Além do famoso Sagittarius A*, o gigantesco buraco negro central da galáxia, a Via Láctea tem mais de 100 mil outros. Alguns deles são os chamados buracos negros estelares, que são formados pelo colapso gravitacional de uma estrela massiva ao final de seu tempo de vida. O mais massivo deste tipo acaba de ser encontrado – e bem pertinho da Terra, em termos astronômicos.

O que você vai saber aqui:

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  • O telescópio espacial Gaia, da da Agência Espacial Europeia (ESA), rastreia o movimento das estrelas da Via Láctea;
  • Graças à sensibilidade do equipamento, cientistas descobriram o buraco negro estelar mais massivo já detectado na galáxia;
  • Ele tem 33 vezes a massa do Sol, 13 a mais que o detentor anterior do recorde;
  • O objeto está a apenas dois mil anos-luz da Terra.

Esse gigante adormecido foi descoberto com o telescópio espacial Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), que rastreia o movimento de bilhões de estrelas em nossa galáxia. Publicada nesta terça-feira (16) na revista Astronomy & Astrophysics, a nova descoberta representa a primeira vez que um grande buraco negro estelar foi encontrado nas proximidades do Sistema Solar.

Designado Gaia-BH3, ele é 33 vezes mais massivo que o Sol. O buraco negro estelar mais massivo encontrado anteriormente na Via Láctea foi um monstro cósmico em um binário de raios-X na constelação de Cygnus (Cyg X-1), com cerca de 20 massas solares. A média de massa desse tipo de buraco negro na galáxia é de aproximadamente 10 vezes a massa do Sol.

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Como Gaia localizou o monstro cósmico adormecido

Localizado a apenas dois mil anos-luz da Terra, Gaia-BH3 é o segundo buraco negro mais próximo do nosso planeta já descoberto, depois de Gaia-BH1, que está a 1.560 anos-luz de distância. Gaia-BH1 tem uma massa cerca de 9,6 vezes maior que a do Sol, o que faz dele consideravelmente menor do que o buraco negro recém-descoberto.

George Seabrook, cientista do Laboratório de Ciência Espacial Mullard da University College London e membro da Força-Tarefa de Buracos Negros de Gaia, disse em comunicado da ESA que Gaia BH3 é uma pista importante para a população de buracos negros estelares.

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Embora seja o buraco negro estelar mais massivo encontrado na Via Láctea, ele é minúsculo em comparação ao buraco negro supermassivo que domina o coração da galáxia, Sagitário A* (Sgr A*), que tem uma massa 4,2 milhões de vezes maior que a do Sol. Buracos negros desse tipo não são criados pela morte de estrelas massivas, mas sim por fusões de buracos negros que vão se tornando progressivamente maiores.

Localização dos três primeiros buracos negros descobertos pela espaçonave Gaia, da ESA, na Via Láctea. O mapa da galáxia também foi feito pela missão. O Buraco Negro 1 de Gaia (BH1) fica a apenas 1.560 anos-luz de distância da Terra, na direção da constelação de Ophiuchus; Gaia BH2 está a 3.800 anos-luz de distância, na constelação de Centaurus; e Gaia BH3, na constelação de Aquila, está a uma distância de 1926 anos-luz daqui. Em termos astronômicos, esses buracos negros residem em nosso quintal cósmico. Créditos: ESA/Gaia/DPAC

Todos os buracos negros são marcados por um limite externo chamado horizonte de eventos, momento em que a velocidade de escape do objeto excede a velocidade da luz. Um horizonte de eventos é uma superfície unidirecional que aprisiona a luz além da qual nenhuma informação pode escapar.

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Como resultado, os buracos negros não emitem nem refletem luz, o que significa que só podem ser “vistos” quando estão rodeados por material do qual se alimentam gradualmente. Às vezes, isso significa um buraco negro em um sistema binário puxando material de uma estrela companheira, que forma um disco de gás e poeira ao seu redor.

A tremenda influência gravitacional dos buracos negros gera intensas forças de maré nessa matéria circundante, fazendo com que ela brilhe intensamente com material que é destruído e consumido, emitindo também raios-X. Além disso, o material que o buraco negro não usa pode ser canalizado para seus polos e expelido como jatos de altíssima velocidade, que são acompanhados pela emissão de luz.

É toda essa dinâmica que permite que os astrônomos identifiquem buracos negros. Então, como é possível observar buracos negros “adormecidos” que não estão se alimentando de gás e poeira ao seu redor? E se, por exemplo, um buraco negro de massa estelar tiver uma estrela companheira, mas os dois estiverem muito separados para que ele consuma matéria de dela?

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Em busca de oscilações estelares estranhas

Em casos como esse, o buraco negro e sua estrela companheira orbitam um ponto que representa o centro de massa do sistema. Orbitar o centro de massa resulta em uma oscilação no movimento da estrela, que é visível para os astrônomos. Como Gaia é hábil em medir com precisão o movimento das estrelas, é o instrumento ideal para ver essa oscilação.

A Força-Tarefa de Buracos Negros de Gaia começou a procurar oscilações estranhas que não poderiam ser explicadas pela presença de outra estrela ou planeta e que indicavam um companheiro mais pesado, possivelmente um buraco negro.

Comparação entre três buracos negros estelares da Via Láctea: Gaia BH1, Cygnus X-1 e Gaia BH3, com massas 10, 21 e 33 vezes superiores à do Sol, respetivamente. Créditos: ESO/M. Kornmesser

Observando uma antiga estrela gigante na constelação de Áquila, localizada a 1.926 anos-luz da Terra, a equipe encontrou uma oscilação no caminho deste corpo. Essa oscilação sugere que a estrela está presa em movimento orbital com um buraco negro adormecido de massa excepcionalmente alta. 

Os dois estão separados por uma distância que varia entre 780 milhões e 4,4 bilhões de km. “É um verdadeiro unicórnio”, disse o pesquisador Pasquale Panuzzo, do Observatório de Paris, pertencente ao Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), na França. “Esse é o tipo de descoberta que você faz uma vez na vida de pesquisa. Até agora, buracos negros desse tamanho só foram detectados em galáxias distantes por meio de observações de ondas gravitacionais”.

Graças à sensibilidade de Gaia, foi possível definir a massa do objeto. “Gaia-BH3 é o primeiro buraco negro para o qual poderíamos medir a massa com tanta precisão”, disse Tsevi Mazeh, cientista e membro da colaboração Gaia na Universidade de Tel Aviv, em Israel. “A massa do objeto é típica das estimativas que temos para as massas dos buracos negros muito distantes observados por experimentos de ondas gravitacionais. As medições de Gaia fornecem a primeira prova indiscutível de que buracos negros de massa estelar tão pesados existem”.

Gaia-BH3 prova que estrelas pobres em metais podem formar buracos negros

Para completar, além de ser o mais massivo e o mais próximo da Terra, esse buraco negro tem outra peculiaridade. A estrela desse sistema é subgigante, com cerca de cinco vezes o tamanho do Sol e 15 vezes seu brilho, embora seja mais fria e menos densa. Ela é composta principalmente de hidrogênio e hélio, os dois elementos mais leves do Universo, sem metais pesados.

O fato de ser pobre em metais sugere que a estrela que colapsou e morreu para dar origem a Gaia-BH3 também não possuía elementos mais pesados. Espera-se que as estrelas pobres em metais percam mais massa do que as que têm metais em abundância durante suas vidas, então os cientistas não sabiam se elas poderiam manter massa suficiente para criar buracos negros. Gaia-BH3 representa o primeiro indício de que isso é possível.