Um artigo científico publicado na revista PNAS na segunda-feira (29) traz novas informações sobre o mistério em torno da construção das pirâmides de Gizé, no Egito. Essas fortalezas imóveis e impenetráveis, cercadas por areia varrida pelo vento e por uma metrópole em expansão, foram erguidas há cerca de 4,5 mil anos para, segundo a tradição dos egípcios antigos, honrar os mortos e conduzi-los para além da vida terrena.

As pirâmides de Gizé foram erguidas há cerca de 4,5 mil anos para, segundo a tradição dos egípcios antigos, honrar os mortos e conduzi-los para além da vida terrena. Imagem: sculpies – Shutterstock

De que maneira essas construções foram possíveis sem a tecnologia moderna, e com uma precisão tão surpreendente, sempre foi uma grande questão para os estudiosos. Eles acreditam que os egípcios precisavam muito mais do que algumas rampas rudimentares para transportar os pesados blocos de pedra e colocá-los na disposição certa.

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A nova abordagem sugere que condições ambientais favoráveis permitiram a construção das pirâmides, com um antigo braço do rio Nilo servindo como conduíte navegável para o transporte de cargas. As enseadas tinham que ser suficientemente profundas para manter flutuando as barcaças carregadas de pedras.

“Para edificar as pirâmides, tumbas e templos do planalto, parece que antigos engenheiros egípcios aproveitaram o Nilo e suas inundações anuais, usando um engenhoso sistema de canais e bacias que formaram um complexo portuário ao pé do planalto de Gizé”, diz o artigo assinado pelo geógrafo Hadé Sheisha, da Universidade de Aix-Marseille, na França, e um grupo de nove pesquisadores coautores. “No entanto, há uma escassez de evidências ambientais sobre quando, onde e como essas paisagens antigas evoluíram”.

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Perfurações de núcleos feitas durante obras de engenharia urbana em torno da atual cidade de Gizé produziram evidências estratigráficas de camadas rochosas que são consistentes com um antigo ramo do Nilo que se estende em direção à base das pirâmides Khufu, Khafre e Menkaure.

Localização dos núcleos (pontos vermelhos) na planície alagada de Gizé. Imagem: Sheisha et al., PNAS, 2022

No momento em que elas estavam sendo construídas, o norte do Egito estava no auge de algumas mudanças climáticas extremas, com enchentes devastando repetidamente a Cidade Perdida das Pirâmides, Heit el-Ghurab, que abrigava trabalhadores sazonais.

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Para esse estudo, os pesquisadores recorreram a grãos de pólen fossilizados para pintar uma imagem mais detalhada do sistema fluvial de milênios atrás. Os grãos de pólen podem ser preservados em sedimentos antigos e têm sido usados para reconstruir climas passados e paisagens vegetais que parecem extremamente diferentes hoje em dia.

Extraindo grãos de pólen de cinco núcleos perfurados na atual planície alagada de Gizé a leste do complexo de pirâmides, a equipe identificou uma abundância de plantas de floração semelhantes à grama que revestem as margens do rio Nilo e plantas pantanosas que crescem em ambientes à beira de lagos. Segundo os pesquisadores, isso revela a presença de um corpo d’água permanente que cortou a planície alagada de Gizé e inchou, milhares de anos atrás.

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A partir daí, eles rastrearam o aumento e a queda dos níveis de água no ramo Khufu do rio Nilo ao longo de 8 mil anos de história egípcia, relacionando seus resultados a outros registros históricos.

“Nossa reconstrução do ramo Khufu melhora a compreensão das paisagens fluviais no momento da construção do Complexo da Pirâmide de Gizé”, disse Sheisha. “O ramo Khufu permaneceu em alto nível de água durante os reinados de Khufu, Khafre e Menkaure, facilitando o transporte de materiais de construção para o complexo da pirâmide de Gizé”.

Entre os anos de 1349 a 1338 antes da Era Comum (AEC)*, o ramo Khufu do Nilo gradualmente declinou até atingir os níveis mais baixos documentados nos 8 mil anos analisados. Essa queda se correlaciona com marcadores químicos nos dentes e ossos das múmias egípcias que sugerem um ambiente árido e também com outros registros históricos.

Como em todos os estudos arqueológicos, no entanto, as faixas cronológicas de datas – dos reinados dos faraós e da mudança ambiental – podem variar. No entanto, ao vincular dados ambientais e históricos, o estudo fornece evidências muito mais diretas do que quando arqueólogos procuravam fractais perdidos – padrões requintados e autorrepetitivos encontrados frequentemente na natureza – para deduzir que os antigos egípcios poderiam ter esculpido canais do rio ao construir as pirâmides de Dahshur, mais ao sul de Gizé.

Os autores desse estudo mais recente sugerem que abordagens semelhantes poderiam ser usadas para reconstruir antigas paisagens aquáticas que cercavam outros complexos de pirâmides egípcias quando esses edifícios monumentais foram construídos.

*Era Comum (EC) e Antes da Era Comum (AEC) são as nomenclaturas atualizadas para os termos Depois de Cristo (D.C.) e Antes de Cristo (A.C.)

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