Professores e pais de alunos da rede estadual de São Paulo afirmam que o aplicativo “Minha Escola“, da Secretaria de Educação do Estado, foi instalado de forma automática, remota e sem autorização entre terça-feira (8) e quarta-feira (9).

Conforme a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a instalação automática que atingiu professores, pais e alunos vai contra a regulamentação, que entrou em vigor em setembro de 2020.

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Relatos

Ao g1, o professor André Sapanos, funcionário de escola estadual da Grande São Paulo, tenta entender como seus dados foram acessados para instalação do app, sem contar que ele nem é voltado para docentes. Sapanos ressaltou ainda que o chip de celular que ele e outros professores usam não pertence ao governo.

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Não se trata de questionar as funcionalidades do aplicativo, ou se ele é bom ou ruim para estudantes e seus responsáveis, mas de evidenciar o quanto nossos dados estão vulneráveis. A Seduc [Secretaria de Educação de SP] precisa se posicionar e esclarecer os professores, estudantes e seus responsáveis sobre como o aplicativo foi desenvolvido. Quem autorizou a instalação nos aparelhos pessoais de professores, estudantes e responsáveis? Ele [app] apareceu do nada. Se não foi desenvolvido pela Seduc, como dados pessoais de estudantes, pais e professores de toda a rede estadual foram parar nas mãos de quem desenvolveu o aplicativo?

André Sapanos, professor, em entrevista ao g1

O professor também colocou em xeque o uso da LGPD nesses casos. “Me questiono se a LGPD é aplicada na Seduc. Se a secretaria não for a responsável pelo desenvolvimento do app, qual medida será tomada para preservar dados de seus servidores, pais e estudantes?”, questionou.

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Relatos das instalações indevidas inundaram as redes sociais (Imagem: Reprodução)

Outros vários relatos apareceram nas redes sociais:

Misericórdia. Instalaram no celular da minha filha também. Ela é aluna de uma escola estadual.

Desabafo de uma mãe no Facebook

Que história é essa de instalarem um aplicativo no meu celular particular, sem minha autorização, Secretaria Estadual de Educação de SP? APP Minha Escola SP amanheceu instalado nos celulares de quase todos os professores da minha escola, à nossa revelia.

Relato de uma internauta no Twitter

E hoje todos os professores do Estado de SP acordaram e perceberam que a Secretaria de Educação instalou, sem nossa autorização, um app chamado ‘Minha Escola’ nos nossos celulares particulares. Nada avisado nem explicado.

Professora, em seu perfil no Twitter

Outro perfil afirmou que “nem trabalho no estado e o aplicativo está no meu celular”.

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Quais são as possíveis punições para descumprimentos da LGPD?

A LGPD tem por objetivo a regulamentação do tratamento de dados pessoais de clientes e usuários por parte de empresas públicas e privadas.

Se houver descumprimento da lei, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) pode abrir processo administrativo e aplicar uma das seguintes punições:

  • Advertência;
  • Publicidade da infração (alertar a sociedade que a empresa infringiu a lei);
  • Multa simples, de até 2% do faturamento da empresa, podendo chegar a R$ 50 milhões por infração;
  • Multa diária;
  • Bloqueio dos dados pessoais referentes à infração;
  • Eliminação desses dados pessoais;
  • Suspensão de, no máximo, seis meses do direito de tratamento dos dados pessoais relacionados à infração. Contudo, ela pode ser estendida por mais seis meses;
  • Proibição parcial ou total de atividades que se relacionem com tratamento de dados.

LGPD
Instalação indevida do app fere a LGPD (Imagem: Vector Image Plus/Shutterstock)

LGPD vale para todos

O advogado especialista em crime cibernético, José Milagre, uma das possibilidades é a de o Google ter recebido do Estado uma base de dados, possuindo IMEI dos smartphones, número de telefone ou e-mais vinculados à Seduc.

Milagre afirma ainda que a instalação do aplicativo pode ter sido realizada via chip corporativo, conta Google do Estado, ou por atualização do SO do smartphone. “A princípio, é violação da LGPD, pois não houve nenhum consentimento, nem base legal para a instalação do app”, explicou.

Já Ronaldo Lemos, advogado e presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB-SP, a instalação de aplicativos em massa “é muito preocupante. Há forte indício de que os dados dessas pessoas tenham sido utilizados de forma indevida”.

A LGPD vale para todos, para estudantes, para professores. Se você tem seu celular e algo acontece, como um aplicativo sendo instalado sem seu consentimento, tem que ter a fundamentação legal. O que permitiu isso? Algum contrato que o professor assinou com sua escola? Se não existir, fica mais difícil, porque esse tipo de instalação precisa do consentimento. Se não for feito com base no consentimento, qual foi outro fundamento legal que permitiu essa instalação massiva?

Ronaldo Lemos, advogado e presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB-SP, em entrevista ao g1

Além disso, Lemos frisou que “dezenas de milhares de pessoas tiveram o aplicativo instalado” em seus celulares e alegou que o correto seria a Secretaria (ou o responsável pela instalação) “notificar, da forma mais abrangente possível, para que as pessoas não fossem pegas de surpresa”.

Ainda, deve-se ter o fundamento jurídico muito claro para a permissão do download de tal app. “Faltou seguir os passos que a legislação estabelece. Foi feito de supetão, sem aviso, sem seguir análise de impacto de privacidade”, concluiu.

O que afirma o sindicato

O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) soltou nota, na qual informa que foi procurado por professores informando a situação.

A APEOESP foi procurada por grande número de professoras e professores informando o surgimento em seus celulares do aplicativo ‘Minha Escola SP’, sem que tenham autorizado, como exige a Lei Geral de Proteção de Dados. Imediatamente, o sindicato entrou em contato com a Seduc, que informou que a empresa contratada instalou indevidamente o aplicativo por meio do chip corporativo enviado pelo governo aos servidores e que a pasta orientava a desinstalar.

APEOESP, em nota

O que dizem as envolvidas

Em nota enviada ao g1, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo informou que “instaurou processo administrativo para apurar todas as circunstâncias relativas à instalação involuntária do aplicativo ‘Minha Escola'”.

A falha ocorreu durante teste promovido pela área técnica da Pasta em dispositivos específicos da Seduc. Assim que identificou o equívoco que levou à instalação do app em dispositivos conectados às contas Google institucionais, a reversão foi acionada com o envio de solicitações para exclusão do aplicativo. O usuário também pode excluir o app por conta própria, se preferir. A Seduc lamenta o ocorrido e reforça que as medidas cabíveis estão sendo adotadas.

Seduc, em nota ao g1

Por sua vez, também em nota, o Google afirmou que a plataforma Google for Education é “utilizada por diversas instituições de ensino no Brasil e no mundo”.

Os gestores das instituições de ensino são os responsáveis pela administração, configuração, gestão e controle dos dados dos usuários e aparelhos cadastrados, de modo que o Google não exerce qualquer ingerência nos comandos escolhidos e implementados pelas instituições de ensino. Não participamos do desenvolvimento ou da instalação do aplicativo citado pela reportagem.

Google, em nota ao g1

App foi lançado em 2018, durante a gestão do governador Márcio França (Imagem: Divulgação)

O que é o “Minha Escola”?

O app “Minha Escola” foi lançado em agosto de 2018, durante a gestão do governador Márcio França. Conforme a Secretaria de Educação, ele permite que alunos e responsáveis acompanhem o desempenho escolar.

Nele, é possível visualizar o boletim com notas e faltas, horário de aulas e versão digital da carteirinha de estudante com foto, nome, série e escola do aluno.

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