Pesquisadores que estudam a vida dos botos cor-de-rosa, espécie tradicional da Amazônia, vêm observando um comportamento incomum nos últimos anos por parte de machos adultos da espécie. Segundo um artigo científico publicado na revista Behaviour, eles estão atacando filhotes, inclusive recém-nascidos.

Os animais são acompanhados por cientistas do Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia e do Projeto Boto, liderados pela bióloga Vera Maria da Silva, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), da Fundação Grupo Boticário, que há 26 anos monitora os botos em campo, quase diariamente, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. 

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O comportamento agressivo com filhotes observado em alguns botos cor-de-rosa machos adultos não é comum à espécie. Imagem: Divulgação – Fundação Grupo Boticário

Nesse período, a população de botos monitorados pelos biólogos chegou a 758 animais de todas as faixas etárias. “Há fêmeas que acompanhamos há cinco gerações: bisavó, avó, mãe, filha, neta. São vários animais bem conhecidos”, disse Vera à Agência Brasil, explicando que, anualmente, são feitas expedições para capturar e marcar os animais, antes de devolvê-los aos rios.

Segundo a cientista, o primeiro comportamento incomum na espécie Inia geoffrensis, nome científico dos botos cor-de-rosa do Rio Amazonas, foi identificado em 2013. Já o último registro data de 2018. “Para nós, foi uma surpresa”, disse a bióloga. Os demais casos ocorreram em 2014, 2016 e 2017.

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Vera explicou que, mesmo monitorando diariamente os animais, a chance de registrar esse tipo de comportamento é pequena, até mesmo porque a maior parte dos eventos ocorre embaixo d’água, o que não é acompanhado pelas equipes. 

Ela destacou também que o fato de não serem registrados não significa que os ataques não aconteçam. “Nós é que não tivemos a oportunidade de registrá-los antes”, explicou.

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De qualquer forma, a depender da disponibilidade de financiamento, os estudos devem continuar para descobrir por que tão poucos registros foram feitos e por que só tão recentemente isso passou a acontecer.

Poucas espécies de botos demonstram tal comportamento

Segundo Vera, até então, esse comportamento agressivo não era conhecido como uma característica dos botos da Amazônia. Um evento de agressão foi identificado por equipe da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) com o boto-cinza, da Baía de Guanabara, que, no entanto, não confirmou a morte do filhote.

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Também há casos relatados, de acordo com Vera, com o golfinho nariz-de-garrafa, ou flipper, que tem um comportamento reprodutivo diferente, no qual os machos “formam uma aliança e controlam a fêmea por um período, fato que não ocorre com o boto da Amazônia”. 

A agressividade com os filhotes é comum na espécie Tursiops truncatus, o golfinho nariz-de-garrafa. Imagem: Chanonry – Shutterstock

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A líder da investigação informou que em um universo de cerca de 70 espécies de golfinhos no mundo, somente quatro ou cinco delas apresentam esse tipo de comportamento agressivo. “É muito pouco”, disse Vera.

Para dar continuidade ao monitoramento, a equipe pretende fazer observações diárias da população de botos marcados na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. “Se aparecerem novas informações, temos que registrar e ir reportando”, disse Vera.

Ela explica que existe a probabilidade de haver um período com maior frequência desse comportamento, que é a época do nascimento dos filhotes, entre setembro e outubro de cada ano. “Poderia ser que esse tipo de comportamento já fosse mais frequente.” A meta da equipe não é se dedicar especificamente a esse tipo de registro, mas continuar fazendo o monitoramento de uma forma abrangente.

Botos não teriam vantagem alguma de agirem como os leões

Segundo Vera, para os botos, não há vantagem em matar filhotes para garantir a sobrevivência de seu próprio filho, como no caso dos leões, porque eles não permanecem com as fêmeas. “Como são promíscuos, se agirem assim, podem matar o próprio filhote. Por isso, do ponto de vista evolutivo, e também dessas teorias de seleção sexual, a gente vê que o boto não se encaixa, e essa agressão pode ser muito mais uma coisa disfuncional não adaptativa. Os machos se agrupam e são muito agressivos entre eles, mas não formam esses grupos coesos e de longa duração, como entre outras espécies existentes”.

As gestações das fêmeas do boto da Amazônia duram um ano, e o nascimento ocorre entre setembro e outubro, quando o nível da água está mais baixo e há alimento em abundância. Embora elas copulem com vários machos, têm apenas um filhote por gestação.

Segundo a Agência Brasil, com a pandemia do novo coronavírus, o projeto foi suspenso temporariamente, mas a expectativa é que as atividades de monitoramento retornem este ano. Em dezembro de 2020, todos os membros da equipe, um total de 18 pessoas, foram infectadas com Covid-19.

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