Ninguém tem tido coragem de falar abertamente sobre a destruição de empregos tradicionais que a transformação digital vem gerando. Mas sim: as alterações profundas na forma como o trabalho vem sendo realizado nas empresas digitais incineraram as ocupações clássicas das últimas décadas pré-pandemia.

A transformação digital, como o próprio nome já diz, demanda uma nova concepção dos macroprocessos, das funções e do trabalho. O autor Joseph Teperman chegou a propor o conceito de anticarreira: o fim do emprego e do desemprego. Ele sugere que vivemos uma realidade de não vínculo e de empreendedorismo, o que exige dos profissionais agilidade de aprendizagem, versatilidade e muito mais autonomia.

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Na prática, o que vemos nas empresas é a eliminação de inteiros departamentos. Recentemente, em uma instituição financeira para a qual trabalhamos, assistimos à dissolução quase instantânea de um setor inteiro. De uma hora para outra, cerca de 120 funcionários se viram sem ocupação. O que eles fizeram durante décadas passou a ser tarefa de uma startup com seis jovens e um monte de aparelhos de telefone celular. A área desapareceu por completo no espaço, como uma bolha de sabão.

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Ao longo da evolução da teoria geral da administração e da história de gestão, é natural que muitas novas pessoas cheguem às empresas e outras deixem essas mesmas empresas. Mas a digitalização dos negócios acelerou brutalmente esse processo.

De modo geral, chegadas costumam ser festejadas e partidas são dolorosas. Mas é preciso encarar as partidas. Pessoas se demitem porque consideram ter encontrado ocupação melhor, para realizar seus projetos pessoais ou mesmo, em alguns casos, a própria empresa avalia e decide que a saída de alguém é a melhor decisão para ambas as partes.

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A metáfora que me vem à mente quando testemunho algo assim é a dos trilhos e

dormentes. Conhecem? É uma citação que sugere que nós mesmos e a empresa na qual trabalhamos nos vejamos como trilhos de uma estrada de ferro, que, em geral, correm paralelos. Um trilho representa a pessoa, e o outro, a empresa.

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O que prende o trilho empresa ao trilho pessoa são múltiplos dormentes. Há o dormente “estilo de vida”, o dormente “pacote anual de remuneração”, “perspectivas de crescimento e futuro”, o dormente “clima organizacional” e vários outros de menor importância. Imagine os dois trilhos bem alinhados e os dormentes segurando um ao outro firmemente ao longo dos anos. Tudo azul caminho afora…

Mas a realidade não é bem assim, e a transformação digital tem descarrilhado muitos trens que havia anos deslizavam tranquilos.

Às vezes, o trilho pessoa muda com o tempo. Cresce, amadurece, se conhece melhor e vai desviando de direção. Imaginando que o trilho empresa siga no sentido original, os dormentes começam a ficar tensionados e, a depender da magnitude da mudança, ou, em outras palavras, do desvio, começam a se romper. Não seguram mais essa “nova pessoa” à mesma empresa.

A transformação digital tem provocado o efeito contrário: muitas pessoas seguem iguais e as empresas é que têm mudado profundamente, crescido, se tornado mais sofisticadas ou mudado seu modelo de gestão. Pronto! De novo trilhos tensionados, rupturas e separação.

O momento que vivemos vem sendo marcado por mudanças nas duas componentes, com trilhos deixando de correr paralelos e até se abrindo em direções opostas. Não há dormente que suporte. Ruptura à vista!

Claro, o ideal seria que, se a empresa mudasse, as pessoas que nela trabalham mudassem na mesma direção e intensidade. Voltando à figura dos trilhos e dormentes, teríamos nesse caso apenas uma doce curva, com os mesmos dormentes originais segurando firmemente um trilho ao outro.

Bem, para que essa conversa ferroviária toda? Simplesmente para explicar que

desligamentos fazem parte das nossas vidas e histórias profissionais. Devem ser encarados com coragem e concretude.

Seja essa ruptura como for, é possível gerenciá-la com dignidade, generosidade e sempre com lealdade. Para tanto, é essencial olhar para esses fatos como parte natural das trajetórias profissionais de cada um de nós. Tão viva e concretamente quanto dormentes e trilhos fazem parte de qualquer estrada de ferro.

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