Qual é a temperatura mais baixa que você é capaz de imaginar? O menor índice registrado na Terra foi de -89,2ºC, na Antártica. Isso pode parecer muito frio (e é), mas está longe de ser a menor temperatura do universo. Em alguns lugares da Lua, por exemplo, essa medida chega a -200ºC.

Conforme noticiado pelo Olhar Digital, uma equipe internacional de cientistas conseguiu chegar a uma taxa ainda menor, alcançando a mais baixa temperatura já medida em todo o espaço interestelar. Pesquisadores da Universidade Rice, nos EUA, e da Universidade de Kyoto, no Japão, atingiram, em laboratório, uma temperatura três bilhões de vezes mais fria do que qualquer uma já aferida no cosmos: eles ficaram a um bilionésimo de um grau de atingir o zero absoluto na escala Kelvin, ou seja, -273,15ºC.

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Concepção artística das correlações magnéticas observadas com o simulador quântico: as diferentes cores representam os seis possíveis estados de cada átomo. Créditos: K. Hazzard/Rice University/Ella Maru Studio

Um dos autores do experimento e do artigo que o descreve, publicado na revista Nature Physics, é ​​o cientista mexicano Eduardo Ibarra García Padilla que, após concluir seu doutorado na Universidade Rice, é agora pesquisador de pós-doutorado em Física Atômica na Universidade da California-Davis, também nos EUA.

Segundo Ibarra, existem estados da matéria que só são acessíveis nas temperaturas mais baixas. “Alcançar essas temperaturas e esses estados nos permitirá entender melhor problemas da Física como a supercondutividade em óxidos de cobre, que terão importantes aplicações tecnológicas”.

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Pesquisadores explicam como conseguiram atingir a temperatura mais baixa do universo

Ibarra explica que sua equipe usou lasers para resfriar a níveis extremos os átomos de um elemento químico conhecido como itérbio, aplicando técnicas de resfriamento evaporativo. “O resfriamento evaporativo é como quando você toma uma sopa muito quente. O que você faz é soprar a sopa. Com isso, se remove as partículas mais quentes”, compara. “Os experimentos fizeram algo parecido: no primeiro, utilizamos uma armadilha de luz onde os átomos são presos; no segundo, removemos os átomos mais quentes para resfriar o sistema”.

Nessa técnica, os fótons do laser são absorvidos pelos átomos, fazendo com que eles atinjam um estado de energia mais alto. Os átomos então emitem fótons e decaem espontaneamente de volta ao seu estado inicial. Como essa interação depende da velocidade dos átomos, e como os fótons lhes conferem momento, repetir muitas vezes esse ciclo de absorção-emissão leva ao resfriamento dos átomos.

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Os mesmos lasers também são usados para restringir o movimento dos átomos, prendendo-os em treliças ópticas, canais de luz 1D, 2D ou 3D, que podem servir como simuladores quânticos, capazes de resolver problemas complexos além do alcance dos computadores convencionais.

O físico mexicano Eduardo Ibarra García Padilla (à esquerda) com os colegas da Universidade Rice, Kaden Hazzard (centro) e Hao-Tian Wei. Imagem: Universidade Rice

“A recompensa de ficar tão frio é que a física realmente muda. A física começa a se tornar mais mecânica quântica e permite que você veja novos fenômenos,” disse o coautor Kaden Hazzard, do Departamento de Física e Astronomia da Universidade Rice.

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“Tudo começa com a sublimação [conversão direta do estado sólido para o gasoso, sem passar pelo líquido] dos átomos de itérbio. Esse procedimento geralmente é realizado por um laser de alta potência em um bloco sólido desse elemento, fazendo com que uma pequena quantidade do gás evapore”, explicou Francisco José Torcal-Milla, professor do Departamento de Física Aplicada da Universidade de Zaragoza, na Espanha, em entrevista à BBC News.

Segundo o cientista, uma vez obtido o gás diluído, ele é mantido em uma câmara onde foi criado um vácuo extremo, e os átomos ficam presos por armadilhas ópticas, que são como “uma espécie de laço feito de luz”.

Em seguida, essas moléculas gasosas são atingidas por feixes de laser que vêm de várias direções. “Quando os fótons do laser interagem com os átomos de gás, que estão se mexendo, ocorre uma desaceleração, o que diminui a velocidade média e, consequentemente, a temperatura deles”.

Um dos locais mais conhecidos pelos testes de baixa temperatura é o Laboratório de Átomos Frios (CAL, na sigla em inglês), localizado na Estação Espacial Internacional (ISS), que tem a vantagem de funcionar na microgravidade. Segundo Ibarra, isso não era necessário para os estudos realizados desta vez.

Estação Espacial Internacional sobre o planeta Terra
A Estação Espacial Internacional abriga um dos locais mais conhecidos pelos testes de baixa temperatura, o Laboratório de Átomos Frios (CAL, na sigla em inglês). Imagem: Vadim Sadovski/Shutterstock

Assim, os experimentos que levaram ao alcance da temperatura recorde foram feitos no laboratório da Universidade de Kyoto, liderados pelos cientistas Yoshiro Takahashi e Shintaro Taie. “Fornecemos a parte teórica e numérica do estudo, que nos permite medir as temperaturas em que os experimentos foram realizados”, conta Ibarra.

Torcal-Milla acredita que, ainda assim, seria interessante realizar esses experimentos na ISS, porque, “apesar de a interação gravitacional sofrida pelos átomos individuais em relação à Terra ser pequena, ela se torna mais importante quanto menor forem as interações com o resto do planeta”.

Ibarra explicou que, na natureza, “existem dois tipos de partículas — bósons (como fótons em um laser) e férmions (como elétrons em um sólido) — que apresentam comportamentos diferentes em temperaturas muito baixas”.

No caso dos bósons, todos eles caem para um estado de energia mínimo no qual se tornam indistinguíveis, em um fenômeno conhecido como Condensado de Bose-Einstein.

Já os férmions (partículas fundamentais que compõem a matéria) tornam-se o que se conhece como gás ou líquido de Fermi, capaz de subir paredes ou até mesmo atravessá-las.

Os exemplos mais conhecidos de comportamento estranho em baixas temperaturas são a supercondutividade e a superfluidez. A supercondutividade ocorre quando uma substância é capaz de transmitir eletricidade sem resistência. Já a superfluidez consiste na perda total de viscosidade de uma substância. Esse estado da matéria pode ser alcançado por um líquido de Fermi a temperaturas muito baixas, próximas do zero absoluto.

Nessas temperaturas extremas, quase tudo congela, menos alguns isótopos de hélio, que se tornam superfluidos. Nesse estado, eles podem subir pelas paredes do recipiente onde estão armazenados.

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Quanto mais fria, mais fases exóticas a matéria alcança

Ibarra acredita que, conforme atingimos temperaturas mais baixas, diferentes fases exóticas da matéria podem surgir. E elas podem ter propriedades magnéticas ou de transporte completamente diferentes do que foi observado com outros materiais até agora.

No entanto, tudo é tão complexo que a física ainda não possui ferramentas necessárias para medir todas as correlações entre os átomos no experimento, o que significa que eles ainda não sabem exatamente o que está acontecendo. 

O que puderam verificar foi que os átomos não ficam ordenados nem tampouco em padrões aleatórios, mas em sistemas correlacionados, embora ainda não seja possível isolar uma dessas correlações individualmente. 

“Esses sistemas são bastante exóticos e especiais, mas a esperança é que, ao estudá-los e compreendê-los, possamos identificar os principais ingredientes que precisam estar presentes em materiais reais,” disse Hazzard.

Alguns físicos acreditam que correlações exóticas como essas acontecem nos supercondutores, os materiais que conduzem eletricidade sem resistência – o que significa que essa experiência pode ajudar a compreender um misterioso reino inexplorado de magnetismo quântico.

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