Algo misterioso foi detectado por astrônomos na Via Láctea: um objeto que é mais massivo que a mais pesada estrela de nêutrons já observada, mas mais leve que o menor dos buracos negros.

De acordo com os autores de um artigo publicado quinta-feira (18) na na revista Science, essa descoberta pode ajudar os cientistas a determinar melhor a “linha divisória” entre estrelas de nêutrons e buracos negros, dois fenômenos que se originam da morte de uma estrela massiva.

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Para quem tem pressa:

  • Astrônomos descobriram um objeto misterioso orbitando uma estrela de nêutrons em um aglomerado globular na Via Láctea;
  • Tal objeto tem características de buraco negro e de estrelas de nêutros;
  • Ambas as possibilidades (um sistema binário de estrelas de nêutrons ou um buraco negro na órbita de uma) são empolgantes para a ciência.

Para o principal autor do estudo, o professor de astrofísica da Universidade de Manchester, no Reino Unido, Ben Stappers, qualquer possibilidade para a natureza do achado é interessante.

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Um sistema pulsar-buraco negro será um alvo importante para testar teorias da gravidade, e uma estrela de nêutrons superpesada fornecerá novos insights sobre a física nuclear em densidades muito altas.

Ben Stappers, físico e astrônomo da Universidade de Manchester, em comunicado.

Segundo ele, o objeto foi descoberto usando o Radiotelescópio MeerKAT, que é composto por 64 antenas localizadas no Cabo Norte da África do Sul. Os dados coletados mostram que o denso remanescente estelar está orbitando uma estrela de nêutrons que gira muito rapidamente (conhecida como “pulsar de milissegundos”), localizada a cerca de 40 mil anos-luz de distância, dentro de um aglomerado globular chamado NGC 1851, na constelação Columba, na Via Láctea.

Buraco negro na órbita de uma estrela de nêutros testa Teoria da Relatividade de Einstein

Se por um lado, um sistema com duas estrelas de nêutrons seria fascinante, por outro, se o objeto misterioso for um buraco negro, isso demonstraria um sistema binário pulsar-buraco negro de rádio – algo revolucionário para a astrofísica.

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Isso porque, graças às explosões altamente periódicas do pulsar, que podem ser usadas como um mecanismo de temporização, e à intensa influência gravitacional do buraco negro, tal sistema poderia ser crucial para testar os limites do conceito de gravidade de Albert Einstein, de 1915, conhecido como Teoria da Relatividade Geral.

Ilustrações de um buraco negro (à esquerda) e campos magnéticos irrompendo da superfície de uma estrela de nêutrons (à direita). Créditos: Goddard Space Flight Center da NASA/S. Wiessinger, ESA/Gaia/DPAC

Denominado PSR J0514-4002E, o objeto foi detectado através dos fracos pulsos das ondas de rádio que envia em direção à Terra. Como a estrela de nêutrons gira a 170 vezes por segundo como um farol cósmico, pequenas mudanças nos pulsos altamente regulares permitiram aos pesquisadores determinar que o sistema tem um objeto em órbita incrivelmente denso, o que significa que só pode ser o remanescente de uma estrela massiva colapsada.

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A equipe descobriu que o pulsar e o objeto misterioso estão separados por oito milhões de quilômetros, cerca de 0,05 vezes a distância entre a Terra e o Sol, e circulam um ao outro uma vez a cada sete dias terrestres.

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Tanto as estrelas de nêutrons quanto os buracos negros nascem quando estrelas massivas atingem o fim do combustível para a fusão nuclear e não conseguem mais se sustentar contra a pressão interna de sua própria gravidade. O núcleo da estrela moribunda colapsa enquanto suas camadas externas são destruídas por uma explosão de supernova.

Na extremidade inferior da escala de massa, o colapso do núcleo estelar é interrompido pelas propriedades quânticas do mar de nêutrons do qual ele passa a ser composto, e ele se torna uma estrela de nêutrons – um remanescente estelar que tem entre uma e duas vezes a massa do Sol, com somente cerca de 20 quilômetros de largura.

Acima de uma certa massa, no entanto, a pressão quântica que mantém os nêutrons separados é superada, e o núcleo sofre um colapso completo, se tornando um buraco negro. Uma estrela de nêutrons também pode exceder esse limite e colapsar em um buraco negro se tiver uma estrela companheira que possa roubar material para aumentar sua própria massa.

Aglomerado estelar superlotado

Os astrônomos sugerem que se um núcleo estelar tem acima de 2,2 massas solares depois de perder suas camadas externas e grande parte de seu conteúdo, ele é pesado o suficiente para dar origem a um buraco negro.

O problema disso é que os buracos negros mais leves já observados ainda têm cerca de cinco vezes a massa do Sol. A ausência de buracos negros entre cinco e 2,2 massas solares é chamada de “lacuna de massa de buraco negro” e lança dúvidas sobre o limite de 2,2 massas solares para estrelas de nêutrons.

Segundo Stappers e sua equipe, o misterioso objeto poderia ser a chave para resolver esse mistério e fechar a lacuna de massa. As estrelas deste aglomerado onde ele foi localizado estão mais firmemente ligadas do que as estrelas no resto da Via Láctea. Elas estão tão lotadas que interagem freneticamente entre si, perturbando as órbitas umas das outras e até colidindo em casos extremos.

Os pesquisadores acreditam que tal colisão entre duas estrelas de nêutrons poderia ter criado o objeto misterioso que detectaram orbitando o pulsar PSR J0514-4002E.

Descobrir a verdadeira natureza da companheira será um ponto de virada em nossa compreensão de estrelas de nêutrons, buracos negros e qualquer outra coisa que possa estar à espreita na lacuna de massa do buraco negro.

Arunima Dutta, doutoranda em Física Fundamental em Radioastronomia no Instituto Max Planck, na Alemanha, e membro da equipe