciais de exploração tem avançado quase sem fiscalização na Amazônia, derrubando árvores e causando um estrago que a floresta pode não conseguir recuperar
A ação de madeireiras, grileiros e grupos comerciais de exploração tem avançado quase sem fiscalização na Amazônia, derrubando árvores e causando um estrago que a floresta pode não conseguir recuperar (Imagem: VideoFromEveryWhere/Shutterstock)

“É como você sentar em uma cadeira. Se você encostar nela, consegue ‘descer’ até certo ponto, mas se não passar do limite, você volta”, explica Niklas Boers, matemático do Instituto Potsdam de Impacto das Mudanças Climáticas, que ajudou na condução da nova pesquisa. “Mas se você passar desse limite, você cai – cadeira e tudo. E é bem mais difícil de levantar depois da queda, do que a queda em si”.

No estudo, as imagens de satélite mostram que mesmo as áreas de densa floresta estão demorando mais tempo para se recuperar de perturbações se comparado a essa mesma habilidade há 20 anos. “A perda de resiliência que temos observado significa que nós provavelmente chegamos mais perto desse ponto crítico. Mas isso também significa que não estamos em uma área sem retorno, então há esperança”, disse Boers.

Chris Bolton, autor primário do estudo e cientista climático da Universidade de Exeter, disse que a possibilidade de inversão rápida da Amazônia em uma savana torna impossível determinar quando essa mudança de paradigma pode acontecer. Segundo ele, mesmo diante de uma desestabilização completa, o sistema ainda pode persistir de alguma forma natural até que uma força externa – um incêndio ou desmatamento humano, por exemplo – deem aquele “empurrão ladeira abaixo”, ele disse.

“É como os desenhos do Coiote e o Papa-Léguas”, ele compara. “O coiote está correndo atrás do seu inimigo com tanta vontade que ele cai de um penhasco porque não percebeu que ‘acabou o chão’”.

A situação não deve melhorar, se considerarmos o lado humano da coisa: o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem usando a guerra russo-ucraniana como estopim para incentivar legisladores a autorizarem projeto de lei que permita a mineração de recursos naturais em terras indígenas, conforme pronunciamento feito por ele próprio na última quarta-feira (2 de março).

O problema é que, independente do produto desejado, a mineração traz diversos problemas ambientais de longo prazo, como a seca de lençóis freáticos ou o uso de agentes poluentes nas atividades comerciais – como o mercúrio, do qual um levantamento feito pela Universidade do Oeste do Pará mostrou que a atividade de garimpeiros, que vêm há anos despejando o material no Rio Tapajós, contribuiu para o aumento de mercúrio no sangue da população de Santarém, no estado, contemplada pela bacia amazônica.

O estudo busca, com tudo isso, enviar uma mensagem clara: “se tirarmos ao menos um desses fatores da equação, a minha intuição diz que o sistema seria capaz de se recuperar com o restante”, disse Bolton. “É exatamente isso que deveríamos dizer aos governos brasileiro, colombiano e peruano: parem o desmatamento agora”.

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