Vale do Silício perde força no mercado de trabalho tecnológico

Profissionais de tecnologia buscam estabilidade em empresas não tecnológicas após demissões em massa nas gigantes do setor
Ana Luiza Figueiredo16/01/2024 18h25
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Imagem: Peera_stockfoto / Shutterstock.com
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A dinâmica do emprego no setor de tecnologia está passando por uma transformação significativa após um ano marcado por demissões em massa nas gigantes do Vale do Silício. Os profissionais de tecnologia estão repensando suas prioridades, afastando-se da promessa de crescimento acelerado e da notoriedade das grandes empresas em busca de uma estabilidade mais sólida.

De acordo com os dados mais recentes de 2023 da plataforma de entrevistas tecnológicas Karat (via CNBC), empresas não tecnológicas de grande porte estão conseguindo contratar com sucesso nove em cada dez candidatos que recebem ofertas. Enquanto isso, as grandes empresas de tecnologia focadas no crescimento estão contratando em apenas dois terços das ofertas de vagas.

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Essa disparidade tem se acentuado nos últimos anos, marcando uma mudança notável. Em 2020, as empresas de tecnologia em rápido crescimento tinham uma vantagem na aquisição de talentos, mas a volatilidade econômica e a expansão das iniciativas tecnológicas em diversos setores estão redefinindo essa dinâmica.

Jeff Spector, presidente e co-fundador da Karat, destacou essa mudança de perspectiva ao CNBC. “Assim como os investidores buscam segurança, os candidatos estão trilhando o mesmo caminho. Eles estão abrindo mão do potencial de crescimento em troca de uma trajetória mais estável.”

Essa mudança de foco é compreensível diante das taxas de juros persistentemente altas, do aumento significativo no custo de vida e das demissões que abalaram a visão tradicional dos centros tecnológicos, como o Vale do Silício, na Califórnia, e Seattle, como lugares onde os talentos da tecnologia podem construir uma carreira duradoura sem precisar pular de emprego.

O peso das demissões

  • De acordo com o rastreador de demissões tecnológicas Layoffs.FYI, 584 empresas de tecnologia demitiram funcionários no primeiro trimestre de 2023.
  • Embora esse número tenha diminuído ao longo do ano, ainda é substancialmente mais alto do que em 2022.
  • Gigantes como Google, Meta, Microsoft, Amazon e Salesforce despediram entre 6% e 13% de sua força de trabalho.
  • Em casos extremos, como o da X (anteriormente Twitter), metade da empresa foi afetada.
  • Na última semana, o Google anunciou uma nova rodada de demissões, atingindo equipes de engenharia e hardware; a Amazon cortou funcionários nas divisões Twitch, Audible, Prime Video e MGM Studios; e a empresa de mídia social Discord reduziu 17% de sua equipe.

Mudança de abordagem

Além dos números, a desilusão dos profissionais de tecnologia é evidente em suas prioridades. O Relatório de Sentimento Tecnológico de 2023 da Dice corrobora essa tendência, revelando que 60% dos profissionais de tecnologia têm interesse em deixar seus empregos em 2024, um aumento de 52% em relação ao ano anterior. Isso cria uma oportunidade estratégica para empresas não tecnológicas atrair talentos.

Empresas não tecnológicas estão seduzindo profissionais com a promessa de emprego estável que prioriza dinheiro em detrimento da equidade, cujo valor pode ser volátil no curto prazo. Além disso, oferecem a vantagem de não estar restritas aos centros tecnológicos, permitindo que os profissionais vivam em cidades mais acessíveis e reduzam o tempo de deslocamento.

Um relatório de 2023 da CBRE revela que empresas não tecnológicas já atraem cerca de 60% dos talentos de tecnologia e, desde 2022, não registraram demissões em grande escala, ao contrário das empresas de tecnologia, que respondem por quase um terço dos 700 mil cortes globais de empregos realizados por empregadores dos EUA.

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Imagem: PeopleImages.com – Yuri A / Shutterstock.com

Art Zeile, CEO da plataforma de carreiras em tecnologia Dice, destacou ao CNBC que os profissionais de tecnologia estão em alta demanda em setores como aeroespacial, consultoria, saúde, serviços financeiros e educação.

Ele afirma que é nesses segmentos, onde empresas não tecnológicas possuem filiais tecnológicas significativas, que os profissionais de tecnologia podem encontrar um equilíbrio mais adequado entre vida profissional e pessoal, além de mais estabilidade do que os líderes de tecnologia podem oferecer.

Apesar da transição em direção a empresas não tecnológicas, há características distintas que as empresas de alto crescimento continuam a oferecer, e que as empresas não tecnológicas, historicamente, não têm acompanhado: flexibilidade para trabalho remoto e uma cultura de agilidade tecnológica, fomentando a experimentação criativa e inovação.

Apesar dos benefícios da estabilidade em meio ao atual cenário econômico, as empresas não tecnológicas precisam se adaptar para manter o interesse a longo prazo, considerando as expectativas dos principais talentos de tecnologia.

Expansão de fronteiras do mercado tecnológico

Zeile argumenta que as recentes demissões causaram uma disrupção significativa em duas décadas de crescimento no setor de tecnologia. Consequentemente, afirma que “a estabilidade tornou-se uma parte fundamental da conversa hoje em dia.”

Com a inteligência artificial (IA) ganhando importância em funções de trabalho de todos os tipos, especialmente na tecnologia, Zeile destaca que mais profissionais estão buscando garantir que possuem as habilidades adequadas para competir nos mercados de trabalho atuais e futuros.

O relatório Octoverse de 2023 do GitHub revela que 92% de todos os desenvolvedores na plataforma estão utilizando ou experimentando ferramentas de codificação baseadas em IA. Isso exemplifica a penetração cada vez maior da tecnologia na mentalidade dos profissionais de tecnologia.

Seja com ou sem IA, as tendências de contratação indicam que os profissionais de tecnologia estão redesenhando o conceito de sucesso no cenário profissional de tecnologia. Eles estão deixando para trás as antigas ideias de que trabalhar para uma das maiores empresas de tecnologia do mundo era a única maneira de prosperar no setor.

Ana Luiza Figueiredo é repórter do Olhar Digital. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), foi Roteirista na Blues Content, criando conteúdos para TV e internet.