Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Em fevereiro tem Carnaval. Embora nem sempre o Carnaval caia no mês de fevereiro, as palavras na canção de Jorge Ben Jor transmitem a certeza de que todo ano nós brasileiros podemos contar com um dos maiores espetáculos da Terra: o Carnaval. Mas não, nós não vamos falar do Carnaval e sim de um outro espetáculo que acontece no céu, um fenômeno raro e de beleza única, proporcionado pelos cometas. 

Só que ao contrário do desfile das escolas de samba, que anualmente brilham na avenida, cometas são como astros caprichosos, convidados imprevisíveis, que embora possam se apresentar de forma esplendorosa pela noite, muitas vezes passam timidamente e frustram as expectativas dos astrônomos. Astrônomos que aguardavam sua passagem com o mesmo entusiasmo que a sambista conta os dias para o Carnaval. Mas amanhã vai ser outro dia! 2024 tem tudo para ser um ano de remissão astronômica para os cometas. Um deles promete ser visível a olho nu nos próximos meses, enquanto outro pode até mesmo se tornar o cometa mais brilhante dos últimos 15 anos.

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Vindos das regiões mais frias e afastadas do Sistema Solar, os cometas são como pedras de gelo e poeira que, por algum motivo, foram lançados para o interior do Sistema Solar. E ao se aproximarem do Sol, esses viajantes espaciais começam a revelar seu esplendor. 

O distante Cinturão de Kuiper (além da órbita de Netuno) e a ainda mais distante Nuvem de Oort são as regiões longínquas do Sistema Solar de onde tem origem os cometas. Créditos: NASA

O calor do Sol faz com que parte do material congelado desses icebergs cósmicos evapore, criando uma espécie de atmosfera chamada “coma”. Essa coma se estende por milhares de quilômetros, formando uma imensa bolha de gás. E para adicionar um pouco de brilho ao nosso astro, as partículas energizadas dos ventos solares interagem com os gases da coma, fazendo-os brilhar como uma lâmpada no céu noturno. 

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Completando a alegoria, esses mesmos ventos solares arrastam consigo as partículas de poeira e os gases ejetados, formando uma cauda de poeira e outra de gases ionizados, que podem se estender por milhões de quilômetros. 

Estrutura típica de um cometa (C/2023 F3 NEOWISE) – Créditos: Michael Jäger

Isso deve ocorrer com todos os cometas que se aproximam do Sol, mas esplendor desse espetáculo, vai depender do tamanho do núcleo, do quanto ele se aproxima do Sol, da composição do cometa e também do quão perto estamos da avenida por onde ele desfila. Como conseguimos medir a maioria desses fatores, podemos até prever quando eles devem passar e se podemos esperar algo a mais de um cometa. Mas de certo mesmo, só o imponderável, que torna cometas imprevisíveis. 

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Nesta semana de carnaval, um deles se apresentou. Trata-se do Cometa  C/2021 S3 (PANSTARRS), que se aproximou de seu ponto mais próximo do Sol e também de sua fase mais luminosa. Ninguém esperava que ele pudesse se tornar um cometa brilhante, mas ao invés de surpreender os jurados, o C/2021 S3 se intimidou e desfilou cerca de 5 vezes menos luminoso do que se estimava. O Cometa descoberto pelo PANSTARRS em 2021 está visível a leste durante as madrugadas, mas seu brilho é tão tênue que só com bons telescópios é possível vê-lo, e mesmo assim, apenas como uma manchinha esbranquiçada.

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Cometa C/2021 S3 (PANSTARRS) registrado bem mais tênue do que se esperava pelo Observatório Astronômico Rei do Universo em Manaus, AM – Créditos: OARU / Geovandro Nobre

Por outro lado, quem vem surpreendendo os astrônomos há algum tempo é um velho conhecido, o 12P/Pons-Brooks. Ele foi descoberto em 1812 por Jean Louis Pons e redescoberto por William Robert Brooks em 1883. Trata-se de um cometa periódico que retorna ao Sistema Solar Interior a cada 71 anos e que foi visto pela última vez em 1954. Em 2020, ele foi novamente observado passando por Saturno, e agora, está a caminho de sua máxima aproximação da Terra e do Sol. 

Para o desfile deste ano, o 12P/Pons-Brooks escolheu uma fantasia de diabo, que pra mim, parece mais a Millenium Falcon, e ao que tudo indica, este cometa vai brilhar além das expectativas. Isso devido a uma característica que já havia sido observada em suas passagens anteriores. Ao se aproximar do Sol, ele começa apresentar explosões de brilho, que os cientistas atribuem à presença de criovulcões em sua superfície. 

À esquerda, cometa 12P/Pons-Brooks e seu formato peculiar. À direita, curva de brilho esperada (linha vermelha) e brilho observado (pontos azuis e pretos) – Créditos: Fillip Romanov e astro.vanbuitenen.nl

O 12P/Pons-Brooks, deve atingir seu periélio em 21 de abril, quando a previsão é ele atinja a magnitude 4.5, que o tornaria visível a olho nu. Só que desde julho do ano passado, ele tem apresentado surtos que elevaram significativamente seu brilho. E se nosso astro continuar inspirado, pode ser que ele proporcione um verdadeiro espetáculo no céu, aparecendo inclusive durante o grande eclipse solar de 8 de abril. Mas esse ainda não é o evento cometário mais esperado de 2024.

Descoberto no ano passado pelo Observatório da Montanha Púrpura, na China, e pelo Telescópio ATLAS na África do Sul, o Cometa C/2023 A3 (Tsuchinshan-ATLAS) se aproxima da sua apoteose no segundo semestre deste ano. No final de setembro, ele deve atingir seu ponto mais próximo do Sol e, de acordo com os cálculos, já deverá estar tão luminoso quanto Sirius, a estrela mais brilhante do céu noturno. 

Durante todo o mês de outubro e até o início de novembro, Tsuchinshan-ATLAS deve desfilar visível a olho nu, mas em meados de outubro o espetáculo deve ter seu ápice. Dependendo do tamanho e da composição da cauda que o cometa tiver desenvolvido nos últimos meses, ele pode brilhar tão intensamente quanto o planeta Vênus, proporcionando momentos de glória para astrônomos e astrofotógrafos de todo o mundo. 

Cometa McNaught, o mais brilhante deste século, sobre o Oceano Pacífico visto do Observatório do ESO em Paranal, Chile – Foto ESO / Sebastian Deiries

Então, se você é mais um que acha que os cometas são apenas rochas geladas enviadas dos confins do Sistema Solar para frustrar as expectativas dos astrônomos aqui na Terra, é bom saber que 2024 pode mudar sua opinião. O desfile já começou e os astros já estão na avenida!