Viagens prolongadas ao espaço podem trazer danos ao cérebro, diz estudo

Pesquisa publicada no jornal “JAMA Neurology” menciona sintomas que vão desde perda gradual de visão até envelhecimento acelerado
Por Rafael Arbulu, editado por Rafael Rigues 13/10/2021 13h07, atualizada em 14/10/2021 11h28
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Imagem: Life science/Shutterstock
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Ficar tempo demais no espaço – como fazen alguns astronautas a bordo da ISS – pode trazer danos permanentes no cérebro, segundo um novo estudo publicado no JAMA Neurology, publicação médica especializada no estudo da neurologia.

A pesquisa começou com trabalhos de neuroimagem feitos pela Universidade Ludwig Maximilian em Munique, na Alemanha; e colaboração da Universidade de Gotemburgo (Suíça) e cientistas independentes da Rússia, que avaliaram a integridade da estrutura cerebral em astronautas que voltaram do espaço, concluindo que praticamente todos os tecidos relevantes do cérebro são potencialmente afetados.

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Ilustração mostra um cérebro iluminado por várias cores, simbolizando danos causados por viagens ao espaço
Viagens ao espaço podem representar um risco à saúde cerebral dos astronautas, de acordo com novo estudo (Imagem: Yurchanka Siarhei/Shutterstock)

Segundo o estudo, os cientistas usaram marcadores sanguíneos para examinar o tecido cerebral de astronautas que passaram em média 170 dias no espaço, a bordo da Estação Espacial Internacional. Por parâmetro de segurança, um viajante do espaço que vai à estação tem que retirar amostras de sangue antes e depois da viagem, e mais uma amostra três semanas após o retorno.

“Isso nos deu uma janela detalhada e sem precedentes para analisar a saúde estrutural do cérebro por meio desses marcadores”, disse o professor Peter zu Eulenburg, de Gotemburgo. Segundo ele, as análises mostraram um considerável aumento de proteínas específicas do cérebro nas comparações de amostras antes, após e semanas depois da viagem.

Tais proteínas indicam uma lesão das fibras nervosas na chamada “massa branca”, bem como nos seus tecidos de suporte (“glia”), e na referida “massa cinzenta”, uma queda proteica. Um desses aumentos refere-se à proteína beta-amilóide, que durou por todas as três semanas do tempo de estudo. No lado cinzento, a proteína “tau” registrou queda se comparada aos níveis anteriores às missões. Eulenburg argumenta que essa disparidade denuncia reações de todo o cérebro, e não apenas de uma ou outra parte.

“Ao serem agrupados, nossos resultados indicam uma lesão cerebral leve, mas de longa duração e, potencialmente, neurodegeneração acelerada”, disse o especialista. “Todos os tecidos relevantes do cérebro parecem ser afetados”.

“Neurodegeneração” é o nome aplicado por neurologistas ao desgaste – natural ou não – dos neurônios, que vão perdendo capacidade com o passar dos anos. O efeito é natural do ser humano à medida em que ele envelhece, mas alguns distúrbios cerebrais podem acelerar esse processo. A neurodegeneração é um dos principais sintomas em casos como Alzheimer, Parkinson e Huntington.

O problema, segundo especula o estudo, pode residir na microgravidade: os autores afirmam que ela perturba o fluxo de sangue venoso para e da cabeça. Especificamente, os mecanismos que conduzem esse fluxo podem levar a um aumento na pressão exercida sobre as massas branca e cinzenta ao longo do tempo.

“Ainda são necessários maiores estudos sobre formas de combater esses efeitos no cérebro humano, a fim de minimizar riscos inerentes às missões de longa duração – especialmente, antes de planejarmos uma viagem tripulada para Marte”, disse Eulenburg.

A colonização do planeta vermelho não é mencionada casualmente: a própria Nasa admitiu que estima uma viagem com tripulação humana para Marte a partir de 2030, e já existem estudos que simulam as condições de vida por lá aqui na Terra, bem como pesquisas sobre a construção de moradia usando materiais especiais.

Nada disso, porém, deve avançar se nossos astronautas chegarem lá com problemas cerebrais: a pesquisa considerou missões com duração média de 170 dias, mas somente a ida até Marte levaria em torno de 440 dias – 100 dias a mais que o dobro do período estudado. E isso, considerando apenas a viagem, excluindo os possíveis efeitos que a vivência em um planeta diferente pode nos trazer.

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Jornalista formado pela Universidade Paulista, Rafael é especializado em tecnologia, cultura pop, além de cobrir a editoria de Ciências e Espaço no Olhar Digital. Em experiências passadas, começou como repórter e editor de games em diversas publicações do meio, e também já cobriu agenda de cidades, cotidiano e esportes.

Redator(a)

Rafael Rigues é redator(a) no Olhar Digital