O hacker Daniel “Ghost”, conhecido principalmente pela invasão aos sistemas do clube alemão Bayern de Munique, revelou a descoberta de uma rede de perfis com conteúdos voltados para pedofilia no Instagram. O brasileiro ex-Anonymous afirmou que foi responsável por derrubar pelo menos duas contas que continham fotos de crianças e adolescentes seminuas sendo sexualizadas.

Em entrevista exclusiva ao Olhar Digital, Ghost revelou que recebeu uma série de denúncias de contas que, além de fotos e vídeos dos menores de idade, divulgavam links na biografia dos perfis e em comentários de publicações que direcionavam para sites com mais fotos de crianças e adolescentes sendo sexualizados.

publicidade

Leia mais:

Investigando cada vez mais os conteúdos dessas páginas, o hacker descobriu uma rede de conteúdos ilegais, com algumas contas inclusive com links para sites de pornografia infantil.

publicidade

Quem é “Ghost”?

O hacker que se autonomeia “Ghost” revelou que durante sua adolescência já foi integrante de algumas células famosas de hackers, incluindo o Anonymous, conhecido globalmente.

Atualmente, Ghost atua de forma independente e resume seu trabalho em “invadir empresas do mundo inteiro”. De acordo com ele, as próprias companhias o procuram para que ele busque brechas de segurança e vulnerabilidades em seus sistemas e sites para que elas possam corrigi-las e torná-las mais seguras.

publicidade

O hacker ficou conhecido mundialmente por ter descoberto um problema de segurança no site oficial do Bayern de Munique. Após divulgar o ocorrido, o clube alemão chegou a recompensar Ghost por sua descoberta.

As contas derrubadas pelo hacker

Com o reconhecimento de seus trabalhos de invasão, muitos usuários procuram o hacker por meio de sua conta no Instagram (@realghosthacker) para denunciar conteúdos indevidos que, muitas vezes, não são removidos mesmo com diversas denúncias aos responsáveis pelas plataformas de redes sociais.

publicidade

Como relatado por Ghost, recentemente sua conta começou a receber muitas mensagens denunciando contas que estavam compartilhando fotos e vídeos de crianças seminuas ou sendo sexualizadas. 

Inicialmente, ele conta que começou o combate à rede de pedofilia por duas contas no Instagram. A “Tropikamaju” tinha quase 100 mil seguidores e a “serenaspam” tinha cerca de 10 mil seguidores. Ghost afirma ter sido responsável por derrubar as duas contas por meio de uma prática que optou não divulgar.

Captura de tela da conta antes de ser derrubada. (Imagem: Reprodução/ Ghost)

“O perfil recebeu denúncias por vários dias e continuava com as postagens de conteúdo. O Instagram simplesmente não derrubava o perfil, até que minhas redes sociais foram inundadas por pessoas pedindo ajuda. Eram dois perfis que postavam este tipo de conteúdo, um com quase 100 mil seguidores e outro com cerca de 10 mil. As postagens eram fotos e vídeos de meninas seminuas ou só de calcinha. Inclusive com conteúdos de meninas brasileiras”, relatou Ghost para a reportagem.

Em uma publicação do Instagram sobre a remoção do perfil “tropikamaju”, diversos internautas parabenizaram o hacker por sua atuação. “Só você mesmo para resolver esses problemas”, disse um usuário. “Nem todo herói usa capa. Esse usa um teclado e mouse!”, comentou outro.

O que diz a Meta sobre esses perfis

Procurada pelo Olhar Digital para comentar sobre os banimentos, o Instagram/Meta não se pronunciou diretamente sobre as contas mencionadas, mas afirmou que suas equipes trabalham proativamente para combater conteúdos de abuso ou exploração infantil na rede social.

“Nós não toleramos conteúdo que traga exploração sexual de crianças em quaisquer aplicativos da Meta e atuamos fortemente na prevenção, detecção e remoção deste tipo de conteúdo. Trabalhamos de forma proativa, 24 horas por dia, para encontrar e remover esse tipo de conteúdo da plataforma. No terceiro trimestre de 2022, o Instagram tomou medidas contra cerca de 1.3MM de conteúdos sobre exploração infantil e também encorajamos as pessoas a denunciar qualquer conteúdo que explore ou ponha as crianças em risco”, disse um porta-voz da Meta.

De acordo com a Meta, as medidas proativas que a empresa afirma utilizar são o uso de tecnologia por correspondência de fotos, capaz de remover materiais já conhecidos como exploração infantil e uma “nova tecnologia” que detecta nudez infantil e conteúdos de exploração infantil.

Muitos perfis continuam ativos

Durante os dias de produção desta publicação, Ghost enviou para essa reportagem a identificação de diversas outras contas que encontrou ao analisar interações desses perfis: quem eles seguiam, seguidores e comentários. Além disso, o hacker recebe continuamente diversas denúncias de contas semelhantes por meio de seus seguidores.

“Antigamente, sites com esse tipo de conteúdo eram encontrados somente na Dark Web. Mas hoje em dia, são encontrados na Internet comum, também conhecida como ‘surface’. O Telegram, por exemplo, é usado para compartilhar esses tipos de conteúdos também. Todos os dias recebo denúncias nas minhas redes sociais sobre isso”.

Nessa variedade de contas com conteúdos de menores de idade sendo sexualizados, o hacker percebeu alguns aspectos semelhantes, sendo que muitos perfis seguiam uns aos outros e utilizam algumas palavras-chave para serem encontrados como “teen”, “baby”, “spam”, “young”, “cuties” e mais. Além disso, muitas contas contém links que levam a sites com mais fotos de crianças e adolescentes seminuas.

Em uma das contas observadas nessa suposta “rede de perfis pedófilos” que o hacker passou a se referir, além dos comentários repugnantes de usuários, eram postados links para sites de pornografia infantil explicita.

Link direcionando para site com pornografia infantil. (Imagem: Reprodução/ Ghost)

O Olhar Digital também procurou a Polícia Civil para saber as formas de como denunciar uma publicação/perfil ou a divulgação de conteúdos de pedofilia na internet e redes sociais.

Victor Muniz, escrivão da 4ª Delegacia de Polícia de Repressão à Pedofilia, explicou que as denúncias de conteúdos de abuso e exploração e pornografia infantil geralmente são realizadas pela própria empresa controladora da plataforma, que encaminha a denúncia para as autoridades policiais.

Os usuários que presenciarem conteúdos inadequados de menores de idade também podem (e devem) denunciar através do Disque 100, canal da Secretária de Direitos Humanos que funciona 24 horas por dia e encaminha os registros para órgãos de defesa da criança e do adolescente do município responsável por aquela demanda. O aplicativo Direitos Humanos BR, disponível no Google Play Store e App Store, também permite a denúncia anônima de casos de violência sexual e abuso infantil.

Victor também cita o Disque Denúncia 181, que conta com atendimento por telefone e canais digitais nas secretarias de segurança de todos os estados brasileiros.

Também é possível denunciar através do 197 da Polícia Civil.

Orientações para os pais sobre navegação dos menores na internet

Os conteúdos divulgados nas contas de Instagram incluem, especialmente, fotos e vídeos que os próprios menores de idade publicaram. Com isso as páginas de pedófilos se aproveitam para reproduzir aqueles conteúdos. Nas análises de Ghost muitas contas continham conteúdos iguais, vídeos e fotos das mesmas crianças e adolescentes.

Muniz destaca que o monitoramento dos pais sobre as redes sociais de seus filhos é importante para evitar a reprodução dessas fotos e vídeos, afinal também há muitos casos de sextorsion, ou extorsão sexual, em que o criminoso faz diversas ameaças a criança para que ela envie o que ele deseja.

“Existem situações em que as crianças não mandam fotos e vídeos espontaneamente, mas os criminosos passam a ameaçá-las dizendo que vão fazer algum mal a ela [criança] ou a sua família, porque ele já tem o acesso às redes sociais e procura pelos pais daquela criança. Também há casos que a menina ou menino manda um vídeo ou foto, e o criminoso percebe que ela não está mais enviando e começa a forçar ameaças dizendo ‘eu vou matar seu pai, ou sua mãe’, e com isso a criança fica cada vez mais constrangida e é coagida a enviar cada vez mais conteúdos”.

Sobre as divulgações, reprodução ou venda de conteúdos de fotos ou vídeos envolvendo pornografia infantil, Muniz explica que essas práticas infringem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

Os envolvidos com essas práticas em território nacional são passíveis de punições da Lei 8.069 – responsável por estabelecer o ECA. Segundo o artigo 241, “são considerados crimes a venda ou promoção de venda de registros contendo cena de sexo explicito ou pornográfico envolvendo menores de idade com pena de quatro a oito anos de prisão e multa”.

Nos conteúdos encontrados pelo hacker, além de sexualizar as crianças elas eram colocadas em situações que remetiam a práticas sexuais com comentários que insinuavam a intenção de práticas sexuais. Elas também são cabíveis de punições pelos artigos 241-C e 241-D, respectivamente, ambas com pena de reclusão de um a três anos com aplicação de multa.

Sobre a captação desses materiais, Muniz relata que muitas vezes esses conteúdos ilegais nas redes sociais surgem por criminosos que se passam por crianças persuadindo menores a enviarem fotos ou vídeos.

“Existe um mercado muito forte sobre isso. Essas pessoas fazem a captação desses conteúdos, fazem por interesse próprio, para se satisfazer, ou eles utilizam para vendas. Com isso eles criam os chamados ‘packs’ que são vendidos em grupos de Telegram, WhatsApp, etc. Esses packs contém diversas fotos e vídeos de pornografia infantil”.

O que poderia ser melhorado para evitar contas desse tipo?

Apesar dos esforços da Meta em eliminar esses tipos de contas, denúncias de usuários e ativistas da proteção aos direitos da criança e adolescente, muitas contas com esses tipos de conteúdos – ou que redirecionam para sites com vídeos e fotos ainda mais graves – continuam ativas no Instagram.

Ghost observa que as tecnologias utilizadas pela Meta podem não ser tão precisas na identificação desses conteúdos. O hacker informa que, ao fazer a denúncia de uma página ou conteúdo, há diversas opções até encontrar aquela que se encaixa com pornografia infantil e, para ele, a plataforma poderia deixar essa opção mais evidente, “para quando alguém for denunciar, está ali com mais facilidade e praticidade”.

Além disso, ele observa que atualmente o Instagram não permite que alguns links específicos sejam publicados em comentários, e para ele “os links de sites de pedofilia deveriam ter o mesmo procedimento adotado”.

Outra recomendação de Ghost é sobre a análise dos perfis que utilizam determinadas palavras-chave. “Palavras como ‘Teen’, ‘t33n’, ‘cute’, ‘models’, ‘baby’, ‘spam’, ‘cuties’, ‘pretty’, ‘girls’, ‘lets’. Baseado nisso, a equipe da Meta poderia de alguma forma passar um ‘pente fino’ em contas que usam essas palavras”, finaliza o hacker.

Já assistiu aos novos vídeos no YouTube do Olhar Digital? Inscreva-se no canal!