Quantas vezes, ao sentir qualquer sintoma, você já recorreu à internet para tentar se autodiagnosticar? Saiba que não está sozinho nessa: muitas pessoas buscam o “Dr. Google” e sua “equipe” formada pelas redes sociais antes de procurar atendimento médico. Pesquisadora do Centro de Doenças Inflamatórias Intestinais da Clínica Scope, em Campo Grande (MS), a gastroenterologista Dídia Cury afirma que, em relação a essa especialidade, 70% dos pacientes entrevistados afirmaram usar a internet para se informar sobre suas enfermidades.

Cury, que é professora visitante do Centro de Crohn e Colite do Brigham and Women’s Hospital da Universidade Harvard, nos EUA, conta que resolveu iniciar seu estudo com base no comportamento observado em seus pacientes. “Minha curiosidade inicial era saber como o ‘Dr. Google’ influenciava essas pessoas no tratamento e, num segundo momento, pensamos em investigar também se ele afetava o grau de estresse e ansiedade delas.”

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A gastroenterologista Dídia Cury, membro do Centro de Doenças Inflamatórias Intestinais da Clínica Scope, em Campo Grande (MS), liderou pesquisa sobre uso da internet entre pacientes de doenças inflamatórias intestinais. Imagem: Captura de tela/YouTube

Diante da quantidade de relatos de pacientes que mencionavam as buscas na web, a médica decidiu montar e conduzir uma análise aprofundada para entender até que ponto as pesquisas pela rede e as mídias sociais impactam no tratamento e no bem-estar dessas pessoas.

Após coletar dados suficientes, ela procurou dois jornalistas especializados em mídias sociais e elaborou um questionário para aplicar na pesquisa. E, atenta ao estado mental dos pacientes, se conectou com um psiquiatra para identificar a melhor forma de averiguar o grau de ansiedade e estresse que a web poderia desencadear. Por fim, a pesquisadora buscou uma ferramenta validada para apurar também de que forma a internet interferia na adesão medicamentosa. Aprovado em comitê de ética, o estudo entrevistou 104 pacientes com uma média de idade de 37 anos.

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O que são doenças inflamatórias intestinais

Entende-se por doenças inflamatórias intestinais (DII) os problemas de saúde crônicos que causam inflamação no aparelho digestivo (nem sempre limitada ao intestino) e, em algumas situações, respostas mais generalizadas. Quem convive com elas tem dores, diarreias, sangramento, constipação, entre outros incômodos. Os dois principais quadros de DII são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa.

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Doença de Crohn: cólon digestivo humano com sintomas de inflamação causando obstrução (ilustração 3D). Imagem: Lightspring – Shutterstock

Enquanto a primeira é uma inflamação profunda e extensa que pode atingir todo o trato gastrointestinal (da boca ao ânus), a outra ataca apenas o cólon e reto, causando dores abdominais e inflamação intestinal, e limitando-se à porção mais superficial da mucosa.

“Dr. Google” é procurado por 60% dos pacientes que recorrem à internet

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Depois de 45 dias de estudos, a médica e seus colaboradores partiram para a etapa de mensurar os resultados. Eles descobriram que, dentro do grupo de pessoas que disseram que usam a internet para obter informações gerais sobre as doenças do aparelho digestivo, 90% buscam sobre os sintomas.

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Em relação à frequência de uso da internet com esse objetivo, 42% dos entrevistados afirmaram utilizar a rede uma vez por semana. Os que disseram usar diariamente foram 10%. Cerca de 3% usam duas vezes por semana e 18%, uma vez por mês.

Quanto às vias de busca por informações, o Google é, disparadamente, o campeão de acessos: mais de 60% dos participantes “se consultam” com ele, enquanto 16,7% afirmaram frequentar grupos online de pacientes em redes como Facebook, 16,2% recorrem a sites de saúde, 12,8% a sites médicos ou de entidades médicas e 17,8% a outros sites no geral. O YouTube foi mencionado por 13,7% dos entrevistados, e 6,9% deles citaram o WhatsApp.

Conteúdos procurados variam de histórias de outros pacientes a bulas dos remédios prescritos

Para seis em cada dez entrevistados, complementar o conhecimento que dispõem a respeito das doenças é a principal razão de consulta à web. Cerca de 36% afirmaram querer comparar suas experiências com a história de outros portadores de DII. A procura por novidades sobre as doenças motivam a busca de 12,8% dos pacientes. Bulas dos remédios prescritos pelos médicos e suas reações são alvo da pesquisa de 13% dos entrevistados. Por fim, o nível de confiança nos conteúdos consumidos foi citado por 64,4%.

Hábito de pesquisar sobre doenças, tratamentos e remédios é comum entre usuários da web. Imagem: Fizkes – Shutterstock

Impactos na saúde mental dos pacientes

Segundo a líder do estudo, esse comportamento poderia levar a um impacto negativo: o aumento da insegurança, estresse e ansiedade. “Como se as informações ali encontradas pudessem deixá-los mais desnorteados e tensos diante da doença e seu tratamento”.

Mas, não foi isso que os pesquisadores identificaram. Pouco mais de 40% dos entrevistados disseram se sentir melhor após as buscas e o uso da rede para saber mais sobre o problema com o qual convivem. O percentual dos que disseram ficar mais estressados foi significativamente menor.

“Outro aspecto positivo que identificamos foi o fato de 43% relatarem que as informações obtidas pela internet não interferiram no tratamento nem os fizeram mudar algo em relação à orientação médica”, destaca a gastroenterologista.

Em vez de estabelecer uma barreira entre médico e paciente, a internet, segundo a pesquisadora, pode acabar por estreitar a relação. Mais de 20% dos entrevistados, por exemplo, disseram que, após as leituras pela web, conseguiram fazer mais perguntas na primeira consulta. 

Não são poucos os profissionais que temem o abandono de um tratamento após buscas pelo Google e as redes sociais. Mas, pelo menos nesse cenário da DII (com prevalência de adultos jovens e com maior nível educacional), isso não aconteceu. “Se a relação médico-paciente está sólida, acredito que a internet não prejudicará a adesão aos medicamentos”, avalia a médica.

Fonte: Veja Saúde