“Nenhum evento de massa, sem controle, deverá ser feito no Brasil nos próximos meses”. Com a proximidade do Natal, do Réveillon e até do Carnaval, essa frase parece desanimadora e pessimista demais. No entanto, considerando o triste número de 600.425 mortos pela Covid-19 que o Brasil atingiu nesta sexta-feira (8) e o ritmo da vacinação no país, o médico e professor Gonzalo Vecina Neto, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não vê possibilidade de retomada de grandes eventos tão cedo.

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Nesta sexta-feira (8), o Brasil ultrapassou a marca de 600 mil mortos pela Covid-19. Imagem: Photocarioca – Shutterstock

Segundo ele, o ritmo da vacinação no Brasil está proporcional à entrega dos imunizantes. “Estamos andando no ritmo que a oferta permite. Nós temos capacidade de vacinar muito mais gente do que estamos vacinando. Nossa capacidade é de aplicar 3 milhões de doses por dia, e talvez tenhamos atingido esse número um único dia nesse tempo todo de vacinação”, disse Vecina em entrevista ao Olhar Digital. “Na média, ficamos abaixo de 1 milhão de doses/dia. E isso é porque temos uma entrega pequena. Esse é o problema: compramos poucas vacinas, temos poucas para dar”.

Cobertura vacinal depende da imunização de menores de 18 anos

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a meta de cobertura vacinal é de 80% da população, para garantir o controle da doença. Para Vecina, esse número não é o ideal, mas é aceitável. 

“Hoje, a comunidade mundial estabeleceu 80% de pessoas vacinadas no total, para que se tenha cobertura mínima necessária. Não é o índice ideal, mas é um índice aceitável. O ideal seria acima de 90%. Agora, esse índice considera a população inteira. Se considerarmos somente as pessoas acima de 18 anos, temos que aumentar a cobertura para, pelo menos, 95%, para diminuir as chances de o vírus circular e encontrar pessoas não protegidas”.

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Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, é fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Imagem: Captura de tela site FSP-USP

Ele explica que “quanto menos vacinarmos para baixo, mais devemos vacinar para cima”, ou seja, quanto menos pessoas abaixo de 18 anos estiverem imunizadas, mais pessoas acima dessa idade deverão ser vacinadas.

“Nós começamos a vacinar as pessoas abaixo de 18 anos, e quando começarmos a vacinar o grupo abaixo de 12, aí a cobertura vai melhorando”, disse o médico, que acredita que a vacinação para os menores de 12 anos deve iniciar, provavelmente, em meados de fevereiro de 2022.

Essa previsão é baseada no andamento da imunização no país. De acordo com informações do Ministério da Saúde, até dezembro, o Brasil deve receber 305 milhões de doses, com lotes da Janssen (Johnson & Johnson), da Pfizer/BioNTech e da Covishield (AstraZeneca/Oxford/Fiocruz). 

“Espero que o governo volte a contar com a CoronaVac, distribuída no Brasil pelo Instituto Butantan”, diz Vecina.

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Grandes eventos devem ser controlados para evitar propagação da Covid-19

Quando se fala em voltar ao normal, as pessoas logo têm em mente deixar de usar máscaras e voltar a frequentar ambientes de massa sem preocupação. Obviamente, não podemos deixar de considerar que o normal mesmo é deixarmos de registrar esse grande volume de mortos por dia pela doença.

No entanto, em relação às festas e outras reuniões de grande público, ainda é necessário ter cautela. “Não podemos ter grandes festas públicas de Reveillon nem Carnaval aberto”, afirma Vecina. “Sobre eventos fechados, aqueles que possam ter controle de quem entra, tudo bem. E o controle é assegurar que só pessoas vacinadas entrem”. 

Na opinião do médico, quem for a um evento fechado de massa deve ter o passaporte vacinal. “Jogo de futebol, teatro, cinema, shows, tudo isso pode, desde que se comprove que tenha tomado a vacina”. 

Sobre o Carnaval, ele acha que é possível, sim, que a festa seja retomada em 2022, mas com ressalvas. “Carnaval em espaço aberto é muito difícil de se fazer esse controle, é impossível. No sambódromo é diferente, pois é possível controlar o acesso de quem vai assistir e exigir comprovante de vacinação também dos que vão desfilar. Para impor essa regra, é óbvio que vão ter dificuldades, pois nesse país é tudo uma bagunça. Mas, tecnicamente, é possível”.

Ele alerta que é muito importante monitorar a taxa de transmissão do vírus. “Sempre tem que estar de olho na taxa de transmissão, que deve estar abaixo de um”. Na última semana de setembro, de acordo com o Imperial College de Londres, a taxa de transmissão (Rt) no Brasil estava em 1,04 (com variação entre 0,99 e 1,66), a maior desde o mês de junho. Isso quer dizer que cada 100 pessoas contaminadas transmitem a doença para outras 104. 

“Daqui para frente, vamos sempre ter casos de Covid. Não vai acabar”, afirma Vecina. “Mas, temos que garantir que o número de casos esteja sempre baixo. Se subir, para tudo, não tem saída. É essa a perspectiva do futuro”. 

Vecina ressalta que sempre existe a possibilidade de aparecer uma variante capaz de driblar a vacina. “E aí, voltamos à estaca zero e começa tudo de novo, infelizmente”.

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