Um relatório recém-divulgado pela Agência Nacional de Inteligência Geoespacial (NGA) dos EUA, em parceria com o Centro Geográfico de Defesa (DGC) do Reino Unido, revelou que a Anomalia do Atlântico Sul (AAS), uma região onde o campo magnético da Terra é mais fraco, está crescendo. Essa falha cobre parte do Brasil e do sul do Oceano Atlântico e é monitorada de perto pela NASA devido aos seus potenciais efeitos em satélites e sinais de comunicação.

Crescimento da Anomalia do Atlântico Sul (AAS). Crédito: Reprodução/Agência Espacial Europeia

O campo magnético da Terra atua como um escudo protetor contra partículas carregadas do Sol, que vêm com a radiação cósmica e os ventos solares. No entanto, sobre essa área em específico, essa proteção é enfraquecida, permitindo que as partículas se aproximem mais da superfície do que o normal. Isso pode causar problemas significativos para satélites que passam pela região.

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De acordo com o relatório, a intensidade do campo magnético na área da AAS é cerca de um terço da média global. Embora a causa exata da anomalia ainda não seja conhecida, os pesquisadores observaram que ela está se expandindo e se aprofundando para o oeste. Entre 2020 e 2024, estima-se que a área da AAS tenha aumentado em aproximadamente 7%.

Por que a NASA monitora a anomalia magnética sobre o Brasil

A NASA e outras autoridades espaciais monitoram a AAS porque a radiação intensa na região pode danificar os sistemas de bordo dos satélites e interferir na coleta de dados, além de causar problemas na comunicação por rádio. Segundo a agência, grupos de pesquisa geomagnética, geofísica e heliofísica observam e modelam a AAS para prever mudanças futuras e preparar-se para desafios nos satélites e na segurança humana no espaço.

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Evolução da Anomalia do Atlântico Sul (AAS) em seis anos. Crédito: Reprodução / Earth, Planets and Space

Além dos riscos para satélites, a AAS interessa à NASA como um indicador das mudanças nos campos magnéticos da Terra e seus efeitos na atmosfera. A agência observou que a AAS está se dividindo em duas partes, complicando ainda mais as missões de satélite que passam pela área afetada.

Marcel Nogueira, doutor em Física do Observatório Nacional, explicou à Agência Brasil em 2021 que o enfraquecimento do campo magnético na região obriga os satélites a entrarem em modo de espera ao passar pela AAS, desligando temporariamente alguns componentes para evitar danos. Ele destacou que a radiação intensa, especialmente de elétrons, é uma preocupação constante para as agências espaciais e acrescentou que o monitoramento constante da anomalia é essencial para atenuar os riscos associados a ela.

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No Brasil, observatórios magnéticos acompanham a AAS de perto. Em março de 2021, o país lançou o nanossatélite NanosatC-BR2, em parceria com a Roscosmos, a agência espacial russa, para monitorar a anomalia. Este nanossatélite foi projetado especificamente para coletar dados sobre a intensidade e extensão da falha, fornecendo informações valiosas para cientistas e engenheiros.

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Segundo um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences em 2020, o temor de que a expansão da AAS pudesse alterar o campo magnético global tem sido descartado. O estudo mostrou que a anomalia pode ser rastreada até 11 milhões de anos atrás, indicando que não é um fenômeno recente. Isso sugere que a AAS é uma característica persistente do campo magnético da Terra, e não uma nova ameaça.

No entanto, embora a AAS não apresente riscos diretos à saúde humana na Terra, seu impacto sobre satélites e comunicações torna essencial o monitoramento regular e a pesquisa para entender melhor este fenômeno. A expansão e o enfraquecimento contínuo da AAS continuam sendo áreas de interesse significativo para a comunidade científica e as agências espaciais em todo o mundo.

O que é a anomalia magnética que fica sobre o Brasil?

A Anomalia do Atlântico Sul é um ponto fraco no campo magnético da Terra, que protege o planeta de altas doses de vento solar e radiação cósmica. Ela existe porque o cinturão de radiação de Van Allen interno do planeta se aproxima mais da superfície do planeta, causando um aumento do fluxo de partículas energéticas.

Essa anomalia é uma espécie de defasagem na proteção magnética da Terra localizada sobre o Atlântico Sul, mais especificamente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, em faixa que se estende até a África.

O que a anomalia magnética pode causar?

Uma consequência dela é na atuação dos satélites que estão na órbita do nosso planeta. Ao passarem pela região com baixa na retaguarda de proteção, eles podem apresentar avarias causadas pelo fluxo de radiação cósmica. 

Este comportamento estranho do campo magnético da Terra sobre a região do Atlântico Sul pode ser rastreado até 11 milhões de anos atrás. Mas, segundo os cientistas, é improvável que ele cause qualquer reversão iminente do campo magnético do nosso planeta.

Por isso, a anomalia é monitorada por agências espaciais e mais recentemente pelo Brasil, que lançou ao espaço o nanossatélite NanosatC-BR2.

Como essa anomalia magnética surgiu?

Conversamos com Roberto “Pena” Spinelli, físico pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador com foco em Inteligência Artificial (Alinhamento e Consciência), com especialização em Machine Learning pela Universidade Stanford, nos EUA. Ele explicou o que esse crescimento representa.

Primeiro, de acordo com Pena, é necessário entender o que é o campo magnético da Terra. “O campo magnético da Terra é causado por correntes de convecção, que são materiais líquidos em movimento lá no centro da Terra, compostos principalmente por materiais ferromagnéticos – rochas derretidas que têm em sua composição ferro e outros elementos químicos. Quando você tem essas correntes se movendo por conta do giro da Terra e da temperatura, então criam-se correntes internas que ficam subindo, descendo e girando e induzem o campo magnético”.

O campo magnético da Terra age como uma defesa contra partículas carregadas do Sol, que vêm com a radiação cósmica e os ventos solares. No entanto, nessa região específica, essa proteção é reduzida, permitindo uma maior proximidade das partículas com a superfície terrestre. Isso pode gerar problemas para satélites que cruzam essa área. 

Uma captura do modelo global de convecção do manto centrado na subducção sob a placa tectônica sul-americana. Créditos: Ömer F. Bodur
Uma captura do modelo global de convecção do manto centrado na subducção sob a placa tectônica sul-americana. Créditos: Ömer F. Bodur

Isso é causado, segundo Pena, por imperfeições nas correntes internas. “Se as correntes acontecessem de maneira simétricas, fossem todas perfeitas, o campo magnético da Terra seria homogêneo. Mas existem imperfeições nessas correntes, o que resulta em anomalias magnéticas”.

Pena descreve essas imperfeições como rochas sólidas que tomam formas diferentes, a subducção das placas tectônicas de forma diferente em cada região e outras variações geológicas, com destaque para uma possível presença de um pedaço do protoplaneta Theia que se chocou com a Terra há bilhões de anos, dando origem à Lua (saiba mais aqui).

O relatório revela que a intensidade do campo magnético na região da AAS é aproximadamente um terço da média global. A causa exata dessa anomalia ainda não é totalmente compreendida, mas os pesquisadores observaram seu crescimento e aprofundamento em direção ao oeste. Entre 2020 e 2024, estima-se que a área da AAS tenha aumentado em cerca de 7%.