Um artigo publicado na quarta-feira (1º) na revista Nature descreve a descoberta de uma supernova diferente: uma estrela transferiu tanto material para sua companheira em um sistema estelar binário que sua morte não provocou uma explosão violenta feito uma bomba, como se costuma observar.

Em vez disso, SGR 0755-2933 chegou ao fim da vida em um evento semelhante a fogos de artifício se esvaindo pelo espaço. Astrônomos identificaram os restos desse fenômeno a 11,4 mil anos-luz da Terra, na constelação de Puppis (ou Popa), localizada no hemisfério celestial sul. 

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Representação artística do ciclo de vida do sistema estelar CPD-29 2176. O sistema começou como duas grandes estrelas (1); há alguns milhões de anos, uma delas se tornou uma estrela de nêutrons depois de uma supernova fraca (4); em alguns milhões de anos, a segunda estrela também se tornará uma estrela de nêutrons (6); eventualmente, o par colidirá e causará uma quilonova (9). Créditos: CTIO/NOIRLab/NSF/AURA/P. Marenfeld

Segundo os cientistas, o fato de ter transferido quantidades anormalmente altas de massa para sua companheira fez com que a estrela moribunda não tivesse retido material suficiente para uma morte explosiva. 

Assim, ela terminou em uma supernova silenciosa “ultra-despojada”, um evento cósmico raro que deixa em seu rastro um remanescente superdenso chamado estrela de nêutrons.

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“Este notável sistema binário é essencialmente um sistema de um em 10 bilhões”, disse André-Nicolas Chené, astrônomo do Laboratório Nacional de Pesquisa em Astronomia Óptica-Infravermelha dos EUA (NOIRLab), coautor do novo estudo, em um comunicado.

A estrela de nêutrons e sua companheira em órbita próxima – um corpo que os pesquisadores preveem que um dia também entrará em colapso para se tornar uma estrela de nêutrons – marcam o primeiro exemplo claro de um sistema estelar que acabará por desencadear uma quilonova: uma explosão cósmica por meio da qual duas estrelas de nêutrons se fundem.

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Embora uma quilonova tenha sido observada pela primeira vez em 2017, os astrônomos registraram apenas as consequências do evento naquela ocasião, graças a observações de luz e ondas gravitacionais. Isso significa que a nova pesquisa representa a primeira vez que os cientistas identificaram um sistema estelar binário antes de uma explosão de quilonova.

Acreditava-se anteriormente que apenas um ou dois desses sistemas existiriam em galáxias espirais como a Via Láctea. Com o recente estudo, essa estimativa subiu para 10, além do fato de que essas observações ajudam a entender melhor a história, a evolução e as mortes atipicamente calmas de estrelas em tais sistemas.

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CPD-29 2176, a estrela irmã, é massiva e orbita a estrela de nêutrons primária a cada 60 dias. Os pesquisadores estudaram essa estrela para entender a formação do atual sistema estelar, bem como o que poderia se desdobrar em seu futuro.

“Este não é apenas um simples sistema binário”

Clarissa Pavao, estudante de graduação da Universidade Aeronáutica Embry-Riddle, no Arizona, EUA, encontrou o sistema enquanto vasculhava dados capturados pelo Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no Chile. 

Em especial, ela estava traçando os espectros da estrela irmã, uma análise de quanta luz uma estrela emite em comprimentos de onda específicos. Depois de limpar o ruído dos dados, ela notou uma linha simples nos espectros que sugeria que a estrela massiva tinha uma órbita altamente circular – uma característica incomum em sistemas estelares binários.

“Esta foi uma descoberta importante que ajudou a equipe a concluir que a estrela de nêutrons primária terminou como uma supernova calma”, disse Clarissa.

Normalmente, quando uma das estrelas de um sistema binário queima seu hidrogênio e se aproxima do final de seu estágio da sequência principal, ela começa a transferir massa para sua estrela companheira. A explosão resultante do fim da vida útil muitas vezes expulsa as estrelas companheiras dos sistemas e entra em órbitas altamente elípticas.

No entanto, isso não parecia ter ocorrido no intrigante sistema. Para entender melhor o que poderia ter acontecido no fim da vida de SGR 0755-2933, os astrônomos percorreram milhares de modelos que descreveram sistemas estelares binários semelhantes ao que estavam estudando, encontrando apenas dois que combinavam.

Segundo o site Space.com, a equipe então traçou a história da estrela e concluiu que ela se comportou, na maior parte, como qualquer outra estrela massiva ficando sem combustível: no fim de sua vida, começou a transferir material para sua companheira e diminuiu em uma estrela de baixa massa com um núcleo de hélio, como os cientistas esperavam.

Nesse processo, no entanto, a estrela perdeu tanta massa que sua supernova “nem sequer tinha energia suficiente para chutar a órbita para a forma elíptica mais típica vista em binários semelhantes”, disse Noel Richardson, astrônomo da Universidade Aeronáutica Embry-Riddle e principal autor do novo estudo.

A estrela moribunda também não tinha energia suficiente para expulsar sua companheira do sistema, e é por isso que as duas continuam a ter órbitas apertadas, de acordo com o estudo.

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Origem de metais pesados no Universo

Daqui a milhões de anos, a equipe prevê que as duas estrelas de nêutrons irão espiralar lentamente uma em direção à outra em uma dança cósmica, colidindo em uma explosão de quilonova, como mencionado. 

Tais explosões são conhecidas por serem uma fonte de imensas quantidades de elementos pesados, como platina, xenônio, urânio e ouro “que são lançados no Universo”, segundo Richardson.

Os astrônomos há muito suspeitam que os elementos pesados liberados durante tais eventos pairavam no meio interestelar até se fundirem em asteroides, que então bombardearam a Terra à medida que o planeta se formava, depositando nele os metais preciosos que vemos hoje. 

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