“Tanto para a Locksmith Animation quanto para a indústria do cinema como um todo foi uma questão de se adaptar”, afirmou ao Olhar Digital Carlos Lutterbach, animador brasileiro que trabalhou como additional story artist na nova animação da 20th Century Studios, ‘Ron Bugado‘. O profissional de 44 anos e o story artist Victor Sampaio, de 28, representaram o País e trabalharam de forma remota em meio à pandemia na nova produção distribuída pela Disney.
Ainda antes mesmo da ascensão da Covid-19 ao redor do planeta, em 2019, os brasileiros já haviam sido escolhidos para participarem do projeto – que seria o primeiro longa-metragem da história da Locksmith Animation. Enquanto Lutterbach (que atualmente reside em Londres, na Inglaterra) foi selecionado a dedo pela Paramount Pictures, produtora em que trabalha, Sampaio foi encontrado na internet pela produtora.
Com o cenário que obrigou o mundo inteiro a entrar em isolamento social, a produção de ‘Ron Bugado’ foi feita em grande parte remotamente – incluindo o trabalho dos animadores, que estavam na linha de frente de um dos departamentos mais importantes: a criação dos personagens do filme. Felizmente, o tipo de operação e o apoio da empresa por trás do longa permitiram aos brasileiros trabalharem tranquilamente de casa.

“A Locksmith já estava preparada antes da pandemia chegar”, explicou Sampaio, que revelou já estar trabalhando de home office antes de entrar no projeto, o que facilitou a inclusão nas operações. “O trabalho de storyboard é muito tranquilo, pois posso desenhar do computador. Tivemos sorte. Na época, a empresa deu suporte para todo mundo, fornecendo material para todas as pessoas para que tudo continuasse fluindo assim, até as mesas para desenhar”.
Veterano da área e já conhecido pela 20th Century Studios (visto que trabalho em ‘Simpsons – O FIlme’), Lutterbach admite o desafio no macro, algo que afetou a indústria, mas declarou que o trabalho de animação não viu-se tão afetado. “Você tem uma história, a mesma equipe e, mesmo assim, todos tem a mesma intenção. Tivemos que fazer funcionar, não havia outra maneira”, afirmou o brasileiro.
“A dificuldade de trabalhar remoto depende muito do departamento. No nosso caso, estamos criando [os desenhos]. É diferente de fazer a animação ou quando você recebe o rigg do personagem – em que você tem que colocar ele ou ela em um computador, que por sua vez está conectado a um servidor e etc. Para nós [da criação], trabalhar em casa não foi diferente de muitas outras situações”, desabafou o profissional.
Trabalho pesado, independente das circunstâncias
Mas se a pandemia e o isolamento social não afetaram a parte técnica do trabalho dos brasileiros em ‘Ron Bugado, ao menos na parte de brainstorming – criação e trocas de ideias – causou certo impacto. “Fazia falta a interação social. Eu morria de inveja de ver [na tela do Zoom] todos no estúdio e eu não estar lá”, brincou Sampaio. Lutterbach ratificou e admitiu que os encontros presenciais e as exposições de opiniões são partes essenciais do trabalho que fizeram falta.

Questionei os brasileiros, então, sobre se puderam dar ideias para a criação das animações à trinca de diretores da animação: Sarah Smith, Jean-Philippe Vine e Octavio E. Rodriguez. “Quando eu cheguei no projeto, um pouco depois [do começo dos trabalhos], o roteiro já estava mais fechado. Era mais uma questão de explorar visualmente, colocar a câmera e testar a atuação dos personagens, tom de tal cena, se a mesma deveria ter mais emoção”, detalhou Sampaio.
O jovem até afirmou que chegou a “dar uma ideia ou outra”, mas por estar trabalhando a distância por conta do isolamento social, o brainstorm era mais complicado. “Os diretores sempre chegavam com algo bem planejado. Meu trabalho era pegar a visão deles e colocar na tela”, comentou o animador, que explicou também que “palpitar” nos trabalhos é algo que “depende muito de quem está à frente de cada projeto”.
Lutterbach mostrou não se importar muito com o fator dar ideias no projeto ou não e declarou: “a função [do story artist] é ajudar o diretor a fazer o filme que ele está sonhando em fazer. Se você fizer isso, você fez o seu trabalho”.
“Às vezes você tem a oportunidade de contribuir, principalmente no início do projeto – onde você tem mais liberdade para fazer sugestões e tentar descobrir como os personagens, de fato, vão ser, qual vai ser o tom do filme, como será o visual, se há algo diferente na maneira de filmar simbolicamente e etc”, explicou ele, que assemelha animações em que trabalha como uma escultura.

“Você começa com um shape bem básico. Na medida em que o filme vai chegando no final, aí sim você começr a colocar uma ‘dobrinha’ aqui, uma sobrancelha específica ali, mais cabelo e, enfim, tudo é importante. O que acontece mais tarde, só acontece se o passo anterior funcionou”, declarou o brasileiro, que em nenhum momento deixou de valorizar o trabalho dos story artists. “Para toda a ideia do script funcionar, o processo de animação tem que estar preparado para o resultado final sair de forma perfeita”, afirmou.
“O que você vê no final parece tão natural que, algumas vezes, as pessoas esquecem todo o suor [dos trabalhadores em] fazer aquele desenho chegar de forma tão natural”, apontou Carlos.
“Para mim, a parte do storyboard é a mais difícil, sabe? Descobrir o tom do diretor, a maneira que você vai usar a câmera para contar a história… Todo pequeno detalhe de câmera, mesmo numa animação, faz uma diferença enorme”, comenta ele, que ainda cita os momentos em que os personagens estão correndo ou cenas mais subjetivas como as mais complicadas – tão quanto como gravar com atores e atrizes na vida real.
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Perguntados sobre trabalhar com três diretores em um mesmo projeto ao mesmo tempo, tanto Carlos quanto Victor admitem que o trio formou uma excelente parceria e deixou a produção de ‘Ron Bugado’ muito mais alegre. “Eles trabalharam muito bem juntos. O filme não teria funcionado bem se eles não tivessem uma visão compatível”, comentou o veterano animador.
“A única dificuldade com eles foi o quão se divertiram com todo o projeto desde o começo”, brincou Sampaio. “Os três pareciam amigos de infância trabalhando juntos. Então, quando eles davam as notes (anotações) em nossos trabalhos, com sugestões de mudança quando eu entregava um storyboard, eles simplesmente riam sem parar e falavam: ‘e se a gente fizesse isso ou aquilo?’. Para mim, eles estavam bem ‘encaixadinhos'”.
Saiba mais sobre ‘Ron Bugado’
A nova animação da 20th Century Studios e distribuída pela Disney, ‘Ron Bugado’, acompanha um estudante tímido e desajeitado do ensino fundamental, Barney, e o seu mais novo amigo, Ron – um robô super inteligente e conectado que anda e fala, mas que veio com defeitos de funcionamento. A dupla, a partir daí, começa uma trajetória de ação enquanto ensinam a crianças, jovens e adultos uma lição incrível sobre amizade verdadeira (leia nossa crítica).
Ao longo de 106 minutos de filme, é fácil encontrar elementos da história para se identificar. O protagonista humano, por exemplo, tem dificuldades em fazer amigos e acredita que um “b-bot” (o robô ultraconectado do longa) garantirá a tão sonhada popularidade na escola e o ajudará a enfrentar qualquer desafio social – um sentimento universal com que todos nós, de 0 a 100 anos, já passamos em algum momento da vida.
Por outro lado, a animação tem tom maduro o suficiente para tecer fortes e diretas críticas à dependência tecnológica e ao vício em redes sociais, principalmente em menores de idade. O Olhar Digital também entrevistou com exclusividade os diretores Jean-Philippe Vine e Octavio E. Rodriguez (assista acima) que, ao lado de Sarah Smith, foram os responsáveis por trazerem Ron a vida (mesmo “bugado”).
Curtiu e não vê a hora de assistir ‘Ron Bugado’? O longa chegou em 21 de outubro de 2021 nas salas de cinema em todo o Brasil – péssima data, vale ressaltar, pois enfrenta diretamente ‘Duna‘, da Warner Bros., e ‘Halloween Kills – O Terror Continua’, da Universal Studios, pela bilheteria. Confira abaixo trailer e sinopse oficiais:
“‘Ron Bugado’ conta a história do jovem Barney, um menino de onze anos que tem dificuldade de fazer novos amigos, e seu companheiro Ron, uma inteligência artificial de alta tecnologia que anda, fala e é o “melhor amigo fora da caixa” de Barney. Mas quando Ron começa a ter seu funcionamento comprometido, os dois saem em uma aventura repleta de ação, onde a amizade entre os dois se mostra verdadeira.”
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