O tradicional fogão a gás está no imaginário mundial há décadas, sendo o principal formato utilizado nas residências, mesmo com a ascensão do fogão elétrico.

Apesar da evolução do gás de cozinha, aquele disponível em botijões, para o gás encanado, a desconfiança existe, pois as explosões causadas pelo gás são factíveis.

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Só que, além do risco de combustão ao entrar em contato com o oxigênio da atmosfera, há mais perigos no gás de cozinha do que se imaginava. Ele é formado por gases tóxicos, como monóxido de carbono, formaldeído e outros poluentes nocivos, e são emitidos mesmo quando o fogão está desligado.

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Sou uma pessoa que cresceu cozinhando e adoro aquela chama azul. Mas as pessoas temem o que não sabem. E o que as pessoas precisam compreender fortemente é o impacto sutil e profundo que isto está causando – na saúde neurológica, na saúde respiratória, na saúde reprodutiva.

Ruth Ann Norton, líder do grupo de defesa ambiental Iniciativa Casas Verdes e Saudáveis, ao ArsTechinca

Os fogões a gás vêm sendo alvo de escrutínio em vários países por conta de como afeta a saúde, bem como a proteção do consumidor e os interesses comerciais de fabricantes.

Com esta situação, Norton e mais defensores do meio-ambiente esperam que duas recentes movimentações estimulem a migração do fogão a gás para os fogões elétricos.

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Imagem: Irina Gutyryak/Shutterstock

Movimentações em prol do fogão elétrico

  • Conforme o ArsTechnica, na segunda-feira (13), a Assembleia da Califórnia (EUA) apresentou projeto de lei (PL) que exige que os fogões a gás vendidos no Estado venham com etiqueta de advertência;
  • Nessa etiqueta, seria impressa uma mensagem, indicando que os fogões e fornos em uso: “podem liberar dióxido de nitrogênio, monóxido de carbono e benzeno dentro das casas a taxas que levam a concentrações que excedem os padrões do Escritório de Avaliação de Perigos para a Saúde Ambiental e da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos para a qualidade do ar externo”;
  • Ela também traria outra mensagem, informando que respirar os poluentes produzidos pelo gás “pode agravar doenças respiratórias preexistentes e aumentar o risco de desenvolver leucemia e asma, especialmente em crianças. Para ajudar a reduzir o risco de respirar gases nocivos, permita a ventilação na área e ligue um exaustor quando fogões e fogões a gás estiverem em uso”;
  • A medida pode ser apreciada para aprovação ainda este ano.

Apenas ligar um fogão por alguns minutos com pouca ventilação pode levar a concentrações internas de dióxido de nitrogênio que excedem o padrão de ar da EPA para ambientes externos. Você está sentado em casa bebendo uma taça de vinho, preparando o jantar e está apenas inalando um nível tóxico desses gases. Portanto, precisamos de um rótulo para garantir que as pessoas sejam informadas.

Gail Pellerin, membro da assembleia da Califórnia que apresentou o projeto, em entrevista ao ArsTechnica

Pellerin disse, na Assembleia, que espera que a consideração de seu PL pelos legisladores possa levar a mudanças em todo os EUA. “Muitas vezes ouvimos que, ‘assim como a Califórnia, assim como a nação’. Esperamos que a Califórnia lidere isso e que outros estados façam o mesmo”, pontuou.

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Fogão elétrico (Imagem: brizmaker/Shutterstock)

Pesquisa sobre toxicidade do gás de cozinha

A proposta foi adiante dias após um grupo de pesquisadores da Universidade de Stanford apresentar suas conclusões acerca de estudo, revisto por pares, que se baseia em exames do impacto da exposição à poluição provocado pelo dióxido de azoto advindo de fogões a gás e propano na saúde pública.

O estudo, publicado na Science Advances, descobriu que os fogões a gás contribuem para a morte de cerca de 19 mil adultos por ano e aumentam a exposição prolongada ao dióxido de nitrogênio em 75% da diretriz de exposição da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A porcentagem foi uma das mais importantes descobertas da equipe, indicou Yannai Kashtan, principal autor da pesquisa. “A principal contribuição deste estudo é quantificar quanto dessa poluição realmente chega ao seu nariz, por assim dizer”, afirmou.

O pesquisador disse ainda que o estudo também descobriu que os maiores perigos para quem tem fogão a gás (cerca de 40% da população estadunidense, por exemplo) vêm da exposição prolongada a gases nocivos.

As exposições que estimamos não causarão resultados imediatos e terríveis para a saúde amanhã. Portanto, certamente, não queremos ser alarmistas. Por outro lado, dia após dia, ano após ano, usando o fogão, a exposição cresce e aumenta o risco de todas essas doenças respiratórias.

Yannai Kashtan, principal autor da pesquisa, em entrevista ao ArsTechnica

“É muito importante que as pessoas estejam cientes dos riscos e, por um lado, não surtem amanhã, mas, também, pensem seriamente sobre a poluição do ar interior quando estiverem pensando: ‘OK, você sabe qual será meu próximo eletrodoméstico?'”, acrescentou.

Outro achado da pesquisa tem a ver com as pessoas de cor. Segundo o estudo, elas são desproporcionalmente afetadas pelos fogões.

As famílias indígenas/nativas do Alasca, por exemplo, costumam ter 60% mais exposição ao dióxido de nitrogênio do que a média nacional dos EUA. Já agregados familiares afro-estadunidenses e hispânicos/latinos possuem 20% a mais de exposição se comparado com a média.

Imagem: Somchai_Stock/Shutterstock

Segundo Rob Jackson, professor da Escola Doerr de Sustentabilidade de Stanford, autor-sênior do estudo, “as pessoas pobres respiram ar mais sujo ao ar livre. E, se eles possuem um fogão a gás, eles também respiram dentro de casa”.

O mesmo se aplica a vários grupos raciais e étnicos que identificamos, incluindo negros, hispânicos e nativos-estadunidenses. As soluções são mais difíceis para as pessoas pobres, pessoas que vivem em habitações públicas e em bairros pobres, pois, muitas vezes, os inquilinos não podem trocar seus aparelhos, pois não os possuem e não têm condições financeiras para o fazer. Portanto, precisam de ajuda para respirar um ar mais seguro dentro de casa.

Rob Jackson, professor da Escola Doerr de Sustentabilidade de Stanford, autor-sênior do estudo, em entrevista ao ArsTechnica

Milagros Elia, gestora do programa de Defesa do Clima e Energia Limpa da Aliança de Enfermeiros para Ambientes Saudáveis e que é hispânica, defendeu que o estudo confirma que fogões a gás são “ameaça à saúde pública”.

Ela também analisou que, apesar de o Estado de Nova York, onde ela cresceu, ter sido o primeiro estado dos EUA a proibir este tipo de fogão em edifícios novos, “nos bairros onde cresci, não há nenhuma política que exija que uma atualização aconteça”.

Normalmente, no inverno, por exemplo, se não houver aquecimento suficiente, o que a comunidade continua a fazer é simplesmente abrir o forno e ligá-lo para aquecer o apartamento. As crianças estão crescendo nestes apartamentos e nestas casas e isso é um legado. De geração em geração, vivendo nestes ambientes de vizinhança e construindo estruturas, ficamos com uma herança de doenças crônicas.

Milagros Elia, gestora do programa de Defesa do Clima e Energia Limpa da Aliança de Enfermeiros para Ambientes Saudáveis, em entrevista ao ArsTechnica

Outra autora do estudo, Kari Nadeau, médica especialista em alergias, asma e imunologia em crianças e adultos, acredita que a lição mais importante a ser tirada é que “nos preocupamos com a saúde pública”. Ela também é presidente do Departamento de Saúde Ambiental da Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan.

Exatamente como quando os cientistas de saúde pública descobriram que os cintos de segurança eram capazes de reduzir o risco de lesões em acidentes de carro e tal como quando os investigadores de saúde pública descobriram que os cigarros eram perigosos para nossa saúde, existem agora muitos estudos científicos, incluindo nosso artigo recente, mostrando que os fogões a gás não são saudáveis ​​devido à poluição do ar interior que criam.

Portanto, devemos nos concentrar em soluções para reduzir a poluição do ar interior para tentar proteger as crianças, as mulheres grávidas, os idosos, os adultos e a saúde pública em geral.

Kari Nadeau, médica especialista em alergias, asma e imunologia em crianças e adultos e uma das autoras do estudo, em entrevista ao ArsTechnica