Uma equipe internacional de cientistas recorreu à tecnologia para realizar “autópsias virtuais 3D” em três múmias sul-americanas e encontrou evidências de trauma fatal em duas delas, indicando que teriam sido brutalmente assassinadas.
Os resultados das análises foram descritos em um artigo publicado na revista científica Frontiers in Medicine, que faz parte de esforços contínuos para determinar a frequência da violência nas sociedades humanas pré-históricas.
De acordo com a publicação, uma das múmias masculinas foi atingida na cabeça e esfaqueada, possivelmente por dois agressores, enquanto a outra apresentava sinais de trauma severo na coluna cervical. A terceira múmia, feminina, também apresenta lesões, mas que teriam sido provocadas após a morte.
Segundo os autores, uma grande quantidade de múmias e esqueletos egípcios antigos aparenta ter sofrido lesão traumática, mas são raros os dados para múmias sul-americanas, muitas das quais se formaram naturalmente e são incrivelmente bem preservadas.
Evidências de trauma fatal foram relatadas anteriormente em alguns casos, como um crânio pré-colombiano da região de Nasca, com um ferimento rotacional na coluna cervical e sangramento de tecido mole no crânio. Uma múmia feminina quase completa mostrou sinais de fraturas ósseas faciais consistentes com fortes golpes de arma, assim como o crânio de um bebê masculino mumificado.
Uma extensa pesquisa de 1993 utilizou raios-X convencionais para analisar 63 múmias e fragmentos, dos quais 11 mostraram sinais de trauma no crânio. Essas múmias, no entanto, eram de diferentes locais, populações e períodos de tempo, dificultando conclusões gerais dos achados.
No ano passado, pesquisadores procuraram sinais de violência nos restos mortais de 194 adultos enterrados entre 2.800 e 1.400 anos atrás no Deserto do Atacama, no norte do Chile, dos quais 40 pareciam ter sido vítimas de violência.
Os autores desse novo estudo têm especialização em antropologia, medicina forense e patologia e contaram com a tomografia computadorizada 3D para reconstruir as três múmias sob investigação.
“A disponibilidade de tomografias modernas com a oportunidade de reconstruções 3D oferece uma visão única de corpos que de outra forma não teriam sido observados”, disse o coautor Andreas Nerlich, patologista da Clínica Bogenhausen, em Munique, na Alemanha. “Estudos anteriores teriam destruído a múmia, enquanto raios-X ou tomografias computadorizadas mais antigas sem funções de reconstrução tridimensional não poderiam ter detectado as características da chave de diagnóstico que encontramos”.
Tuberculoso foi atacado por dois agressores
Dos três espécimes analisados por Nerlich e sua equipe, um é conhecido como a “Múmia de Marburg”, um homem mumificado que se encontra alojado no Museu Anatomicum da Universidade Phillips, em Marburg, Alemanha, que teria morrido com idade entre 20 e 25 anos.
Ele media cerca de 1,72 m de altura e foi enterrado em uma posição agachada. Dada a natureza dos bens enterrados junto, ele provavelmente pertencia a uma comunidade de pescadores da cultura Arica no que é hoje o norte do Chile.
Foram notadas cicatrizes prévias dos pulmões, indicando que o homem sofria de tuberculose, e ele tinha dentes bem preservados, embora tortos. Datação por radiocarbono indica que ele morreu entre os anos de 996 e 1147, de forma violenta. “O homem de Marburg claramente foi vítima de um homicídio”, dizem os autores.
Eles citam evidências circunstanciais de que o homem foi esfaqueado nas costas. Há indícios de uma ferida profunda que provavelmente atingiu a aorta, levando a uma perda quase imediata de consciência.
Também existem evidências de traumatismo craniano reiterado, embora esta provavelmente não fosse a causa principal da morte. Os autores sugerem que isso pode indicar a presença de dois agressores: um na frente da vítima, que a golpeou com um bastão ou taco, e um segundo que a teria esfaqueado por trás. As análises também apontam que a vítima poderia estar de pé ou de joelhos durante o ataque.
Trauma rotacional na coluna levou homem à morte
As outras duas múmias (um homem e uma mulher) analisadas estão abrigadas no Museu de Arte e História de Delemont, na Suíça. Ambos teriam sido enterrados de bruços e possivelmente vieram da região de Arequipa, atual sudoeste do Peru.
Tal suposição é baseada em bens funerários associados às múmias, mas como não há documentação de sua procedência, não é possível afirmar com certeza se esses itens realmente pertenciam aos falecidos.
De acordo com a datação por carbono, a múmia masculina morreu entre 902 e 994 e sofria de arteriosclerose calcificante. Os autores concluíram que o homem tinha entre 40 e 60 anos na época de sua morte e media cerca de 1,7 metros.
Seu crânio apresenta evidências de múltiplas fraturas consistentes com golpes na cabeça, incluindo a presença de fragmentos ósseos na cavidade craniana e um pouco de tecido cerebral dessecado. Segundo os autores, a causa mais provável de sua morte é o trauma rotacional maciço que ele sofreu na coluna cervical, deslocando significativamente duas vértebras.
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Lesões na múmia feminina foram provocadas anos depois de sua morte
Quanto à múmia feminina, a datação por radiocarbono aponta que ela morreu entre 1224 e 1282, com idade entre 20 e 30 anos. As análises apontam que uma vara de madeira foi inserida em seu canal espinhal muito depois da morte, provavelmente para estabilizar o esqueleto antes de transportá-lo para a Europa.
Há danos significativos na coluna vertebral, múltiplas fraturas (mandíbula, clavícula direita, escápula esquerda, múltiplas costelas) e cotovelo direito deslocado, entre outros traumas, todos produzidos posteriormente, motivo pelo qual não foi possível determinar a causa exata de sua morte.
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