Uma espécie de formiga se envolve em brigas brutais com outros membros de sua colônia no intuito de substituir rainhas falecidas. Quem vence a batalha não só ganha o trono, como também recebe um impulso de quase 500% em sua longevidade.

Formigas operárias desta espécie podem se tornar “pseudorrainhas” ganhando um duelo depois que a rainha da colônia morre. Imagem: Hua Yan/NYU

É chamada de formiga-rainha uma formiga adulta, fêmea e fértil que, geralmente, é a mãe de todas as outras formigas da colônia. Um estudo publicado nesta quinta-feira (1) na revista Science desvendou o segredo por trás da dilação do tempo de vida das formigas-saltadoras-de-jerdon (Harpegnathos saltator) operárias que vencem as lutas pelo lugar de matriarca do grupo. 

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Segundo a pesquisa, a chave está em uma proteína chamada Imp-L2, que neutraliza alguns dos efeitos da insulina no corpo da formiga rainha substituta. Geralmente, esse hormônio ajuda a direcionar o açúcar do sistema circulatório para as células, onde pode ser usado como combustível. 

As rainhas substitutas — oficialmente conhecidas como pseudorrainhas — precisam aumentar sua produção de insulina para enfrentar a imensa quantidade de comida que devem consumir ao assumir o posto. “Se você quer produzir ovos, precisa ter muita insulina, porque come constantemente”, disse em entrevista  ao site Live Science o coautor sênior do artigo, Claude Desplan, que é professor de biologia e ciência neural na Universidade de Nova York (NyU).

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Formigas operárias enfrentam umas às outras pelo posto de nova rainha da colônia. Imagem: Kalyanvarma – Creative Commons

Além de ajudar o transporte de açúcar para as células, a insulina desencadeia várias reações em cadeia molecular, algumas das quais contribuem para o processo de envelhecimento. 

Pode ser ativado pela insulina, especificamente, o “caminho de sinalização Akt”, — que está envolvido em muitas funções celulares, desde o metabolismo à sobrevivência celular — ligado ao envelhecimento e às doenças relacionadas à idade.

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Então, se uma pseudorrainha começa a bombear grandes quantidades de insulina, em teoria ela deve envelhecer mais rapidamente do que a formiga operária média, que exige tanto do hormônio. “No entanto, no caso dessas formigas, é exatamente o oposto”, disse Desplan. 

O tempo médio de vida de uma formiga operária típica é de quase oito meses, enquanto pseudorrainhas podem viver por cerca de três anos e três meses. “É uma enorme extensão do tempo de vida”, comentou o cientista.

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Segundo ele, se uma pseudorrainha for colocada em uma colônia diferente com uma governante já estabelecida, ela voltará a ser uma trabalhadora normal. Essas “ex”-pseudorrainhas são chamadas de “revertentes” e têm vida útil semelhante à das operárias. De alguma forma, apenas rainhas e pseudorrainhas, apesar de toda a insulina, conseguem sobreviver por anos a fio.

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Formigas rainhas têm um feromônio exclusivo

Para compreender esse aparente paradoxo, Desplan uniu esforços com Danny Reinberg, professor de bioquímica e farmacologia molecular na escola de medicina da NyU, e outros pesquisadores da instituição.

A equipe colheu amostras de tecidos de formigas-saltadoras operárias, revertentes e pseudorrainhas, focando em tecidos envolvidos no metabolismo e na reprodução: o cérebro, ovários e o corpo gordo, um órgão adiposo semelhante ao fígado humano. Utilizando uma técnica chamada sequenciamento de RNA a granel, a equipe analisou quais proteínas estavam sendo construídas nos tecidos amostrados. 

Eles descobriram que, em comparação com operárias e revertentes, pseudorainhas produziam muito mais insulina no cérebro, além de mais gordura e vitelogenina — um precursor da gema de ovo — no corpo gordo. 

Alguns desses recursos do corpo gordo são transportados para os ovários, para apoiar a produção de ovos, e parte da gordura então passa a produzir um feromônio único que só rainhas e pseudorrainhas exalam. É o desaparecimento desse feromônio em um ninho que leva formigas operárias ao duelo depois que uma rainha morre.

À medida que as pseudorrainhas produzem mais insulina, seus ovários crescem e se desenvolvem para que possam carregar ovos. A insulina direciona esse processo de maturação do ovário através da “via de sinalização MAPK”, outra cadeia de reações químicas que podem ser disparadas pela insulina. 

Ao mesmo tempo, os ovários produzem Imp-L2, que essencialmente bloqueia o caminho de sinalização Akt que poderia causar o envelhecimento rápido. A equipe descobriu que o Imp-L2 secretado dos ovários também se aproxima do corpo gordo e fornece um escudo antienvelhecimento para esse órgão.

“O próximo passo da nossa equipe será entender como o Imp-L2 bloqueia apenas o caminho relacionado ao envelhecimento e não o relacionado à reprodução”, disse Desplan, informando que eles planejam estudar os efeitos da proteína de bloqueio de insulina em insetos adicionais, incluindo moscas frutíferas, e, eventualmente, em mamíferos.

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