Na última semana, o Facebook bloqueou a publicação de quaisquer notícias vinculadas pela mídia australiana dentro da plataforma. A movimentação foi vista como retaliação por conta da aprovação de um projeto de lei promovido pelo governo, o qual exigia de gigantes da tecnologia, como Google e Facebook, que pagassem a editores de conteúdo noticioso por tudo que fosse compartilhado.
As discussões se resolveram, mas ficou no ar a pergunta: o que realmente aconteceu por trás de toda essa confusão? Nick Clegg, vice-presidente de Assuntos Globais da plataforma, decidiu publicar nesta quarta-feira (24) um post detalhando os bastidores do ocorrido.
“No cerne da questão, do ponto de vista do Facebook, ocorreu um desentendimento básico sobre a relação entre o Facebook e editores de notícias”, disse ele na publicação, salientando que a tomada de decisão pode ter parecido “dramática e abrupta”, mas tinha histórico de longa data para tal.

Entendendo a dinâmica do jogo
Para compreender a história é preciso voltar um pouco e entender, de fato, o funcionamento da plataforma. Há alguns anos, o Facebook deixou de ser apenas uma rede social de conversas entre amigos para se tornar um império da monetização de conteúdo corporativo.
Dessa forma, além dos perfis pessoais, a plataforma de Mark Zuckerberg liberou a criação de páginas para empresas, com intuito de permitir que organizações publicassem seus próprios materiais na rede, podendo ampliar o compartilhamento para a base de usuários do Facebook e, consequentemente, o alcance das postagens.
Em troca desse espaço, as empresas pagam pela exibição dos conteúdos, em uma corrida para determinar quem alcança mais usuários. Nessa dança, o algoritmo da rede fica encarregado de determinar o que aparece ou não aos leitores, de acordo com investimentos feitos e interesses das pessoas.

De forma resumida, esse é o funcionamento base de todas as redes sociais que monetizam espaços atualmente. Empresas de mídia também fazem parte dessa briga: não é porque o conteúdo é de interesse civil que não há certas cobranças.
Em contrapartida, o VP salienta que o Facebook oferece um retorno sobre o investimento. Como exemplo, ele afirmou que a rede social teria revertido 5,1 bilhões de referências para os publishers australianos, em um valor estimado de cerca de AU$ 407 milhões – ou o equivalente a R$ 1,75 bilhão, na cotação atual.
Conteúdo barrado
A proposta do governo australiano com a nova lei era fazer com que o Facebook pagasse às empresas de mídias por elas “permitirem” que os conteúdos noticiosos fossem compartilhados na rede, invertendo a lógica de monetização atual.
“São os próprios editores que optam por compartilhar suas histórias nas mídias sociais ou torná-las disponíveis para serem compartilhadas por outras pessoas, porque eles podem obter ganhos com isso?”, questiona Clegg.
Vale citar que essa é uma briga antiga entre Facebook e a indústria de notícias, parte inerente à lógica que a modernidade trouxe para diversas gigantes da tecnologia, como bem exemplificou Tom Goodwin, vice-presidente sênior de estratégia e inovação da Havas Media, em sua icônica frase, escrita para um artigo de 2015 para o Tech Crunch:
“Uber, a maior empresa de táxi do mundo, não tem carros. Facebook, o proprietário de mídia mais popular do mundo, não cria conteúdo. Alibaba, a mais valiosa varejista do mercado, não possui estoque. E Airbnb, a maior provedora de hospedagem do mundo, não possui qualquer imóvel.”
– Tom Goodwin, da Havas Media
Assim, o Facebook não produz qualquer conteúdo compartilhado dentro da rede. Porém, é com esses mesmos materiais que eles ganham dinheiro; ao passo que as mídias de notícias utilizam o espaço da plataforma para alcançar novos e velhos leitores e, assim, obter retorno em investimento por meio de cliques.
Conteúdo noticioso x publicidade
A internet trouxe uma dinâmica que derrubou muitas das tradicionais publicações midiáticas no mundo, que viram seus anúncios ficarem cada vez menos rentáveis, à medida que as redações diminuem.
Para Clegg, cobrar do Facebook que paguem às publicações australianas para ter o conteúdo exibido na plataforma é o mesmo que cobrar de montadoras de carros que financiem estações de rádio simplesmente porque os motoristas as escutam enquanto dirigem.
O executivo afirma, ainda, que “é compreensível que alguns conglomerados de mídia vejam o Facebook como uma fonte potencial de dinheiro para compensar suas perdas, mas isso significa que eles deveriam poder exigir um cheque em branco?”, questiona novamente.

A lógica divide opiniões há anos. Aqui no Brasil, por exemplo, o jornal Folha de S. Paulo deixou de publicar conteúdos em sua página no Facebook desde 2018. À época, a publicação alegou que uma mudança no algoritmo da plataforma diminuíram o alcance e visibilidade do conteúdo da marca no Feed de Notícias dos usuários.
O ápice da briga australiana
O VP de Assuntos Globais do Facebook afirmou, por fim, que apesar de a decisão de ter bloqueado todas as notícias para os australianos tenha parecido que foi algo repentino, não foi.
“Tivemos de agir rapidamente, porque era legalmente necessário fazê-lo antes que a nova lei entrasse em vigor”, escreveu. Segundo o executivo, essas discussões entre governo e Facebook ocorrem há três anos.
Clegg afirma que o governo australiano teve uma abordagem mais radical quanto às negociações, mas a empresa conseguiu chegar a acordos amigáveis em outros países no mundo.
Para o executivo, as preocupações com relação ao tamanho e ao poder das empresas de tecnologia, são legítimas, bem como ainda é preciso discutir questões sobre os estragos que a internet causou à grande imprensa.
“[Essas questões] precisam ser resolvidas de uma forma que responsabilize as empresas de tecnologia, e mantenha o jornalismo sustentável. Mas um novo acordo precisa ser baseado em fatos sobre como é derivado o valor das notícias online, e não com base em um retrato invertido de como as notícias e informações fluem na internet”, afirma.
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