Era por volta das 17h do dia 5 de outubro de 1971. Uma despretensiosa tarde de terça-feira em Marília, interior de São Paulo, foi interrompida por um evento único, e que mudou para sempre a história da cidade.

Poucas pessoas viram a bola de fogo se aproximando no céu. Era o final de uma tarde ensolarada e aquele bólido parecia vir da direção do Sol. Era completamente silenciosa e durou apenas uns segundos. No final, antes de desaparecer, parecia ter explodido, se partindo em vários pedaços menores.

Fragmento de 351,21g do meteorito de Marília recuperado 50 anos atrás
Fragmento de 351,21g do meteorito de Marília recuperado 50 anos atrás. Créditos: Ideval Souza Costa

Testemunhar um evento como esse é algo para poucas e afortunadas pessoas. A bola de fogo ou bólido é gerada quando um grande fragmento de rocha espacial atravessa a atmosfera em alta velocidade. Isso comprime e aquece os gases atmosféricos a sua frente, formando um plasma (gás aquecido e ionizado) que brilha como uma lâmpada. Só que para gerar um bólido tão brilhante que pode ser visto à luz do dia, a rocha espacial precisa ser realmente grande.

Para quem está perto, a onda de choque gerada pelo impacto da rocha com as camadas mais densas da atmosfera, chega alguns minutos depois, na forma de um barulho de explosão. Em Marília, muitos dos que saíram de casa para ver de onde vinha aquele barulho, puderam testemunhar algo ainda mais incrível.

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Os fragmentos daquela rocha espacial caíram por toda a cidade, e enquanto caíam, produziam um zumbido alto. Foi uma verdadeira “chuva de meteoritos”. Alguns dos fragmentos puderam inclusive ser vistos enquanto caíam. Tudo isso certamente deixou muita gente assustada. Mas não o geólogo e professor Paulo Eduardo Avanzo, que estava em Marília naquele dia. Enquanto caminhava para a faculdade em que dava aula, Avanzo escutou o estampido gerado pelo bólido. Não deu muita bola na hora, mas quando chegou na faculdade, ouviu vários relatos e teve a certeza do que se tratava. Avanzo não morava em Marília, estava lá apenas nas terças-feiras e naquela noite, viajou de volta para casa, só retornando à Marília na semana seguinte.

Quando chegam ao solo, essas rochas espaciais recebem o nome de meteorito. E os meteoritos são de fundamental importância para a ciência. Através deles é possível estudar a geologia de outros corpos do Sistema Solar e até mesmo a história da sua formação. Avanzo sabia disso e, por isso, assim que retornou à Marília na semana seguinte, iniciou a busca pelos meteoritos daquela queda. Ele vasculhou os campos e estradas e visitou moradores que teriam testemunhado a queda e conseguiu recuperar 7 fragmentos, totalizando cerca de 2,5 kg de meteoritos.

Mapa com a área de dispersão dos meteoritos e com a localização dos fragmentos recuperado pelo Prof. Avanzo logo após a queda
Mapa com a área de dispersão dos meteoritos e com a localização dos fragmentos recuperado pelo Prof. Avanzo logo após a queda. Créditos: P. E. Avanzo

Mas os fragmentos recuperados por Avanzo foi apenas uma pequena parte do que caiu sobre a cidade. Muitos foram perdidos nos telhados e campos. Outros guardados pelos moradores como lembrança. Aquele final de tarde foi realmente bastante diferente na pequena cidade do centro oeste paulista.

As pessoas se aglomeravam nas ruas. Algumas espantadas com o que tinham visto, outras procurando saber o que se passava. Os relatos do que havia acontecido naquela tarde correram a cidade por várias semanas. Um deles é o de Marco Aurélio Beraldo, uma criança que brincava com amigos em frente à casa n° 392 da Rua São Carlos. Ele conta que ouviu um assobio forte e contínuo, como se estivesse caindo uma bomba. Olhou para o céu e ainda pôde ver a aproximação da pedra que, instantes depois, chocava-se contra a calçada. Ele e seus amigos correram para o local e ainda viram a fumaça. Cada um apanhou um pedaço da pedra e o guardou como relíquia.

Casa n° 392 da Rua São Carlos, local onde, 50 anos atrás, caiu um dos fragmentos do meteorito Marília
Casa n° 392 da Rua São Carlos, próximo de onde, 50 anos atrás, caiu um dos fragmentos do meteorito Marília. Fonte: TV Câmara de Marília

Sabe-se ainda de um fragmento que atingiu a calçada de uma escola, e foi dividido entre alguns pesquisadores e instituições de pesquisa. Outro atingiu uma pilha de casca de café em uma fazenda na zona rural da cidade. O dono da propriedade deu esse fragmento para o proprietário da fazenda vizinha, que o levou à cidade, onde ficou exposto durante algum tempo em uma emissora de rádio.

Fragmento do meteorito Marília da coleção particular de Rodrigo Guerra
Fragmento do meteorito Marília da coleção particular de Rodrigo Guerra. Foto: Rodrigo Guerra

Um jovem que trabalhava em uma roça ouviu o zunido e teve tempo ainda de ver, com muito espanto, as pedras caindo do céu. Em meio àquela agitação das primeiras semanas, o Prof. Avanzo, ao mesmo tempo em que procurava pelos meteoritos e tomava depoimentos, também acalmava a população explicando que tudo o que teria acontecido não passava de um fenômeno natural.

O próprio Paulo Avanzo realizou os estudos iniciais de classificação do meteorito. Seu trabalho foi enviado para o Meteoritical Bulletin que oficializou o registro em 1974. O meteorito recebeu o nome de Marília, em referência à cidade onde caiu, e foi classificado como um Condrito Ordinário H4.

Os condritos são materiais remanescentes do processo de formação do Sistema Solar. Foi a partir da fusão de rochas como essa que se formaram os planetas rochosos (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte). Entretanto, o meteorito Marília não chegou a compor nenhum grande corpo do Sistema Solar, permanecendo praticamente intacto desde sua formação, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás.

Na época, a queda do meteorito em Marília não recebeu grande atenção das autoridades. Apenas um jornal da cidade noticiou o ocorrido de forma bastante resumida. E se não fosse o trabalho do Prof. Avanzo, talvez o meteorito nem fosse classificado. Mas hoje, 50 anos depois, temos plena consciência de sua importância histórica e científica. Em 2019, um projeto de lei foi aprovado na Câmara Municipal instituindo o “Dia do Meteorito”, a ser celebrado anualmente no dia 5 de outubro. Um dia para realização de atividades culturais e ações de conscientização da população sobre o fato histórico ocorrido no município: o dia em que choveram meteoritos na cidade de Marília.

Recorte do Jornal Correio de Marília do dia 6 de outubro de 1971
Recorte do Jornal Correio de Marília do dia 6 de outubro de 1971. Fonte: Acervo da Biblioteca da Câmara Municipal de Marília

50 anos do meteorito Sanclerlândia

Graças à uma incrível coincidência, exatamente no mesmo dia da queda do meteorito Marília, um estudante encontrou um dos maiores meteoritos do Brasil, o Meteorito Sanclerlândia.

Meteorito Sanclerlândia encontrado em 5 de outubro de 1971
Meteorito Sanclerlândia encontrado em 5 de outubro de 1971. Créditos: C.J.S. Alvarenga

Antônio Passos estava em uma excursão do Curso de Geologia da Universidade de Brasília no Município de Sanclerlândia, Goiás, quando encontrou uma rocha diferente, que emitia um “barulho de sino” quando golpeada por um martelo. Ele e seu professor, Marcelo José Ribeiro tentaram extrair um pedaço da rocha, mas diante da sua resistência, resolveram desenterrá-la, pois apenas uma parte dela aflorava na superfície. A façanha levou o dia inteiro, mas valeu a pena. A rocha era, na verdade, um meteorito metálico de 279 kg. Um dos maiores do país.

E ao final daquele dia 05 de outubro de 1971, o Brasil tinha dois novos meteoritos, o Marília e o Sanclerlândia.

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