Uma ação desastrosa da polícia faz com que um jovem de classe baixa, pertencente à uma minoria ética, acabe sendo hospitalizado em estado grave. A sociedade então começa a questionar a brutalidade policial para com as camadas pobres da sociedade, e, quanto o jovem em questão acaba morrendo, uma revolta generalizada toma conta dos bairros mais marginalizados. Dois policiais, que estavam num desses distritos, acabam se vendo presos e perseguidos pelos manifestantes – e agora tentam escapar do cerco a qualquer custo.

Esse enredo poderia facilmente se passar em uma favela brasileira ou em um bairro pobre dos Estados Unidos. Mas ‘Zona de Confronto’ é um filme dinamarquês, exibido no Festival Internacional de Cinema de Veneza no ano passado e que chega nesta sexta-feira (27), com distribuição da Synapse Distribution, na Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple Tv, Google Play e YouTube Filmes.

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No caso do país nórdico, a tensão acontece entre as forças policiais e imigrantes árabes – tanto que o nome original do filme, ‘Shorta’, é “polícia” no idioma árabe. A primeira cena é muito familiar: Talib Ben Hassi (Jack Pedersen) está sendo imobilizado pela polícia e se queixa que não consegue respirar. Qualquer semelhança com o caso do norte-americano George Floyd, que no ano passado provocou uma nova onda de protestos do Black Lives Matter nos EUA, pode ser coincidência, mas de forma alguma é acidental.

Os diretores Frederik Louis Hviid (‘Bedrag’), Anders Ølholm (‘Garoto-Formiga’) garantem que ‘Zona de Confronto’ está em produção há pelo menos seis anos, e a inspiração principal para o roteiro veio de um incidente que aconteceu na própria Dinamarca, em 1992. “O que nos impressiona com esse paralelo Floyd é como esses casos são tragicamente atuais, quase 30 anos depois”, afirmou Hviid, em entrevista ao site Cineuropa.

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No longa, Talib é hospitalizado em estado grave e a situação dentro do departamento de polícia se torna tensa. Dois policiais serão julgados pelo incidente, mas as autoridades temem que não só as repercussões do caso como as atitudes de outros agentes, em especial o violento Mike Andersen (Jacob Lohmann). Por isso, o chefe da polícia escala Jens Høyer (Simon Sears), um oficial mais moderado, como seu parceiro.

acob Lohmann, Simon Sears e Tarek Zayat em 'Zona de Confronto'. Imagem: Tine Harden/Divulgação
Jacob Lohmann, Simon Sears e Tarek Zayat em ‘Zona de Confronto’. Imagem: Tine Harden/Divulgação

À primeira vista, a dupla parece o estereótipo do “tira bom e o tira ruim”. Andersen é abertamente racista e xenofóbico, enquanto Høyer parece mais calado e controlado. Porém, o filme em momento algum te deixa esquecer que o preconceito existe e está arraigado na estrutura da sociedade. ‘Zona de Confronto’ critica não só a ação direta de quem é flagrantemente racista, como a falta de ação de quem se julga “cidadão de bem”. Høyer também tem seus preconceitos, só os esconde melhor. Detalhe importante: os dois estavam presentes na prisão de Talib Ben Hassi, e prestarão depoimento como testemunhas.

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Em meio a escalada crescente no confronto entre autoridades e imigrantes, todos os policiais são orientados a evitar o bairro de Svalegården – uma região fictícia, que no filme abriga a maior população de árabes em Copenhagen. Porém, Andersen e Høyer perseguem um carro suspeito até o bairro, e Andersen insiste em revistar um jovem imigrante aleatório, Amos Al-Shami (Tarek Zayat). No procedimento, o garoto chega a ter que abaixar as próprias calças para provar que não leva nenhum item ilegal.

Após a abordagem, Amos, revoltado, joga um copo de milkshake na viatura dos policiais e Andersen e Høyer avançam para prender o jovem. Na volta para a delegacia, a notícia: Talib Ben Hassi faleceu, todos os policiais devem sair imediatamente dos bairros ocupados por imigrantes. Mas agora é tarde demais para o trio.

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‘Zona de Confronto’ agora passa a fazer jus ao seu nome em português. Num clima de tensão digno de filmes como ‘Assalto ao 13º DP’ e ‘Dia de Treinamento’, os policiais devem evitar os revoltosos, ao mesmo tempo que usam Amos como uma espécie de escudo-humano. O tempo todo os policiais – e o público – são apresentados a dilemas morais e éticos, cujas escolhas expõem como pessoas de diferentes origens e camadas da sociedade dinamarquesa (e por que não, mundial) se enxergam e enxergam o outro, muitas vezes com desconfiança.

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O longa é muito competente em mostrar os pontos de vista de todos os envolvidos. A revolta dos imigrantes é coberta de razão, uma vez que são tratados pela sociedade como uma subcategoria de seres humanos, e frequentemente brutalizados e vistos como marginais. Ao mesmo tempo, a polícia está sob enorme pressão e seus agentes não deixam de fazer parte da mesma sociedade. A mãe de Amos, preocupada que seu filho possa se tornar o próximo Talib, é quem dá a letra (que serve para imigrantes e policiais): “se você sempre é tratado como algo que não é, eventualmente você acaba acreditando”.

Em termos técnicos, ‘Zona de Confronto’ é um filme visivelmente barato, mas que entrega o mesmo resultado de um blockbuster policial de Hollywood à uma fração do custo. A cinematografia de Jacob Møller é suja e granulada, em um estilo que lembra bastante o já citado Antoine Fuqua (‘Dia de Treinamento’), e outros cineastas como David Ayer (‘Os Reis da Rua’) e até o brasileiro José Padilha (‘Tropa de Elite’).

Além de premiações em festivais europeus, ‘Zona de Confronto’ foi um dos três concorrentes à indicação da Dinamarca ao Oscar deste ano. Agora está entrando em exibição mundial pelas plataformas de streaming, então é só aguardar para vermos se terá uma refilmagem norte-americana. Mas não se assuste se começarmos a ver os nomes Hviid e Ølholm em mais cartazes por aí.

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