Se a Organização Meteorológica Mundial (OMM) rastreasse a escalada das variações de temperatura e estabelecesse uma métrica comparativa, é bem provável que os registros mais recentes feitos pela Estação de Pesquisa Concórdia, na Antártica, marcariam um recorde global.

 Estação de Pesquisa Concordia, na Antártica Oriental, em registro feito em 2013. Imagem: Francois Lepage/Hans Lucas/Redux via CNN

Em 18 de março deste ano a temperatura na estação, que fica no topo do Dome C, no Planalto Antártico – normalmente conhecido como o lugar mais frio da Terra – subiu para 11,5 Celsius negativos. A temperatura média no local nesta época fica em torno de -49 ºC, o que indica indica um impressionante aumento de 37,5 ºC.

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“Parece ter estabelecido um novo recorde mundial para o maior excesso de temperatura acima do normal já medido em uma estação meteorológica estabelecida”, twittou Robert Rohde, cientista-chefe da Berkeley Earth, organização focada na análise de dados de temperatura do solo para a ciência climática, na segunda-feira (28).

No entanto, Randall Cerveny, professor de ciências geográficas da Universidade Estadual do Arizona, nos EUA, e relator de registros extremos da Organização Meteorológica Mundial, disse em entrevista à CNN que esse tipo de registro – do quanto acima ou abaixo do normal uma temperatura local está – não é algo que a OMM meça e verifique.

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Mesmo assim, segundo Cerveny, essa leitura parece legítima. “Tudo o que eu pessoalmente vi sobre a observação do Dome C sugere que é uma observação legítima”, disse ele.

Embora, obviamente, -11,5 ºC não seja algo que podemos chamar de “quente”, é inédito para esta parte do continente, e 37,5 graus acima da média é igualmente surpreendente. Seria como se a temperatura média no inverno de São Paulo, que costuma variar em torno de 20 ºC, chegasse à impensável marca de 57,5 ºC!

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Concórdia marca recorde de temperatura na Antártica

Além de ter sido a temperatura mais alta de março em todo o continente antártico, o índice de Concórdia foi um “recorde absoluto” para qualquer mês, segundo Etienne Kapikian , climatologista do serviço de meteorologia Meteo-France.

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E não foi o único local a registrar altas temperaturas naquele dia. Vostok, a base de pesquisa russa famosa por registrar a temperatura mais fria do mundo, relatou uma alta temperatura de -17,7ºC, o que significa 27 graus mais quente que a média para o dia. 

Segundo uma análise da Meteo-France, com mais de 60 anos de dados, esse registro “é inédito na história da climatologia”. Uma combinação única de eventos meteorológicos teve que ocorrer para que aumentasse o calor na Antártica Oriental naquele dia. “Definitivamente, um conjunto muito interessante e incomum de fenômenos meteorológicos desencadeou esse evento”, disse Cerveny.

Segundo Cerveny, houve “o fluxo úmido de um rio atmosférico” – tempestades puxando grandes quantidades de umidade do oceano, além de uma intrusão de ar muito quente, raro para esta época do ano, no planalto antártico. A chegada da umidade prendeu o ar quente, permitindo que as temperaturas disparassem no leste da Antártica.

Existe a remota possibilidade de que eventos atmosféricos também tenham se combinado antes da época em que as tecnologias permitissem as previsões meteorológicas, de acordo com John King, pesquisador do British Antarctic Survey. “A rede de observação climática da Antártica é bastante escassa e quase inexistente antes de meados da década de 1950”, disse ele.

Plataforma de gelo chamada Conger, na Antártica, ligeiramente maior do que a cidade do Rio de Janeiro, se desintegrou em poucos dias devido ao calor extraordinário. Imagem: Nasa

O calor extremo na Antártida levanta preocupações sobre os efeitos a longo prazo no gelo, principalmente se a situação persistir. Há pouco mais de uma semana, por exemplo, uma plataforma de gelo na Antártica chamada Conger, ligeiramente maior do que a cidade do Rio de Janeiro e quase do tamanho de São Paulo, se desintegrou em poucos dias devido ao calor extraordinário no continente.

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