Uma nova imagem do centro turbulento da Via Láctea revelou cerca de mil filamentos misteriosos, inexplicavelmente “pendurados” no espaço. E eles são imensos, se estendendo por quase 150 anos-luz de comprimento. Esses fios unidimensionais são organizados em pares dentro de aglomerados e, muitas vezes, igualmente espaçados, lado a lado, como as cordas de uma harpa. 

Filamentos localizados no centro da Via Láctea são organizados em pares dentro de aglomerados e, muitas vezes, igualmente espaçados, lado a lado, como as cordas de uma harpa.
Imagem: Farhad Yusef-Zadeh

Essa descoberta, na verdade, foi feita há cerca de 40 anos. Usando observações em comprimentos de onda de rádio, o astrônomo Farhad Yusef-Zadeh, da Universidade Northwestern, em Evanston, Illinois, nos EUA, avistou os filamentos magnéticos altamente organizados no início da década de 1980. 

Segundo Yusef-Zadeh, os filamentos compreendem elétrons de raios cósmicos girando seu campo magnético próximo da velocidade da luz. No entanto, sua origem permaneceu um mistério nunca resolvido — até então.

Visão geral do grupo de filamentos permite novas descobertas

Agora, uma nova imagem expôs 10 vezes mais filamentos do que o descoberto originalmente, tornando possível a Yusef-Zadeh e sua equipe conduzirem estudos estatísticos em uma ampla gama de fios pela primeira vez, o que poderia ajudá-los a, finalmente, desvendar o mistério.

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“Estudamos filamentos individuais há muito tempo com uma visão míope”, disse Yusef-Zadeh, que é o principal autor do estudo, já disponível online, e que foi aceito para publicação pelo The Astrophysical Journal Letters. “Agora, finalmente vemos o quadro geral — uma vista panorâmica cheia de uma abundância de filamentos. Apenas examinar alguns deles torna difícil tirar qualquer conclusão real sobre o que eles são e de onde vieram. Isso é um divisor de águas para promover nossa compreensão dessas estruturas”.

Yusef-Zadeh, que é professor de física e astronomia na Faculdade de Artes e Ciências da Northwestern e membro do Centro de Exploração Interdisciplinar e Pesquisa em Astrofísica (CIERA), passou três anos pesquisando o céu e analisando dados no Observatório de Radioastronomia da África do Sul (SARAO), junto à sua equipe.

Após usarem 200 horas de dados coletados pelo telescópio MeerKAT, do SARAO, os pesquisadores reuniram um mosaico de 20 observações separadas de diferentes seções do céu em direção ao centro da galáxia Via Láctea, a 25 mil anos-luz de distância da Terra. Segundo o site Phys, a imagem completa será publicada em um artigo adicional, de autoria do astrofísico Ian Heywood, da Universidade de Oxford, e de coautoria de Yusef-Zadeh.

Quadro de medição da declinação dos filamentos. Imagem: Farhad Yusef-Zadeh

Junto com os filamentos, a imagem também mostra emissões de rádio de inúmeros fenômenos, como supernovas, viveiros estelares e novos remanescentes de explosões de estrelas mortas.

“Passei muito tempo olhando para essa imagem no processo de trabalhar nela, e nunca me canso dela”, disse Heywood. “Quando mostro essa imagem para pessoas que podem ser novas na radioastronomia, ou de outra forma não familiarizadas com ela, eu sempre tento enfatizar que a imagem de rádio nem sempre foi assim, e que MeerKAT realmente é um avanço em termos de suas capacidades. Foi um verdadeiro privilégio trabalhar ao longo dos anos com colegas da SARAO que construíram esse fantástico telescópio”.

Radiação vinda dos fios no centro da Via Láctea é diferente da emitida por remanescentes de supernovas

Para ver os filamentos em uma escala mais fina, a equipe usou uma técnica para remover o fundo da imagem principal, a fim de isolar os filamentos das estruturas circundantes. A foto resultante ficou surpreendente. “É como a arte moderna”, disse Yusef-Zadeh. “Essas imagens são tão bonitas e ricas, e o mistério torna tudo ainda mais interessante”.

Enquanto muitos mistérios em torno dos filamentos permanecem, Yusef-Zadeh conseguiu encaixar mais uma peça do quebra-cabeça. Em seu último artigo, ele e seus colaboradores exploraram especificamente os campos magnéticos dos filamentos e o papel dos raios cósmicos na iluminação desses campos magnéticos.

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Segundo os cientistas, a variação da radiação emitida dos filamentos é muito diferente daquela oriunda do recém-descoberto remanescente de supernova, sugerindo que os fenômenos têm origens diferentes. 

Para a equipe, é mais provável que os filamentos estejam relacionados com a atividade passada do buraco negro supermassivo central da Via Láctea, em vez de explosões coordenadas de supernovas. Os filamentos também podem estar relacionados a enormes bolhas emissoras de rádio que Yusef-Zadeh e colaboradores descobriram em 2019.

Que os filamentos são magnetizados, isso o astrônomo já sabia. Agora, com a nova abordagem, ele pode dizer que os campos magnéticos são amplificados ao longo dos filamentos, uma característica primária que todos esses fios compartilham. “É a primeira vez que estudamos características estatísticas dos filamentos”, disse ele. “Ao estudar as estatísticas, podemos aprender mais sobre as propriedades dessas fontes incomuns”.

Yusef-Zadeh dá um ótimo exemplo da importância do estudo das estatísticas dos filamentos. “Se você fosse de outro planeta, por exemplo, e encontrasse uma pessoa muito alta na Terra, você poderia assumir que todas as pessoas são altas. Mas se você fizer estatísticas em uma população de pessoas, você pode encontrar a altura média. É exatamente o que estamos fazendo. Podemos encontrar a força dos campos magnéticos, seus comprimentos, suas orientações e o espectro de radiação”.

Entre os mistérios que ainda pairam no ar, Yusef-Zadeh e sua equipe estão particularmente intrigados com a estrutura dos filamentos, que são separados um do outro a distâncias perfeitamente iguais. “Ainda não sabemos por que eles vêm em grupos nem entendemos como eles se separam. Também não sabemos como esses espaçamentos regulares acontecem. Toda vez que respondemos a uma pergunta, várias outras perguntas surgem”.

Yusef-Zadeh e sua equipe também ainda não sabem se os filamentos se movem ou mudam ao longo do tempo, ou o que está fazendo com que os elétrons acelerem a velocidades tão incríveis.

“Como você acelera elétrons perto da velocidade da luz? Uma ideia é que há algumas fontes na ponta desses filamentos que estão acelerando essas partículas”, disse Yusef-Zadeh.

Atualmente, a equipe está identificando e catalogando cada filamento. O ângulo, a curva, o campo magnético, o espectro e a intensidade deles serão publicados em um estudo futuro. Entender essas propriedades dará à comunidade astrofísica mais pistas sobre a natureza estranha dos filamentos.

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