Civilizações antigas frequentemente documentavam a vida selvagem, mas decifrar as informações desses registros é algo desafiador. Um artigo publicado recentemente na Environmental Archaeology, com base em um antigo papiro, oferece uma visão surpreendente sobre as cobras venenosas do Egito.

O que você vai ler aqui:

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  • “Papiro do Brooklin”, documento de cerca de três mil anos, traz registros sobre as cobras venenosas do Egito Antigo;
  • Pesquisadores analisaram o material e conseguiram decifrar as informações nele contidas;
  • Segundo os resultados das análises, havia mais espécies de cobras venenosas no Egito naquela época do que atualmente.

De acordo com o estudo, havia muito mais serpentes peçonhentas no país há três milênios do que hoje em dia. Das 37 espécies listadas no chamado “Papiro do Brooklyn”, 13 foram perdidas. 

Isso tem levado muitos pesquisadores a especular sobre quais espécies atuais estão descritas no material. Datado entre 660 a 330 a.C., o documento detalha, além das diferentes espécies de cobras, os sintomas de picadas e os deuses associados à cura. 

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Comparação entre as espécies descritas no papiro e as que vivem hoje no Egito

Um exemplo intrigante que consta no registro é a “grande cobra de Apophis”. Esse animal tinha quatro presas, em contraste com as serpentes modernas, que têm apenas duas. Nenhuma cobra correspondente à descrição da “grande cobra de Apophis” é encontrada no Egito contemporâneo. 

Um tipo que pode ser próximo é a boomslang (Disopholidus typus) que habita as savanas da África subsaariana, apresentando quatro presas e veneno mortal. Mas, como essas cobras chegaram ao Egito, localizado ao sul de suas atuais fronteiras?

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A cobra boomslang, que hoje em dia habita as savanas da África subsaariana, pode ter vivido no Egito Antigo e estar descrita no papiro como “grande cobra de Apophis”. Crédito: Stu Porter – Shutterstock

Para tentar responder a essa pergunta, Elysha McBride, estudante de mestrado na Escola de Ciências Naturais da Universidade de Bangor, no Reino Unido, utilizou a modelagem de nicho climático, um método estatístico que reconstrói as condições de vida das espécies ao longo do tempo. 

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A análise revelou que, devido a um clima mais úmido no antigo Egito, muitas espécies de cobras poderiam ter habitado a região, incluindo algumas das mais venenosas da África, como a mamba negra, a biúta e a boomslang.

Pintura em parede mostra a “grande cobra de Apophis”, que, pela descrição, se assemelha à boomslang, espécie que hoje em dia não existe no Egito. Crédito: Elysha McBride, Isabelle C. Winder e Wolfgang Wüster/ Environmental Archaeology 2023

Clima permitiu coexistência de espécies distintas de cobras

O estudo destaca que cerca de 4,2 mil anos atrás, o clima estava se tornando mais árido, mas essa mudança não foi uniforme. No vale do Nilo e na costa, a agricultura e a irrigação podem ter retardado o processo de desertificação, permitindo a coexistência de diversas espécies de cobras com os antigos egípcios.

A pesquisa realça a importância de combinar documentos antigos com métodos modernos, tendo em mente que mesmo descrições históricas aparentemente fantasiosas podem conter informações valiosas. 

A modelagem das áreas de distribuição de espécies modernas em tempos antigos lança luz sobre como os ecossistemas dos nossos ancestrais mudaram devido às transformações ambientais, fornecendo informações sobre as interações entre a vida selvagem e as populações humanas.