Diariamente, a Terra é bombardeada por radiação ionizante – ondas de alta energia capazes de remover elétrons dos átomos do corpo. Altos níveis de exposição à radiação ionizante podem levar à doença da radiação e ao câncer. Felizmente, a magnetosfera e a atmosfera do nosso planeta impedem que quase toda essa radiação – gerada pelo Sol e pelos raios cósmicos galácticos das explosões de estrelas – atinja a vida na superfície da Terra. Ocorre que a Estação Espacial Internacional (ISS) não é protegida pela atmosfera, de modo que os astronautas estão expostos a níveis mais altos de radiação ionizante, o que aumenta o risco de desenvolver câncer ao longo de suas carreiras.

Nasa quer unificar os limites de exposição à radiação para astronautas de todos os gêneros e idades. Imagem: Frame Stock Footage – Shutterstock

De acordo com os limites atuais, estabelecidos pela Nasa em 1989, o limite de dose efetivo para a carreira de um astronauta é baseado em um risco máximo de 3% de mortalidade por câncer ao longo da vida. Esse risco é avaliado com uma escala móvel baseada em idade e sexo, variando de um limite inferior de carreira de 180 milisieverts (mSv) de radiação para uma mulher de 30 anos a um limite superior de carreira de 700 mSv para uma mulher de 60 anos. 

Há um limite de carreira mais baixo para exposição à radiação para astronautas do sexo feminino do que para astronautas do sexo masculino. R. Julian Preston, funcionário da divisão de proteção contra radiação da Agência de Proteção Ambiental dos EUA, esclarece que o limite de radiação mais baixo da Nasa para astronautas do sexo feminino foi baseado em uma descoberta sobre a resistência feminina à radiação. Mulheres e homens foram expostos a altos níveis de radiação por períodos semelhantes de tempo, e os testes revelaram que as mulheres tinham mais que o dobro do risco que os homens tinham de desenvolver câncer de pulmão.

“Tem sido geralmente considerado – com base principalmente nos sobreviventes das bombas atômicas no Japão – que, particularmente para o câncer de pulmão, as mulheres eram mais sensíveis à radiação ionizante do que os homens”, disse Preston, que faz parte de comitês do Conselho Nacional de Proteção e Medições Radiológicas.

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Em 2018, a ex-chefe do corpo de astronautas da Nasa Peggy Whitson, que havia manifestado publicamente suas frustrações com os limites de radiação para mulheres astronautas, teve que se aposentar depois de atingir seu limite, aos 57 anos.

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Limites podem se tornar únicos para astronautas de todos os gêneros e idades

É possível que os limites de radiação firmados pela Nasa mudem em um futuro próximo. Em 2021, a agência solicitou a um painel de especialistas convocado pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina para avaliar seu plano de alterar o limite de radiação de carreira para 600 mSv para todos os astronautas de todas as idades. 

Segundo a Nasa, esse limite foi determinado aplicando o modelo de risco de câncer aos indivíduos mais suscetíveis: mulheres em início de carreira. A agência calculou o risco médio de morte induzida pela exposição para esse grupo e converteu esse risco, o que permite uma margem de erro muito maior do que anteriormente, em uma dose. 

Essa dose de 600 mSv se traduz na exposição que um astronauta receberia durante quatro expedições de seis meses na ISS. Para comparação, é de cerca de 3,6 mSv, de acordo com a Nasa, contra 300 mSv por ano na ISS.

“O novo limite reduziria a dose para alguns grupos de homens, particularmente homens mais velhos”, disse Preston, que também foi vice-presidente do painel de especialistas das Academias Nacionais na avaliação dos riscos de câncer para missões espaciais tripuladas. “Isso significaria que as mulheres poderiam ter uma carreira estendida”.

O comitê, que publicou seu relatório em junho de 2021, era composto por três grupos, que analisaram respectivamente o processo de avaliação de risco, questões éticas e comunicação das novas recomendações.

“Para alcançar essa igualdade, as mulheres podem receber uma dose mais alta do que atualmente, com uma exposição maior do que a permitida atualmente”, disse Preston. “Discutimos isso longamente como uma questão ética. É uma questão de equilíbrio entre qual seria o impacto dessa dose um pouco mais alta e a igualdade de oportunidades de carreira. Propusemos que a Nasa poderia prosseguir com essa abordagem”.

O plano proposto pela Nasa inclui uma isenção do limite de exposição de carreira para missões mais longas, como uma eventual viagem a Marte, que exporia os astronautas a cerca de 900 mSv. Essa dose, no entanto, é provavelmente menor do que os limites de exposição de carreira de 1.000 mSv que as agências espaciais europeia, canadense e russa atualmente têm para seus astronautas.

“Se a Nasa decidisse que esta é uma missão crítica, e há certos astronautas que são críticos para essa missão que excederiam sua exposição na carreira, a agência poderia aplicar uma isenção a isso, e isso foi incorporado ao padrão geral de exposição”, disse Preston. “É uma questão ética bastante complicada, mas seria necessária para ir a Marte”.

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