Reconstruir a história da Terra é como montar um quebra-cabeça sabendo que sempre faltarão algumas peças. Até recentemente, os paleontólogos acreditavam que grandes trechos dessa história estariam para sempre perdidos. 

No entanto, uma equipe liderada por pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, encontrou um local único no Canadá que registra o desenvolvimento da vida ao longo de 120 milhões de anos, fornecendo uma visão contínua e inédita do passado do nosso planeta.

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Geralmente, os paleontólogos trabalham com registros fósseis fragmentados, que representam apenas breves momentos no tempo em que as condições permitiram a fossilização de plantas e animais. Mesmo esses registros são frequentemente interrompidos por processos geológicos que destroem partes das evidências, deixando-nos com peças desconexas.

Nas margens do rio Peel, 120 milhões de anos do passado da Terra são registrados. Crédito: Erik Sperling

Uma das maiores lacunas no registro fóssil é do período Paleozoico, uma era crucial, mas com poucas evidências preservadas. Isso mudou com a descoberta nas margens do rio Peel, no Canadá, próximo ao Delta do Mackenzie no Mar Ártico. Ali, foram encontradas rochas que documentam a vida marinha de 490 a 370 milhões de anos atrás.

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Esses depósitos começam no Alto Cambriano, quando havia pouco oxigênio para sustentar a vida animal, e vão até o Devoniano Médio, quando os peixes dominaram os mares. Com poucas interrupções, incluem também os períodos Ordoviciano e Siluriano.

“É sem precedentes ter tanto da história da Terra em um só lugar”, disse Erik Sperling, autor principal do artigo que descreve a descoberta, em um comunicado. “Não há nenhum outro lugar no mundo onde você possa estudar um registro tão longo da história da Terra, sem mudanças significativas em aspectos como profundidade da água ou tipo de bacia”.

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Formação Monte Hare, no rio Peel, em Yukon, território selvagem no noroeste do Canadá. Crédito: Erik Sperling

Atmosfera da Terra primitiva tinha pouco oxigênio

O estudo de Sperling se concentra na evolução dos níveis de oxigênio. A Terra primitiva tinha muito pouco oxigênio em sua atmosfera e oceanos. O Grande Evento de Oxidação, que ocorreu há cerca de 2,5 a 2,2 bilhões de anos, aumentou a quantidade de oxigênio, mas ainda não o suficiente para suportar a vida como conhecemos hoje. 

A segunda grande mudança nos níveis de oxigênio, que os aproximou dos níveis atuais, ainda é um ponto de incerteza. Segundo a equipe liderada por Sperling, pode ter ocorrido há 800 milhões de anos ou até mais recentemente.

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O artigo conclui que a atmosfera não atingiu níveis de oxigênio próximos aos atuais até mais tarde do que muitos cientistas pensavam. “Os primeiros animais ainda viviam em um mundo de baixo oxigênio”, afirmou Sperling.

Além de proporcionar uma melhor compreensão dos níveis de oxigênio, este registro contínuo pode revelar muito sobre as espécies que habitavam esses mares, que não estavam na borda do Círculo Polar Ártico na época.

Este registro também pode servir como uma ferramenta de calibração para outros depósitos fósseis, ajudando a datar com mais precisão outros achados. “Para fazer comparações ao longo de enormes períodos de nossa história e entender as tendências de longo prazo, você precisa de um registro contínuo”, explicou Sperling.

A descoberta do local não foi fácil. A área é tão inacessível que Sperling e sua equipe tiveram que chegar de helicóptero e abrir caminho na vegetação densa com facões. O trabalho de campo só foi possível por um curto período, antes que o inverno chegasse.