Na semana passada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou autorização de importação e uso da Sputnik V. Como motivo para a decisão, o corpo técnico do órgão destacou a falta de documentos e possíveis danos que o imunizante pode causar à saúde.

Segundo a agência, o fabricante não apresentou a análise de segurança da vacina por faixa etária, por comorbidades e para soropositivos. Além disso, também não foi demonstrada a existência de monitoramento eficiente para evitar a presença de vírus contaminantes na produção do imunizante.

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Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) negou autorização de importação e uso da Sputnik V, em razão da falta de documentos e possíveis danos que o imunizante pode causar à saúde. / Imagem: Rafastockbr – Shutterstock

Um dos principais pontos observados pelos especialistas da Anvisa foi a possibilidade de replicação do adenovírus utilizado como vetor viral para inserir o material genético do novo coronavírus no organismo humano. Isso seria o contrário do efeito que se pretende com a imunização.

O Instituto Gamaleya, no entanto, garante total controle de qualidade na produção. De acordo com os desenvolvedores da fórmula, a agência brasileira fez “afirmações incorretas e enganosas sem ter testado a vacina”. Na quinta-feira passada (29), a entidade ameaçou processar a Anvisa por difamação.

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Fabricante da Sputnik V ameaça processar Anvisa. / Imagem: Captura de tela Twitter

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O Consórcio Nordeste, formado pelos nove estados nordestinos, firmou contrato para adquirir 37 milhões de doses da Sputnik V e está descontente com os processos da Anvisa. “A falta de vacina é muito grave. Por isso, os governadores desses estados estão aborrecidos. Eles estão na razão deles porque precisam de vacinas e não têm. Por outro lado, o fato é que a Anvisa tem razão: falta informação sobre a vacina”, avalia Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-presidente da Anvisa.

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Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, decisão do órgão regulador está correta. / Imagem: Captura de tela site FSP-USP

Para o médico, o principal responsável por esse impasse é Kirill Dmitriev, CEO do Fundo de Investimento Direto da Rússia (RDIF). “Não sei qual é a profissão dele, mas certamente não é uma profissão da área de saúde”, avalia. Vecina diz que Dmitriev não aceita que a agência brasileira faça exigências e solicite dados específicos. “Para ele, tem de se contentar com o que ele está dando. Como 62 países já se contentaram, aqui no Brasil, ele não aceita que seja diferente.”

Kirill Dmitriev, CEO do Fundo de Investimento Direto da Rússia (RDIF). / ID1974 – Shutterstock

Para o professor, o comportamento do gestor desrespeita a Anvisa. “Ele chegou a fazer uma ameaça à autoridade sanitária brasileira e propôs um debate entre o fundo russo e a agência no nosso Congresso. Quem ele pensa que é para fazer um debate público no Congresso com a Anvisa?”

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Presença de adenovírus replicante

Ao analisar a Sputnik V, a equipe técnica da Anvisa identificou a presença de adenovírus com possibilidade de replicação. Isso pode representar riscos à saúde de quem receber a fórmula. “O mínimo que pode acontecer é ter a doença que aquele vírus provoca. Como o vírus replicante é um vírus que se multiplica, ele pode se multiplicar no organismo”, diz Vecina.

De acordo com ele, o vírus utilizado no imunizante é atenuado. “Quando o agente é atenuado, ele perde a capacidade de se replicar”, explica. “Se o vírus atenuado da gripe humana for replicante, ele produz o que? Gripe. Uma gripe talvez não muito forte, mas uma gripe.”

A Sputnik V é composta de dois tipos de adenovírus. Segundo a agência, a empresa atesta que o processo de fabricação deles pode produzir partículas replicantes. Isso quer dizer que elas podem se espalhar pelo corpo, o que não é esperado de uma vacina. Para um dos adenovírus, o fabricante apresentou justificativa para não replicação, mas para o outro, não.

Para Vecina, tudo isso precisa ser mais bem explicado. “A Anvisa pode estar errada, mas alguém precisa explicar. Não pode ser do jeito que o Dmitriev quer”, afirma. “Um artigo do Medscape cita o Jaime Lazovski, professor da Universidade de Buenos Aires que foi diretor da área de medicamentos da Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica (Anmat), a agência argentina que equivale à Anvisa. Ele dá razão à Anvisa. Se um profissional desse está dizendo isso, tem de dar crédito a ele, não?”, conclui.

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