Na quinta-feira (13), o Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), promoveu uma coletiva de imprensa para apresentar o meteorito Santa Filomena, primeira peça a ser incorporada à coleção de detritos celestes da instituição após o incêndio ocorrido em 2018

Pesando cerca de 2,8 kg, o fragmento de rocha espacial foi adquirido pela Associação Amigos do Museu Nacional (SAMN) após uma chuva de meteoritos ocorrida em 2020 sobre a cidade de Santa Filomena, no estado de Pernambuco. 

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O exemplar passou por um extenso estudo de mineralogia, química e petrografia para compreender os processos de formação e eventos que se deram antes de chegar à Terra. Um artigo publicado na revista científica Meteoritics & Planetary Science descreve toda a pesquisa, que teve como um dos autores o astrônomo amador Marcelo Zurita, colunista do Olhar Digital.

Meteorito Santa Filomena, primeiro detrito espacial recebido pelo Museu Nacional após o incêndio de 2018. Crédito: Diogo Vasconcellos

Zurita, que é presidente da Associação Paraibana de Astronomia (APA), membro da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) e diretor técnico da Rede Brasileira de Observação de Meteoros (BRAMON), diz que esse foi um dos episódios mais marcantes da meteorítica do qual já participou.

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“Primeiramente, porque os meteoritos literalmente choveram na cidade. E enquanto pesquisadores e caçadores viajavam para lá, nós pudemos resgatar imagens das câmeras do Clima ao Vivo para traçar a trajetória precisa do meteoro, que foi visível mesmo durante o dia”, explica. “A partir dessa trajetória, foi determinada a área de busca pelos fragmentos em campo. E foram encontrados tantos fragmentos que a cidade virou destino de uma verdadeira peregrinação, com centenas de moradores locais e visitantes de outros estados e países, procurando pelos meteoritos e tentando comercializar aquilo que encontravam”.

De acordo com a professora Elizabeth Zucolotto, pesquisadora do Museu Nacional/UFRJ, dentre diversos fragmentos caídos na cidade, um em especial foi o escolhido para compor a coleção da instituição por apresentar características únicas, como a presença de uma crosta de fusão fresca e de regmaglitos (depressões na superfície que parecem marcas de dedo), menos comuns de serem vistos em exemplares do tipo rochoso. 

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Ainda segundo a professora, outro ponto que destaca a peça são as linhas de fluxo descendo pelas laterais, formadas em meteoritos que mantêm uma orientação bastante estável à medida que passam pela atmosfera.

Autora principal do estudo sobre o meteorito Santa Filomena, Amanda Tosi, doutora em Ciências pelo Instituto de Geociências da UFRJ, diz que ele pode ser descrito como um “fóssil” do Sistema Solar

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Amanda Tosi, Elizabeth Zucolotto e Diana Andrade, pesquisadoras UFRJ que analisaram o meteorito Santa Filomena. Crédito: Diogo Vasconcellos

Isso porque a peça trata-se de um fragmento de um asteroide com propriedades muito primitivas, ou seja, ele se formou bem no início da criação do Sistema Solar, tendo uma idade aproximada de 4,56 bilhões de anos. 

“Podemos destacar que, desde então, não ocorreram mudanças físicas e químicas significativas em seus minerais, estando quase da mesma forma de sua formação há bilhões de anos”, explica a pesquisadora. “Um dos focos do trabalho publicado é sobre como alguns minerais ajudam a estimar o máximo de temperatura a que a rocha foi submetida, assim como a taxa de resfriamento do corpo asteroidal que deu origem ao meteorito”.

Dessa maneira, conclui Amanda, “eles são vestígios de como era nosso Sistema Solar primordial e nos dão pistas de como os corpos planetários, asteroides e cometas se formaram”.

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Além de Zurita e outros colaboradores, a equipe responsável pelo estudo liderado por Amanda é composta pelas pesquisadoras Elizabeth Zucolotto, Diana Andrade e Sara Nunes, que formam o grupo “Meteoríticas”, que, além do trabalho de pesquisa e divulgação científica, vai para o campo em busca dos meteoritos. 

Elas relembraram na coletiva de imprensa que, quando um dos fragmentos do meteorito Santa Filomena acertou o telhado de uma casa, rapidamente a informação se espalhou pelas redes sociais, e, no mesmo dia, o grupo embarcou para Pernambuco.

Dois dias após a chegada das pesquisadoras, a cidade foi invadida por caçadores de meteoritos do Brasil e de outros países. O caso chamou a atenção da imprensa e de políticos, que logo começaram a indagar a quem pertenceriam os meteoritos encontrados. 

Afinal, detritos espaciais podem ser vendidos? Não seriam propriedade do governo? Deveriam ser de quem os encontrasse ou pertencem aos donos dos terrenos onde caem? 

Perguntas como essas foram cruciais para começar um debate sobre o direito de propriedade do material, despertando o interesse para a criação de uma lei que regulamente a posse de meteoritos no Brasil.

Regulamentação de propriedade de meteoritos

A partir daí, tramita no Congresso Nacional uma discussão sobre a regulamentação da propriedade de meteoritos que caem em solo brasileiro. 

De um lado, estão pesquisadores que se opõem à venda e posse de meteoritos e, do outro, os que apoiam a regulamentação, que pode garantir mais meteoritos brasileiros para a pesquisa, uma vez que a lei prevê uma porcentagem da rocha para a ciência, liberando o restante para o comércio.

“A venda da propriedade dos meteoritos regulamentada por lei impossibilita que eles saiam do país ilegalmente e indica que haverá uma fiscalização suficiente para proibir o contrabando”, explica Elizabeth Zucolotto. “Um exemplo que temos próximo de uma lei que proíbe a venda está na Argentina e, desde então, ‘praticamente não existe’ mais meteorito argentino, pois a maioria é tirada clandestinamente do país e vendida como se tivesse caído em outro lugar”.

Colunista Marcelo Zurita
Marcelo Zurita, colunista do Olhar Digital, é um dos colaboradores do estudo. Crédito: Arquivo pessoal

Para Zurita, o que se vê agora, com a publicação do estudo, é justamente como esse tipo de evento é realmente um presente dos céus para a comunidade e, principalmente, para a ciência. “O tanto de pesquisa científica que é possível fazer com as amostras dessas rochas espaciais, e envolvendo tantas instituições, mostra como o Estado precisa olhar com mais atenção para esta área. Com um pouco mais de investimento nas redes de monitoramento de meteoros e nas instituições de pesquisa, poderíamos ter mais casos como esse estudados e muito mais produção científica em cima de cada meteorito que o cosmos resolva nos enviar”.

Importância da peça para o Museu Nacional

“Para o Museu Nacional/UFRJ, apresentar uma peça como essa é muito importante para a pesquisa, para a história e para o acervo”, diz um comunicado emitido pela instituição, que conta com uma coleção de minerais de extrema relevância para a ciência, como o maior meteorito encontrado em solo brasileiro, o Bendegó, adquirido antes do fatídico incêndio de cinco anos atrás. 

“Esse trabalho publicado em uma das principais revistas da área mostra, mais uma vez, que os profissionais do Museu Nacional/UFRJ continuam gerando pesquisa de qualidade e realizando parcerias, demonstrando que a instituição está mais viva do que nunca”, comemora o diretor do local, Alexander Kellner. 

Segundo ele, a previsão é de abrir grande parte do Paço de São Cristóvão nos primeiros meses de 2026, exibindo peças de destaque, entre elas, o meteorito Santa Filomena.

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